Chegámos
a Moscovo por volta da 7.30 do dia 3 de Agosto de 1991.
Voltámos
ao hotel “Saliut” (Fogo de Artifício). Depois do pequeno-almoço, voltámos à Praça
Vermelha.
O
ambiente em Moscovo pareceu-me mais alegre, menos frio e triste do que na
semana passada, Talvez seja do sol e do calor de Verão que se faz sentir.
Também
me parecia haver mais gente nas ruas e maior variedade e quantidade de produtos
à venda. Será porque é principio do mês e de férias? Ou será que já nos
habituámos ao ritmo de vida soviético?
Dei
uma volta pelos “armazéns do povo”, o GUM. Havia segurança reforçada, provavelmente
por causa da visita de George Bush. Cruzamo-nos com grandes grupos de turistas
espanhóis.
Na
Praça Vermelha passou por mim um grupo de indivíduos bem vestidos, a serem
filmados e das entrevistas à televisão. A figura em destaque no grupo
pareceu-me o Boris Ieltsin, presidente da República soviética da Rússia, mas
não tenho a certeza. Tentei indagar junto de um dos elementos da comitiva, mas
este olhou para mim com se tivesse visto um extraterrestre e continuou o seu
caminho.
Muitos
noivos recém casados escolhem a Praça Vermelha para as fotografias.
No
centro da Praça existe um murete circular, onde eram decapitados os inimigos
dos czares. Hoje as pessoas atiram moedas da o interior do murete e fazem um
desejo.
De
vez em quando ouvem-se os apitos da policia a abrir alas para deixar passar carros
topo de gama em alta velocidade que entram para lá dos muros do Kremlin.
Regressamos
ao hotel para almoçar. Eu vim carregado com um saco cheio de bonitos crachats,
com símbolos soviéticos e outros motivos menos políticos.
Custou-me tudo, no
GUM, cerca de 60 rublos, uns 300 escudos [hoje pouco mais de uns euros].
À
tarde fomos visitar o Museu de Arte Pushkin, com uma colecção de arte temporariamente
bastante abrangente, da arte Suméria aos Impressionistas europeus.
Uma
sala reproduzia em tamanho natural vários monumentos e objectos de arte da Suméria, do Egipto, da Grécia, …até ao renascimento Italiano, tudo
com uma preocupação didáctica.
Tinha
muitos outros objectos, este originais, de arte egipcia, incluindo múmias e
sarcófagos.
Uma
sala exibia uma variada e valiosa colecção de pintura russa.
Mas
o que mais me entusiasmou foi a sala com originais da pintura vanguardista
europeia, do final do século XIX ao principio do século XX: Cezanne, Gauguin,
Kadinsky, Matisse, Picasso, Paul Klee e Miró. Picasso e Matisse tinham uma sala cada um, totalmente
dedicada à sua pintura. Também vimos uma obra original, mas inacabada, de
Toulouse-Lautrec.
Voltámos
ao Hotel por volta da 17.30, todos bastante cansados.Eu ainda aproveitei para
dormir antes do jantar.
Hoje
ficámos pelo Hotel e aproveitarmos para recuperar da noite mal dormida da
viagem da noite anterior e da “andarilhação” do dia.
Manhã
do dia 4 de Agosto.
A
manhã inicia-se com a visita ao Túmulo de Lenine, na Praça Vermelha. Havia uma
longa fila para entrar e muita segurança. O ambiente era pesado, e avisaram-nos
que era proibido tirar fotografias e tínhamos de visitar o túmulo na máxima
ordem e em silêncio. O interior do túmulo de mármore preto e vermelho é
impressionante pela sobriedade e pela luz difusa. O corpo embalsamado de Lenine
encontra-se no interior de uma vitrina, guardada por quatro soldados estáticos.
É um ambiente pesado e solene. Parece a entrada de um túmulo egipcio. Ao que se
diz, Lenine nunca quis este túmulo, preferindo ser enterrado junto da sua mãe.
