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segunda-feira, 2 de novembro de 2009

...e a morte ficava-lhes tão bem...



Na Universidade Complutense de Madrid será apresentada brevemente a primeira tese de doutoramento versando o retrato fúnebre na Galiza.

A sua autora é Virginia de La Cruz Lichet, uma historiadora de arte que vive em Madrid. Foi ao ver uma fotografia do galego Viirxilio Vieitez, descoberto pela Fotobienal de Vigo em1998, que de La Cruz se interessou pelo tema. Vieitez, como todos os profissionais do seu tempo, fazia fotografias de mortos, anunciando essa tarefa na publicidade da imprensa local.
A autora da tese começou pela obra daquele fotógrafo e descobriu muitos outros que faziam o mesmo trabalho, como Maximino Reboredo, Pedro Brey ou Ramón Caamaño.
Pelas mãos daquela historiadora, desde que iniciou a investigação em 2001, passaram cerca de quatrocentas imagens, percorrendo um século inteiro, entre 1870 e 1970. Eram seus autores vários fotógrafos rurais das quatro províncias galegas, com destaque para as de Pontevedra e Ourense. A maior parte das fotografias conservam-se em arquivos particulares, sendo poucas as que encontrou, sobre esse tema, em arquivos institucionais.
As fotografias, abordando o tema da morte, começam a ser raras a partir de 1970, pois, com a democratização do uso das máquinas fotográficas, as pessoas deixaram de recorrer aos fotógrafos profissionais e começaram a preferir registar os momentos felizes da vida. Segundo José Becerra, presidente da Federação Galega de Serviços Fúnebres, a fotografia funerária já não se pratica em nenhuma região daquele território.

A fotografia acima reproduzida, que acompanha a reportagem de Sílvia R. Pontevedra, escrita para o El País, publicada na sua edição on-line de 27 de Outubro último, e na qual nos baseámos, foi resgatada pela investigadora a um fotógrafo compostelano, que se quis manter no anonimato, retirada de um arquivo que herdou.
Trata-se provavelmente de uma família dos arredores de Santiago de Compostela, “um clã muito humilde que perdeu a matriarca. O viúvo está sentado à cabeceira do féretro”, enquanto os demais, “filhos, genros e talvez vizinhos, sobretudo mulheres”, já que os maridos teriam emigrado, aparecem todos com os seus melhores fatos, a morta incluída. É possível que a falecida nunca tivesse tirado uma fotografia em vida, pois fazê-lo em meados de 1900 requeria algumas posses. Uma família pobre só podia pagar um retrato, que lhe custava uma semana de salário, pelo que a visita do fotógrafo era um acto solene, havendo quem deixasse em testamento dinheiro para esse fim.

Na época era mais comum fazer-se uma fotografia “post mortem” do que a de um casamento.
De la Cruz refere que os autores dessas fotografias “post mortem” punham “muito amor na preparação do cenário. Em geral”, prossegue a autora da tese, “as imagens galegas caracterizam-se pela forma delicada como se apresentam os defuntos”, não procurando dissimular a morte.
Mais do que como recordação, os familiares do defunto solicitavam um fotógrafo que retratasse o morto tendo por objectivo dar conhecimento do óbito aos familiares que estavam ausentes. A fotografia “post mortem” era também um importante documento na partilha das heranças.
Inicialmente fazendo-se transportar de burro, mais tarde de automóvel, o fotógrafo procurava chegar rapidamente ao velório com o seu pesado material para fotografar o morto “o mais vivo possível”.

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