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sexta-feira, 27 de novembro de 2009

ARTE OU DISPARA[R]TE?



Na sua edição desta quinzena, o Jornal de Letras, pela pena de Helder Macedo, retoma uma polémica que nos questiona, não só sobre os caminhos da arte actual, como sobre os limites da própria arte.
Retoma um acontecimento que teve lugar há pouco mais de dois anos, e que pessoalmente julgava morto e enterrado, pensando mesmo que não passava de um mito urbano.
Segundo Helder Macedo, um “artista conceptual recolheu um cão abandonado, atou-o a uma corda e deixou-o morrer lentamente de fome e de sede. Durante vários dias, o artista e os visitantes da galeria presenciaram a agonia do animal, que finalmente morreu”.
Resolvi investigar na internet e descobri várias notícias sobre o assunto.
Acontece que, de facto, aquela “performance” teve lugar e foi seu autor Guillermo Vargas, mais conhecido por Habacuc, “artista” nascido na Costa Rica em 18 de Setembro de 1975.
Ao que parece é muito famoso no seu país, ganhando agora fama mundial, e essa exposição, realizada em Agosto de 2007 em Manágua, capital da Nicarágua, foi a sua primeira mostra individual, intitulada “Natividade - la “Expósicion nº1”.
Habacuc explicou que essa “instalação” partiu da reacção à morte de uma indigente nicaraguense, de nome Natividad, que foi morto num bairro da capital da Costa Rica por dois rotweiller, perante a indiferença geral de quem passava, nomeadamente polícias e bombeiros.
Foi essa a fonte de inspiração para a realização da polémica instalação que constava da apresentação de um cão vadio, a quem ele chamou de Natividad, apanhado nas ruas da cidade por crianças pagas pelo “artista” entre os milhares de cães vadios que percorrem as ruas de Manágua.
Amarrado a uma corda, sem comida nem bebida num canto da galeria, esperando pela morte, o animal jazia prostrado sob uma frase escrita na parede com ração para cães onde se podia ler “eres lo que lees”.
Até aqui todas as fontes coincidem. Onde não existe acordo é quanto ao verdadeiro destino do cão.
Para uns, muitos mesmo, partindo de denuncias na blogosfera ou da responsável pela página de cultura do jornal nicaraguense La Prensa, o cão morreu mesmo, perante a indiferença generalizada do artista e dos visitantes.
Para outros, poucos, tudo não terá passado de uma encenação, já que o cão só permanecia no seu lugar da galeria durante três horas, sendo alimentado nos intervalos, tendo fugindo (fuga conveniente!) ao terceiro dia, do pátio onde ficava durante as pausas, como explicaram os responsáveis pela galeria.
A ambiguidade do próprio “artista” contribuiu para adensar o mistério, que atingiu proporções internacionais quando ele foi escolhido para representara o seu país na Bienal Centro Americana de Arte que se realizou nas Honduras em 2008.
Em declarações ao Nación, jornal da Costa Rica, Habacuc afirmou:
“Me reservo decir si es cierto o no que el perro murió. Lo importante para mí era la hipocresía de la gente: un animal así se convierte en foco de atención cuando lo pongo en un lugar blanco donde la gente va a ver arte pero no cuando está en la calle muerto de hambre. Igual pasó con Natividad Canda, la gente se sensibilizó con él hasta que se lo comieron los perros”.
Acrescentou ainda que os visitantes da sua exposição “Nadie llegó a liberar al perro ni le dio comida o llamó a la policía. Nadie hizo nada”. Esta afirmação foi desmentida por alguns visitantes que teriam apelado ao “artista” para libertara o cão, pedido que ele sempre recusou.
Ainda em declarações àquele jornal, questionado se chegou ou não a alimentar o animal, o “artista” negou-se a responder.
Interrogado porque motivo não utilizou outro “meio de expressão”, respondeu que recolhia o que via e que o “perro está más vivo que nunca porque sigue dando qué hablar”.
Foi então que várias associações de defesa dos animais fizeram circular uma petição contra a presença do “artista” naquela bienal, que terá recolhido, conforme as fontes, entre duas ou quatro milhões de assinaturas. Ironicamente o próprio Habacuc confessou ter assinado a petição.
Foi digno de se ver o esforço de muitos bloguistas, entre os quais alguns portugueses, apoiantes da “arte” de Habacuc, tentando desvalorizar essa petição (neste caso foram mais papistas que o próprio “artista”): “que os defensores dos animais não passam de uns fundamentalistas, cheios de fantasias da Disney sobre o pretenso sentimento dos animais”; “que o cão não terá sido morto, nem humilhado”; “que os dias passados naquela galeria até foram os melhores dias na vida do canídeo”; “que matar um cão ou uma aranha é tudo a mesma coisa, porque os animais não tem sentimentos”, “que, se o artista violou os direitos dos animais, todos os dias são violados direitos humanos”, etc…, etc…