Contudo o culto da personalidade imposto por Stalin acabou por não respeitar o
desejo do primeiro líder soviético.
À
saída, ao ar livre, no seguimento do edifício do túmulo, passamos pelos túmulos
de outrso líderes soviéticos, como os respectivos bustos. Lá estão Stalin,
Brezenev, Tchernenko, Andropov, entre outros. Em gavetões junto aos muros do
Kremelin estão outras personalidades ligadas à revolução ou aos feitos emblemáticos
do regime, do escritor John Reds a Gagarin e outros astronautas.
Fomos
depois vistar a Igreja de S. Nicolau, uma dos mais emblemáticos monumentos da
praça vermelha, com as suas cúpulas coloridas. O interior está coberto de
ícones pintados a fresco.
Almoçámos
no Hotel Russia nessa mesma praça.
Depois
do almoço dei uma volta a pé pelas redondezas da Praça Vermelha, bebi uma
pepsi-cola num café, andei a ver os quiosques que vendem de tudo, idênticos a
tantos outos espalhados pela cidade.
Apesar de inestéticos, são o embrião da crescente iniciativa privada permitida
pela Perestroika e complementam as faltas que se fazem sentir nas lojas
estatais.
Embrcamos
depois numa viagem pelo rio Moskva (Moscovo), ficando com outros panorama da
cidade. Embora as vistas nãos sejam tão interessantes como as que tivemos na
viagem no rio de Kiev, observámos a existência de muitos espaços verdes, alguns
cheios de gente que os utilizam com se fossem praias. Muita gente a circular
pelos jardins desses espaços, em fato de banho, a apanhar sol ou a banhar-se no
rio.
Voltámos
ao Hotel para jantar e de seguida, com outras pessoas do grupo, fomos viajar de
metros até a Praça Vermelha para a ver iluminada. É um belo espectáculo, com
estrelas iluminadas, todos os edifícios cheios de luz e muita gente a passear.
Regressando
ao Hotel. A televisão do quarto tem acesso a quatro canais. Num deles passa a
série pirosa “O Barco do Amor”, dobrado em russo. Filmes e séries televisivas
são dobradas, mas com uma característica diferente da que conhecemos.
O som
original e as conversas originais passam em fundo, e a dobragem é feita
oralmente por cima do original, o que gera alguma confusão.
Hoje
é domingo, 5 de Agosto de 1991 e é o nosso ultimo dia na União Soviética.
O
dia é livre e resolvi aproveitar para visitar Moscovo por minha conta, usando o
metro para me deslocar.
Tinha
feito um roteiro com as estações de metro mais icaracteristicas e com as que
íam ao lugares mais interessantes.
Comecei
pelo metro que me levou às respectivas casas museu Tolstoi e Puskin, pois ficam práticamente
em frente uma da outra.
Tolstoi,
o autor da Guerra e Paz, tem no museu com o seu nome vários objectos de uso
pessoal, manuscritos, quadros e fotografias.
O
mesmo sucede com a casa Pushkin, um poeta importante da União Soviética.
Os
palacetes dessas casas-museu são bastante bonitos, com tectos ricamente
cobertos de pinturas.
Depois
dessa visita, aventurei-me sozinho para visitar 15 estações de metro eu tinha
escolhido previamente.
O
preço de cada viagem era uma pechincha, o que me permitia sair à rua, para
observar as redondezas, e voltar para pagar outra viagem. Aqui não existe
bilhete, entra-se no metro colocando uma moeda.
Num
dos lugares onde sai à rua, deparei-me com o famoso edifício sede do KGB, com
um ar algo sinistro.
Para
me orientar, porque as indicações estavam todas em russo, tinha que perder
algum tempo a comparar os nomes, letra a letra e depois procura a linha correcta. E lá me desenrasquei.
