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sábado, 2 de maio de 2020

1º de Maio - intolerância ou irresponsabilidade?


Confesso que não tenho uma opinião clara e definitiva  sobre a forma como a CGTP comemorou o 1º de Maio.

Olhando objectivamente para as imagens, foram cumpridas as regras elementares de protecção: distanciamento, uso de máscaras e organização rigorosa dos espaços.

A forma como esse acontecimento foi organizado pode até ser exemplo de confinamento para outras realizações do género no futuro e até em locais de trabalho com muita gente.

Pior do que isso, em termos de segurança, foram as manifestações a que assistimos há dias junto aos hospitais, de apoio ao pessoal médico. Apesar da homenagem merecida, e da boa intenção da mesma, vimos enfermeiros, médicos e policias, nem todos com máscaras e sem cumprirem as distâncias regulamentares.

Pior ainda foi assistirmos, nos últimos dias, às  intermináveis filas de hipermercados, sem respeitar distanciamento ou com grupos à molhada e, no seu interior, gente a remexer em tudo e a acotovelar-se nas caixas, apesar das recomendações de distanciamento e da boa vontade dos empregados.

Já a mensagem transmitida por aquelas comemorações da CGTP,  essa deu azo à livre manifestação dos instintos mais primários e demagógicos que enxameiam as redes sociais e o comentário televisivo.

A situação é propicia a todo o tipo de fundamentalismo paternalista, não deixando de ser comovente a forma como os habituais comentadores da “santa aliança” (ressabiados passos coelhistas e cavaquistas, direita conservadora, populistas de todas as matrizes, e todas as famílias da extrema-direita) se preocuparam, mais uma vez, tal como tinha acontecido no 25 de Abril, com a saúde dos “esquerdalhos” que participaram nesse actos.

A situação de intolerância, fundamentalismo, má-fé e ódio populista não é nova, mas o COVID-19 tem-se prestado à forma quase pidesca como muitos interpretam as filas de carros para os Mac Donald’s  ou as pessoas que caminham na rua, mesmo se isoladas e protegidas. Noutros países até já se chegou ao extremo de se riscarem carros de médicos e enfermeiros que saiam para os hospitais, chegando mesmo a ser ameaçados por vizinhos, com convites para saírem das suas casas.

Foi este, quanto a mim, o aspecto mais negativo das comemorações do 1º de Maio, alimentar o argumentário dessa gente, sempre à procura do mínimo pretexto para destilar o seu ódio e o seu fanatismo ideológico.

Quanto ao resto, faço minhas as brilhantes palavras do meu amigo Jorge Humberto que transcrevo em baixo :
“TRABALHAR SIM, CELEBRAR NÃO
“Cá estão eles novamente.
“Já faltava a sua presença sempre brilhante, isenta e sensata nas ocasiões festivas. Falo dos críticos às celebrações do 1º de Maio.
“ Aqui o ridículo é ainda mais, quando, são as mesmas pessoas que não escrevem uma linha sobre o fato desses mesmos trabalhadores, que estão na manifestação, serem os que no dia anterior foram obrigados a trabalhar uns em cima dos outros para que as fábricas funcionem, os hospitais funcionem, as lojas, o lixo seja recolhido, a economia funcione.
“Não os vejo preocupados com os funcionários dos lares, que por um ordenado de miséria, tratam dos nossos idosos nas condições que todos nós conhecemos. Então estas pessoas, cheias de bom senso e ideias retas, acham que o trabalhador é como uma besta de carga, que pode arriscar a sua saúde para que eles possam ir à loja comprar um par de ténis, mas não pode celebrar. Não pode, porque é um perigo para si próprio. Gente altamente preocupada com a saúde dos outros Mas só na parte do celebrar, porque na parte de terem o cabeleireiro aberto para lhes cortarem a fronha, aí já podem.
“Alguns desses críticos são também trabalhadores, muitos deles, explorados, que vivem para trabalhar, sem perspetivas de vida, explorados por empresários de sucesso com contas offshore e sede na Holanda, que lhes pagam um ordenado como se fosse um favor e ao mínimo abanão, os colocam em layoff, tiram-lhes as férias, despedem, dispensam, fecham a empresa e abrem ao lado mas só com precários… e no final do ano distribuem dividendos aos milhões, embora mitiguem o valor do salário mínimo, que acham de exorbitante.
“Enfim, é triste.
“Temos mais de um milhão de trabalhadores em layoff, temos precários que ficaram sem emprego, temos um aumento brutal do desemprego, com dezenas de milhares de novos desempregados registados. Temos trabalhadores no banco alimentar, outros a receber ajudas de família, de amigos. Hoje, mais do que nunca deveria haver uma celebração, com uma mensagem clara para lembrar que as pessoas não são mulas de carga. Não servem só para trabalhar para outros acumularem riqueza. As pessoas não são propriedade de ninguém. Lá porque a pessoa depende do seu trabalho para viver, ela não pertence a ninguém.
“Comemorar sim e muito, para lembrar todos os que morreram para que os que trabalham deixassem de ser escravos e tivessem um mínimo de direitos. Sim morreram, mas não foi de Covid. Lembram-se?
“Em Portugal, nós sabemos que somos o país que menos paga, que mais horas de trabalho tem em média e que menos qualidade de vida tem para os que trabalham, na média europeia. Acresce que nas últimas décadas se têm acentuado as desigualdades de forma gritante, resultando na falta de perspetivas para uma imensa camada de gente que apenas trabalha para comer e que não se consegue libertar desse ciclo, por muito que trabalhe. Gente para quem agora os direitos começam a ser apelidados de regalias. Profissionais liberais, sócios gerentes, artistas, nestes dias difíceis emerge toda uma enorme massa de pessoas que vivem do seu trabalho e que precisam de um salário para o básico.
“ As relações de trabalho mudaram, as profissões mudaram, a organização do trabalho tem hoje várias frentes e dimensões, mas os problemas continuam exatamente os mesmos e os direitos não podem deixar de ser celebrados e aprofundados. Porque afinal, de que serve uma sociedade onde quase todos trabalham, mas só alguns prosperam?
“ Isto é para pensar, exatamente neste dia.
“Celebrar o que representa o 1º de Maio, sim, faze-lo na rua, porque não? Afinal na segunda feira vão estar todos juntos na empresa em cima uns dos outros”.

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