(Esta crónica foi-me inspirada por uma das mais abjectas crónicas jornalísticas que li até hoje (e já li muita porcaria ao longo da vida...) , e que pode ser lida aqui: A geração lixada pelos direitos adquiridos - Expresso.pt ...é caso para perguntar onde é que o EXPRESSO foi desencantar um cromo como este HENRIQUE RAPOSO !!!)
Começaram por tentar atirar os “pobres” contra os “remediados”, os que tinham trabalho precário contra os que tinham trabalho “seguro”, os desempregados contra os empregados.
Segundo eles, a culpa da crise é dos “grandes” rendimentos e “privilégios” dos funcionários públicos e dos professores, a culpa do trabalho precário é dos que lutaram pelos direitos sociais e por melhores condições de trabalho e a culpa do desemprego é dos empregados que “não podem ser despedidos”.
O objectivo é desviar a atenção dos verdadeiros privilegiados que eles são ou que eles defendem, os que apanharam os “tachos” dos boys em troca de darem a cara ao serviço da política do “centrão”, os que tiveram direito a reformas milionárias (uma, duas, muitas…) em troca de meia dúzia de anos de “serviço” na administração pública, na gestão das empresas estatais ou nos bancos do regime,os que ocupam os mais apetecidos cargos políticos ou as cátedras das universidades da situação...
Agora que aquela argumentação começa a ruir e a “verdade” começa a vir à tona, ei-los que recorrem a um novo argumento: a culpa é das gerações mais velhas. São estas que ocupam os postos de trabalho que deviam estar disponíveis para os mais novos, são estas que se mantêm fiéis aos sindicatos e aos valores “balofos” do 25 de Abril, são estas que pagam rendas de casa mais baratas e recebem pensões de sobrevivência pagas pelo “trabalho” (!) das gerações mais novas.
A nova “guerra” que essa gente precisa de lançar, depois das falhadas “guerras” contra os “privilégios” dos funcionários públicos e dos professores, contra os “direitos adquiridos” dos trabalhadores deste país e contra as forças de “bloqueio” que defendem o que resta do “Estado Social”, é a “guerra” das gerações, dos mais novos contra os mais velhos que, segundo eles, ocupam os lugares que a estes eram “devidos”.
…Faz lembrar os argumentos utilizados pelos nazis contra os empregos dos judeus!(os judeus, a "raça inferior", não era "digna" de ocupar as actividades que só podiam ser ocupadas pela "nova raça" ariana...Agora, são os "velhos" que ocupam o lugar devido às "novas gerações").
Para combater a precariedade laboral dos mais novos defendem….a precariedade laboral onde ela ainda não exista que é, segundo tão brilhantes pensadores, nos empregos ocupados pelas gerações mais velhas.
Para combater os baixos salários, aliás praticados pela classe empresarial que eles tanto prezam, defendem… que se nivele por baixo os “altos salários” (sendo que considerem alto qualquer salário acima dos …mil e quinhentos euros!) desses que são “privilegiados” só porque deram décadas da sua vida ao seu trabalho (muitas vezes para garantirem que as tais gerações mais novas pudessem estudar o que eles não tiveram oportunidade de estudar, pudessem aceder aos bens de consumo de que eles não beneficiaram ou que pudessem ocupar o tempo livre a viajar ou a divertir-se, como eles nunca puderam fazer).
Para combater o desemprego que afecta, de forma esmagadora, os mais jovens defendem…leis que facilitem o desemprego!!! …ou seja, acabar com os empregos “seguros” dos “velhos” para criar empregos precários para os mais novos!!!
Por último, não deixa de ser curioso que esses mesmos insistam em defender o aumento da idade da reforma!!! E argumentam com razões de ordem demográfica que é a relação do peso entre jovens e “velhos” que, segundo eles defendem, está na origem da falência do Estado Social (será, quanto muito, uma meia verdade…) e não se “lembram” que quanto maior o desemprego e menor o salário e a precariedade do emprego jovem, menos dinheiro entrará para os cofres da Segurança Social!!. Havendo pleno emprego, o envelhecimento da população é compensada com a emigração. (Já agora, porque não defendem que se dê um maior peso, do que aquele que é dado à idade, aos anos de desconto e ao valor do IRS e de outros impostos que cada um pagou ao longo da vida, para calcular o valor final da reforma?).
Aliás, se a situação dos jovens qualificados que não encontram emprego adequado à sua formação ou, simplesmente, a dificuldade geral de qualquer jovem à procura do primeiro emprego em conseguir um emprego que não seja precário é uma situação preocupante, essa situação é tão preocupante como a dos desempregados, ou dos que queiram mudar de emprego, da geração dos 40 ou 50 anos, que são considerados “velhos” para qualquer emprego. Aqui está um exemplo de uma situação que é transversal às gerações.
Enquanto atirar areia aos olhos dos incautos continuar a render a sobrevivência dos verdadeiros privilegiados é provável que o argumento da luta de gerações vá passando.
Ser jovem, aliás, não é apenas uma questão de idade. Infelizmente o mundo do jornalismo, dos meios financeiros, das universidades e da política está cheio de gente dos 20/30 anos com uma mentalidade velha de séculos, adquirida nessas coisas, onde se acoita todo o conservadorismo intelectual disfarçado de "modernidade”, que são os cursos de “ciência” (?) política ou de gestão empresarial, onde não entra qualquer valor de criatividade, de originalidade ou de humanismo, dispensando ou secundarizando disciplinas como a sociologia, a história, a filosofia, a literatura ou ar artes.
Talvez um dia, que pode estar mais próximo do que eles pensam, esses jovens despertem para a realidade e percebam que são seus aliados aqueles que, em todas as gerações, continuam a defender uma sociedade mais justa e mais humana, onde a identidade e a cultura se sobreponham à política, a política à economia e a economia às finanças, e não a ordem inversa, que é a de tudo se submeter à ditadura económico-financeira que tem marcado a sociedade nas duas últimas décadas, com os resultados sociais que se vislumbram.
Talvez um dia esses jovens se libertem da manipulação desses “economistas”, comentadores e políticos, que procuram lançar o desespero desses jovens contra os mais “velhos”, sobrepondo os valores de generosidade, criatividade e imaginação comum aos jovens, aos "valores" de uma sociedade espartilhada, desigual, injusta, dominada pelos “negócios” , defendidos por tais figurões, que aplicam sempre a velha máxima de “dividir para reinar”.
Ponham os olhos no Médio Oriente…
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