Confesso que não tenho uma opinião clara e
definitiva sobre a forma como a CGTP
comemorou o 1º de Maio.
Olhando objectivamente para as imagens, foram
cumpridas as regras elementares de protecção: distanciamento, uso de máscaras e
organização rigorosa dos espaços.
A forma como esse acontecimento foi organizado
pode até ser exemplo de confinamento para outras realizações do género no
futuro e até em locais de trabalho com muita gente.
Pior do que isso, em termos de segurança, foram
as manifestações a que assistimos há dias junto aos hospitais, de apoio ao
pessoal médico. Apesar da homenagem merecida, e da boa intenção da mesma, vimos
enfermeiros, médicos e policias, nem todos com máscaras e sem cumprirem as
distâncias regulamentares.
Pior ainda foi assistirmos, nos últimos dias, às
intermináveis filas de hipermercados,
sem respeitar distanciamento ou com grupos à molhada e, no seu interior, gente
a remexer em tudo e a acotovelar-se nas caixas, apesar das recomendações de distanciamento e da boa vontade dos empregados.
Já a mensagem transmitida por aquelas
comemorações da CGTP, essa deu azo à livre
manifestação dos instintos mais primários e demagógicos que enxameiam as redes
sociais e o comentário televisivo.
A situação é propicia a todo o tipo de
fundamentalismo paternalista, não deixando de ser comovente a forma como os
habituais comentadores da “santa aliança” (ressabiados passos coelhistas e
cavaquistas, direita conservadora, populistas de todas as matrizes, e todas as
famílias da extrema-direita) se preocuparam, mais uma vez, tal como tinha
acontecido no 25 de Abril, com a saúde dos “esquerdalhos” que participaram
nesse actos.
A situação de intolerância, fundamentalismo,
má-fé e ódio populista não é nova, mas o COVID-19 tem-se prestado à forma quase
pidesca como muitos interpretam as filas de carros para os Mac Donald’s ou as pessoas que caminham na rua, mesmo se
isoladas e protegidas. Noutros países até já se chegou ao extremo de se
riscarem carros de médicos e enfermeiros que saiam para os hospitais, chegando
mesmo a ser ameaçados por vizinhos, com convites para saírem das suas casas.
Foi este, quanto a mim, o aspecto mais negativo
das comemorações do 1º de Maio, alimentar o argumentário dessa gente, sempre à
procura do mínimo pretexto para destilar o seu ódio e o seu fanatismo
ideológico.
Quanto ao resto, faço minhas as brilhantes
palavras do meu amigo Jorge Humberto que transcrevo em baixo :
“TRABALHAR SIM, CELEBRAR NÃO
“Cá estão eles novamente.
“Já faltava a sua presença sempre brilhante,
isenta e sensata nas ocasiões festivas. Falo dos
críticos às celebrações do 1º de Maio.
“ Aqui o ridículo é ainda mais, quando, são as
mesmas pessoas que não escrevem uma linha sobre o fato desses mesmos
trabalhadores, que estão na manifestação, serem os que no dia anterior foram
obrigados a trabalhar uns em cima dos outros para que as fábricas funcionem, os
hospitais funcionem, as lojas, o lixo seja recolhido, a economia funcione.
“Não os vejo preocupados com os funcionários
dos lares, que por um ordenado de miséria, tratam dos nossos idosos nas
condições que todos nós conhecemos. Então estas pessoas, cheias de bom senso e
ideias retas, acham que o trabalhador é como uma besta de carga, que pode
arriscar a sua saúde para que eles possam ir à loja comprar um par de ténis,
mas não pode celebrar. Não pode, porque é um perigo para si próprio. Gente
altamente preocupada com a saúde dos outros Mas só na parte do celebrar, porque
na parte de terem o cabeleireiro aberto para lhes cortarem a fronha, aí já
podem.
“Alguns desses críticos são também trabalhadores,
muitos deles, explorados, que vivem para trabalhar, sem perspetivas de vida,
explorados por empresários de sucesso com contas offshore e sede na Holanda,
que lhes pagam um ordenado como se fosse um favor e ao mínimo abanão, os
colocam em layoff, tiram-lhes as férias, despedem, dispensam, fecham a empresa
e abrem ao lado mas só com precários… e no final do ano distribuem dividendos
aos milhões, embora mitiguem o valor do salário mínimo, que acham de
exorbitante.
“Enfim, é triste.
“Temos mais de um milhão de trabalhadores em
layoff, temos precários que ficaram sem emprego, temos um aumento brutal do
desemprego, com dezenas de milhares de novos desempregados registados. Temos
trabalhadores no banco alimentar, outros a receber ajudas de família, de
amigos. Hoje, mais do que nunca deveria haver uma celebração, com uma mensagem
clara para lembrar que as pessoas não são mulas de carga. Não servem só para
trabalhar para outros acumularem riqueza. As pessoas não são propriedade de
ninguém. Lá porque a pessoa depende do seu trabalho para viver, ela não
pertence a ninguém.
“Comemorar sim e muito, para lembrar todos os que
morreram para que os que trabalham deixassem de ser escravos e tivessem um
mínimo de direitos. Sim morreram, mas não foi de Covid. Lembram-se?
“Em Portugal, nós sabemos que somos o país que
menos paga, que mais horas de trabalho tem em média e que menos qualidade de
vida tem para os que trabalham, na média europeia. Acresce que nas últimas
décadas se têm acentuado as desigualdades de forma gritante, resultando na
falta de perspetivas para uma imensa camada de gente que apenas trabalha para
comer e que não se consegue libertar desse ciclo, por muito que trabalhe. Gente
para quem agora os direitos começam a ser apelidados de regalias. Profissionais
liberais, sócios gerentes, artistas, nestes dias difíceis emerge toda uma
enorme massa de pessoas que vivem do seu trabalho e que precisam de um salário
para o básico.
“ As relações de trabalho mudaram, as
profissões mudaram, a organização do trabalho tem hoje várias frentes e
dimensões, mas os problemas continuam exatamente os mesmos e os direitos não
podem deixar de ser celebrados e aprofundados. Porque afinal, de que serve uma
sociedade onde quase todos trabalham, mas só alguns prosperam?
“ Isto é para pensar, exatamente neste dia.
“Celebrar o que representa o 1º de Maio, sim,
faze-lo na rua, porque não? Afinal na segunda feira vão estar todos juntos na
empresa em cima uns dos outros”.
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