Quis o destino que a minha primeira viagem para fora da Península
Ibérica, e a primeira de avião, se fizesse para Moscovo, em 23 de Julho de 1991,
restavam poucos dias para o fim da União Soviética.
Foi uma sensação estranha a primeira vez que levantei voo, eu que até
então apenas tinha viajado numa pequena avioneta.
Mais estranho ainda foi a rapidez com que depressa avistei os Alpes,
apenas duas horas depois da partida, uns Alpes ainda cobertos de neve, apesar
de ser Verão, e, logo de seguida, os grandes lagos da Suiça, num dia límpido
onde, por causa da altura da Suiça, avistávamos nitidamente do avião os carros que
circulavam à volta desses lagos.
Depois de passarmos pelos espaços aéreo das então Republica Federal Alemã e Checoslováquia, aproximámos-nos de Moscovo, após cerca de cinco horas de viagem, numa descida
que meteu algum medo para quem, como eu, nunca tinha viajado àquela altura,
pois só se avistavam enormes bosques, no
meio dos quais um “pequeno” aeroporto, minúsculo daquela altitude, mas do
qual rapidamente nos aproximamos para uma aterragem sem sobressaltos.
Estava em Moscovo, capital do Império Soviético, a viver os seus
últimos dias como tal, embora ainda ninguém o soubesse.
Atravessámos um aeroporto pouco movimentado, com filas de computadores
desligados, mas as formalidades, ao contrário do que imaginava, foram pouco
demoradas. Jantámos num restaurante do aeroporto e saímos, já de noite, pelas 23
horas, hora de Moscovo, a caminho do hotel, nos arredores da capital,
atravessando a cidade de autocarro, onde, através dos vidros, observei as ruas
pouco movimentadas e pouco iluminadas, vislumbrando à distância, pela primeira
vez, as míticas torres da Praça Vermelha.
Depois de atravessarmos a longa “Avenida Lenine”, com mais de 17
kilómetros, quase no final desta, à direita, lá chegámos ao Hotel “Salut”, construído para os Jogos
Olímpicos de Moscovo de 1980.
(Hotel Salut na actualidade)
Eram 4 horas da manhã do dia 24 Julho quando acordei com uma
surpreendente luz do dia, que as grossas cortinas do quarto não filtravam,
voltando a adormecer para voltar a ser acordado às 6 da manha, desta vez pelo
rádio do quarto em altos berros, a debitar o hino da União Soviética com que
iniciava a emissão do dia.
Depois de o desligar voltei a adormecer, sendo novamente acordado, pelo
telefone. Do outro lado da linha oiço uma voz masculina em russo, que eu
julgava ser o despertador que eu tinha pedido para as 8 da manhã, tratando de
me apressar com o banho e a higiene matinal. Uma hora depois, tocou novamente o
telefone, desta vez responde uma voz feminina em russo, a quem agradeci
intrigado, saído para o átrio, o local de encontro com os restantes elementos
da excursão para iniciar a visita a Moscovo. Para grande espanto, não se
encontrava ninguém no átrio, a não ser os empregados do Hotel, pensando que me
tinha atrasado. Foi quando reparei novamente, ao regressar ao quarto, no
relógio electórnico que só marcava 8 da manhã. Tinha-me levantado uma hora mais
cedo, já que o primeiro telefonema tinha sido um qualquer engano e o segundo,
esse sim tinha sido para acordar.
Aproveitei o tempo de espera para dar uma volta pelos arredores do
Hotel.
(vistas do meu quarto de Hotel)
Via-se gente a passear os seus cães e os campos invadidos de corvos,
que aqui são cinzentos, grandes e mansos como pombos, e que, descobri depois, abundavam por toda a cidade.
Finalmente, depois de um refastelado e variado pequeno almoço, lá
partimos para uma primeira visita a Moscovo.
Moscovo era então uma cidade com cerca de 10 milhões de habitantes e quase
100 quilómetro de extensão, com grandes zonas verdes e bairros sóbrios.