Este último argumento, então, é de bradar aos céus. Mesmo que o cão não tenha morrido, é evidente, apenas com base nos factos minimamente comprovados e nas próprias declarações de Habacuc que o “artista” violou vários artigos da Declaração Universal dos Direitos dos Animais.
Registe-se que esse documento foi proclamado pela UNESCO em sessão realizada em Bruxelas, no dia 27 de Janeiro de 1978, quando o “artista” tinha três anos de idade, e posteriormente ratificada pela ONU, como se vê, organizações formadas por “perigosos e fundamentalistas defensores dos animais”.
Tentar desculpar a falta de respeito por esse documento com o argumento do não cumprimento de outro documento, o da Declaração Universal dos Direitos Humanos, é ridículo e intelectualmente criminoso.
Quanto aos argumentos que negam capacidades de sentimentos por parte dos animais, deviam ler com mais atenção Konrad Lorenz (que alguns chegam a citar) ou Desmond Morris. Argumentos parecidos foram usados por Hitler contra os judeus ou pelos racistas norte-americanos contra os direitos dos negros.
Houve até quem pusesse em causa se aquela instalação alguma vez existiu, que não teria passado de uma bem montada e urdida mistificação propagandística. Esta tese, contudo, acaba desmentida pelo próprio “artista” e pelos responsáveis pela galeria.
Segundo o jornal Mexicano El Universal, aberrações artísticas como esta existem muitas, à sombra de uma pretensa “Arte Conceptual” que serve de desculpa para tudo.
Eu próprio me recordo da polémica, há poucos anos atrás, provocada pelo facto de a Tate Modern negociar a compra das fezes de um “artista” conceptual italiano, que as tinha integrado numa sua instalação, ou de outro episódio ainda mais caricato, passado numa galeria da Figueira da Foz, provocado por uma agência de limpeza que, com excesso de zelo, teria recolhido para o lixo uma sanita partida que fazia parte de uma instalação aí exposta.A empresa de limpeza teve de pagar uma indemnização ao “artista”, provavelmente no valor de uma sanita nova.
À custa de quererem ser tão “modernos” e tão”conceptuias”, muitos artistas esquecem-se que os pressupostos dessa arte não são tão “contemporâneos” como isso, pois já estava tudo na atitude dos vanguardistas do início do século passado.
A célebre frase-ensaio de Marcel Duchamp (1887-1968), segundo a qual “será arte tudo que eu disser que é arte”, que justifica a tal “arte conceptual”, foi escrita há quase cem anos. De forma apressada muitos interpretaram-na à letra, sem perceberem a intenção critica e irónica dessa artista nos seus “ready-mades”, aplicado na sua obra mais conhecida, “Fonte”, de 1917, um urinol assinado por ele, descontextualizado das suas funções habituais.
Sou um apreciador da “arte conceptual” e admiro-a por ter aberto novas portas à arte contemporânea, mas reconheço que, à sombra da “arte conceptual” muitos “artistas”, com falta de arte e engenho, usando uma pretensa “provocação artística”, procuram a todo o custo os seus 15 minutos de fama (outra frase irónica que muitos levam a sério, esta com cerca de quarenta anos, da autoria de Andy Warhol).
Em último caso, tal pretensa provocação e as costas largas da arte conceptual tudo podem justificar. À luz dessa atitude, ainda vamos ouvir dizer que o Holocausto não passou de uma bem planeada performance, conceptualmente programada por um estudante de artes plástica, de seu nomo Adolfo.
Por mim faço desde já uma proposta “conceptual”. Caso o tal Habacuc venha expor os seus cães em Portugal, proponho que, num acto de pura provocação artística, se peçam de empréstimo à Tate as tais fezes artísticas, que com elas se barre o artista costa-riquenho, e, no final, se contrate a empresa de limpeza da Figueira da Foz para limpar tudo…

(Ver mais documentos, notícias e fotografias sobre esta situação no meu blogue A FORMA E A LUZ)

1 comentário:

Carlos Manuel Ribeiro disse...

Arte ou dispara[r]te? Artistas ou Pseudo-Artistas?

Subscrevo completamente a sua proposta "conceptual" e, já agora, porque não uma outra também à directora da Fundação Serralves que, à dois anos atrás (se a memória não me falha) promoveu uma exposição fotográfica neste espaço, cuja a temática foi o ânus! e foi considerado "Arte"...

Bem, se fotografias de grande plano do ânus é arte, então, porque não uma exposição fotográfica de vaginas ou lábios vaginais, pénis ou mamilos, etc, etc etc....

Afinal, é tudo Arte!

Enfim...

Abraço,
CR/de