Não
há praticamente uma estação igual, todas ricamente decoradas , uma espécie de catedrais
subterrâneas, o orgulho dos moscovitas.
As
estações dão quase todas coberta de mármore, com grandes candeeiros de belo
design, algumas com pinturas em mosaico ou esculturas. As mais bonitas são as
das estações de “Kiev” e “Leninegrado”.
Voltei
a atravessar a pé a Praça Vermelha para ir almoçar ao Hotel Russia e, depois de
me despedir dessa praça, que vou ver talvez pela última vez na minha vida,
voltei a apanhar metro até à Rua Arbat, que percorri detrás para a frente
várias vezes.
Aí
voltei a encontrar de tudo. Muita gente a vender artesanato, entre o qual as
célebres Matrioskas, das tradicionais à mais originais com temáticas várias, músicos
a tocar vários tipos de instrumentos e géneros, artistas plásticos expondo e/ou
vendendo os seus trabalhos (alguns, provavelmente, serão famosos daqui a uns
anos..), acções de protesto contra a situação politica na União Soviética,
muitos artistas a pintar retratos ao vivo, caricaturistas e, principalmente,
muita gente, turistas ou não (hoje é Domingo).
É
uma rua difícil de descrever, uma feira da ladra em ponto grande.
Nas
ruas aparecem muitas pessoas a vender latas de caviar e garrafas de vodka.
Comprei duas garrafas a uma velhota, com aspecto de camponesa. Só provei o
vodka em Portugal e foi o melhor que até hoje provei.
O
dia terminou com o regresso ao hotel e um jantar de despedida, com champagne e
bebidas típicas da Rússia, incluindo ainda um espectáculo de folclore russo,
com cossacos a dançar e a musica alegre típica destas paragens.
Amanhã
levantamo-nos às 4 da manhã, saímos do Hotel por volta das 5 horas (três em
Portugal) para irmos para o aeroporto para a viagem de regresso a Portugal.
Cheguei
a Lisboa por volta da 11 horas da manhã
do dia de Agosto de 1991 e, só
aqui, fui incomodado pela policia que, no aeroporto, me mandou sair do grupo e
me levou para um gabinete para revistar cuidadosamente a minha mala. Pensava que
era por causa das garrafs de vodka que trazia, mas o problema deles era como os
gorros russos, que foram revistados e revirados várias vezes. Finalmente
deixaram-se sair….ero o belo país do “cavaquismo”…
Esta
viagem não teria sido possível se não tivesse sido desafiado pelas minhas
colegas e amigas Noémia Santos e Paula Viegas, com quem partilhei alguns dos
momentos acima descritos.
No
grupo, nós os três e o Carlos de Alcochete, que conheci na viagem, eramos os
mais novos. O resto do grupo era composto por gente mais velha (talvez com a
idade que tenho hoje, mas alguns a rondar os 80), algumas pessoas já tinham
feito a viajem uns vinte anos antes.
O
ambiente que se respirava entre as pessoas com que nos cruzámos na União
Soviética era de mudança e esperança.
A
liberdade começava a fazer o seu percurso e, se o caminho a fazer podia ter
sido diferente, o que era evidente é que ninguém pretendia voltar para trás.
Foi
isso que, cerca de 15 dias depois de termos deixado aquele país, um grupo de
militares caquéticos e stalinistas não percebeu e, ao tentar afastar Gosbachev do poder, apressou,
com esse acto irresponsável, o fim de um regime que já não tinha fôlego para
dar às pessoas uma vida melhor e digna.
A
história daquele país deu, desde então muitas voltas, e hoje volta a viver um
impasse.
A
única certeza é que o mundo que visitei
naqueles dias de 1991 desapareceu de vez.
Ficam
as recordações que, por aqui, com base num diário que então escrevi, tentei reproduzir
o mais fiel possível à forma como senti esses momentos de pura descoberta, num
mundo que era totalmente diferente do que conhecia até então.
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