Os poucos carros que circulavam eram quase todos da marca “Lada”, um
modelo idêntico ao “FIAT”, ou de marcas desconhecidas no ocidente. Viam-se
muitos e robustos camiões e a maior parte dos carros pareciam saídos dos anos
50/60.
A nossa primeira paragem foi na Universidade de Moscovo, um dos
edifícios mais icónicos da era soviética, um majestoso edifício , nos arredores da qual pudemos visitar um grande miradouro com uma
vista sobre a verdejante cidade, visitando depois uma das características Igrejas
ortodoxas que lhe ficavam próximo, e onde comprei, a uma velha devota, um
interessante crucifixo, com a cruz ortodoxa, todo em metal. Nunca percebi se
era uma réplica, vendida a turistas, ou se a velhota resolveu fazer algum
dinheiro com um objecto pertencente à Igreja.
Prosseguimos com uma viagem de autocarro por Moscovo. Aqui os sinais
funcionavam ao contrário: primeiro o vermelho, depois o amarelo, e finalmente o
verde.
Parámos num sitio com algumas lojas. Tinha observado que, por aqui, as
montras eram raras e as que existiam tinham pouca decoração e, vislumbrando
para dentro, com poucos produtos para vender, e os que existiam eram pouco
variados.
As pessoas vestiam-se de forma modesta, mas limpa, embora os modelos e
os tons fossem variados. Só entre os mais jovens o vestuário era mais moderno.
Depois de regressarmos ao hotel para o almoço, muito bem servido,
regressámos à tarde para visitar a emblemática Rua Arbat, uma vasta rua, maior
que a nossa Rua Augusta, de casario bem decorado e colorido, com muito comércio
de rua e com montras bem mais recheadas e decoradas que aquelas que até então tínhamos
visto.
Por todo lado jovens com bancas onde vendiam artesanato e pintura, onde
faziam retratos aos turistas, músicos de folk e jazz, cafés e pequenos
restaurantes, com muito movimento.
Nas breves conversas possíveis com alguns dos vendedores, todos
perguntavam se eramos árabes ou turcos e faziam uma grande festa quando sabiam
que eramos portugueses.
Foi também nesta rua uma das raras vezes que vi crianças de etnia ciganas a
pedir esmola, em grupos de 4 ou 5.
Nessa visita perdi-me dos restantes membros da excursão, por não ter
ouvido com atenção a hora de encontro, tendo chegado ao local previsto quase
duas horas depois do indicado. O que me valeu é que o mesmo aconteceu a outro colega de
viagem, que já tinha estado em Moscovo e arranhava umas palavras em russo,
tendo conseguido encontrar uma estação de metro ali perto ,para podermos
regressar ao Hotel.
O problema era descobrir qual a estação mais próxima do Hotel.
Em Moscovo existiam então mais de 10 linhas de metro e mais de 100
estações, algumas distando entre si dezenas de quilómetros, algumas com a
extensão de 80 quilómetros, e todas as indicações estavam em Russo. Às vezes
uma palavra extensa apenas se distinguia de outra pela posição de outro
carater, tudo em cirílico. Tínhamos connosco a indicação do metro mais próximo do Hotel, mesmo assim a estação ainda ficava a mais de 500 metros do mesmo. Era
quase como procura agulha em palheiro naqueles grandes mapas de parede.
Ainda por cima era hora de ponta, e a confusão nas plataformas e dentro
dos combóis era imensa, um verdadeiro formigueiro que contrastava com o que tínhamos
visto à superfície, bem mais calmo e menos confuso.
Finalmente, com a ajuda de alguns moscovitas, lá descobrimos a linha
que tínhamos de seguir. Era a nº 1.
Chegados à ultima estação da linha, que ficava a 500 metros do Hotel,
lá tivemos de caminhar de noite, tendo começado entretanto a chover.
Chegados ao Hotel por lá fiquei à noite, jantando uma excelente e bem
servida refeição, com direito a um chá.
Como estava a chover muito desloquei-me para o bar do Hotel, onde
passava num televisor uma selecção de videoclips, gravados por satélite a
partir do “Channel Plus”, passando musicas de Peter Gabriel, Sting e outros
tops ocidentais do momento.
Pela primeira vez na viagem bebi uma bebida alcoólica, um vodka, como
não podia deixar de ser, pelo preço de 5 rublos.
No dia seguinte, 25 de Julho, fomos finalmente ao Kremelin, começando a
visita pela espectacular Igreja da Anunciação, de grandes cúpulas douradas e magnificas
pinturas a fresco e imagens de icons.
Passámos depois à Praça Vermelha, limitada no lado do rio, pela
Catedral de S. Basílio, de grandes cúpulas coloridas, que mais parece um
brinquedo, e do lado oposto, pelo Museu de História Nacional. À direita, o muro
do Kremelin, junto do qual, no seu inicio, fica o Túmulo de Lenin e, na
continuação deste, ao ar livre, os túmulos das principais personagens da
história soviética, de astronautas a Stalin. Também aqui se localiza a bancada
de onde costumavam ficar os lideres soviéticos que assistiam às grandes paradas
militares ou comemorativas.
Do lado contrário o grande edifício do GUM, então o maior centro
comercial de Moscovo, que foi o edifício que visitámos depois da Igreja da
Anunciação. O GUM era um edifício de dois andares com pequenas lojas onde se
vendiam toda a espécie de produtos. A maior parte dos produtos não me pareceram
de grande qualidade, principalmente os de vestuário e calçado. De qualquer modo
estava cheio de gente, formando-se grandes filas para pagamento das compras.
Almocámos num Hotel contínuo ao GUM, o Hotel Moscovo, então o mais luxuoso da capital soviética.
No restaurante fomos assediados pelos empregados e outras pessoas que nos procuravam vender tudo e mais alguma coisa em troca de dólares, quase se esquecendo de nos atender.
(interior do Hotel Moscovo, tirada da net)
No restaurante fomos assediados pelos empregados e outras pessoas que nos procuravam vender tudo e mais alguma coisa em troca de dólares, quase se esquecendo de nos atender.
O serviço e a comida não eram tão boas como no nosso hotel. Tinham
contudo uma excelente sopa. As sopas, pelos menos em Mocovo e nessa época, eram
muito saborosas.
Depois de almoço deslocámo-nos de autocarro até ao “Museu das
Realizações Económicas”, um enorme espaço ao ar livre com vários pavilhões e
espaços verdes que procurava ser uma montra das actividades económicas da União
Soviética ao longo do tempo.
O espaço mais interessante era o “Cosmos”, dedicado à astronáutica soviética,
mas que, infelizmente, nesse dia se encontrava fechado. Mesmo assim,
espreitando para dentro do pavilhão, era possível ver uma réplica do Sputnick e
outra réplica, também em tamanho natural, de um foguetão bem como, ao ar livre, uma plataforma de lançamento.
Estivemos aí num bar, onde as bebidas eram pagas em dólar (uma
imperial= a 1 dólar..).
Regressámos ao Hotel, pois nessa noite tínhamos de nos deitar cedo,
pois partiríamos de madrugada, de comboio a caminho de Kiev, para um estadia de
dois dias, seguindo-se outra estadia de dois dias em Minsk, visitando ainda a
então Leninegrado, hoje S. Petersburgo, onde ficámos também dois dias,
regressando a Moscovo de 2 a 5 de Agosto.
Mas a essas viagens voltaremos noutra ocasião.
Só recordar que, menos de 15 dias depois do nosso regresso, dava-se o
golpe conservador stalinistas de 19 de Agosto, derrotado pelas forças democráticas,
desencadeando o fim da União Soviética.
Aqui fica uma parte das nossas “recordações soviéticas” a poucos dias
de mais uma semana que iria de novo abalar o mundo .
( a maior parte das fotografias foram recuperadas a partir dos negativos dessa viagem, cujas fotos foram tiradas numa "Kiev",máquina russa analógica, que tínhamos comprado anos antes a uma amiga que estudava na Bulgária)
( a maior parte das fotografias foram recuperadas a partir dos negativos dessa viagem, cujas fotos foram tiradas numa "Kiev",máquina russa analógica, que tínhamos comprado anos antes a uma amiga que estudava na Bulgária)
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