"Em Roma já não sobra nada
por Francisco Louçã
Djisselbloem parece ser tudo o que a União Europeia tinha para dar. Tem
sido ele quem faz, pois é uma marreta de Schauble, que cuida do controlo
político sobre o euro através dessa instituição sem regras, o Eurogrupo. É ele,
o dogma de uma política económica destruidora. É ele, a transumância política
entre socialistas e a direita, nesse nevoeiro em que se tornou a “governança”
europeia. Ou, como escrevia Viriato Soromenho Marques, europeísta lúcido, esta
gente é a figuração de “um dos problemas europeus, sem remédio aparente, o
défice de competência política e o excesso de cabotinismo que reina no
fervilhar das chancelarias”.
A esse cabotinismo respondeu António Costa com um ultimato em tempo
certo: demita-se, ou o euro não tem futuro. Só que pode parecer ou exagerado ou
ambíguo. Se Djisselbloem sair, e vai sair dentro de alguns meses para salvar as
aparências, outro virá para um caminho que poderá ser semelhante. O que é que
então quer dizer que o euro não tem futuro – é por ter um cabotino à frente do
Eurogrupo (a obedecer à Alemanha) ou é por seguir uma política cabotina (que a
Alemanha impõe)? No dia da triste festa de Roma, não creio que haja outra
pergunta.
Será então que o ministro holandês se limitou a exagerar os seus
preconceitos, em contraste com a frieza equilibrante dos burocratas europeus,
nada dados a exageros? A experiência diz que não. Afinal, tivemos a Grécia
(vendam as ilhas, dizia um ministro alemão). Afinal, temos Guenther Oettinger,
o comissário europeu promovido para dirigir o Orçamento e que exigia que os
países endividados ficassem com a bandeira a meia haste (além de outras
aleivosias racistas). Afinal, temos Juncker, que afirma que a França deve ser
isenta das obrigações dos Tratados por ser a França. Se portanto nos
perguntamos se Dijsselbloem é simplesmente uma anedota que se pode descartar
com o abanar da mão, a prudência pede que se olhe para a floresta e não só para
a árvore: o homem foi simplesmente a voz do governo europeu.
Terá sido por isso mesmo que Sampaio já se tinha erguido, aqui no
PÚBLICO, contra o caminho do desastre: uma “corrida para o abismo”, com o
“ponto de não retorno” do Brexit, tudo agravado pela inviabilidade de 10-15
anos de austeridade impostos pelo Tratado Orçamental aos países periféricos, a
que ainda acresce a “gestão desastrosa” da questão dos refugiados e “uma clara
acumulação de dificuldades, problemas mal resolvidos e alguns estrondosos
insucessos” e, em consequência, “o esboroamento a olhos vistos da confiança na
União Europeia, nas suas instituições e nos seus líderes”. O “esboroamento”,
nada menos.
Mais, acrescentava o ex-Presidente, isto não vai ser corrigido: “o pior
é que, de facto, ninguém parece acreditar que Bruxelas (ou Berlim) tenha
qualquer iniciativa nos próximos meses para responder à crise da eurozona, para
alterar a ortodoxia financeira dos credores ou para criar as condições
institucionais e orçamentais que tornem possíveis programas de reforma nas
economias mais frágeis”. O teste está a ser feito na Cimeira que decorre este
fim de semana em Roma: haverá palavras de circunstância sobre o atentado de
Londres e sobre os 60 anos da fundação, enquanto os cinco cenários de Juncker
serão misericordiosamente enterrados e não haverá nada sobre como deve a União
superar a desunião e o desprezo pela vida dos desempregados, ou dos
trabalhadores, ou dos jovens. Afinal, o dijsselbloismo tem triunfado sem
oposição nas cimeiras europeias.
Claro que em Portugal, apesar da indignação espraiada até entre os
partidos de direita contra “as mulheres e os copos”, ainda sobrou a brigada
conservadora que veio defender Dijsselbloem. Helena Garrido já tinha dito que o
chefe dele, Schauble, tinha razão, aliás os chefes têm sempre razão e, se
anuncia que vem um resgate, é porque sim e até é um favor que nos faz. Camilo
Lourenço, um homem do CDS, alinhou imediatamente com Dijjselbloem, que andava
tudo a exagerar e no fundo o homem tem razão.
José Manuel Fernandes reconhece, pesaroso, que a frase é “infeliz”,
para logo também concluir que tem razão. Mais ainda, entusiasmado com a ideia,
Fernandes ensaia no Observador a sua própria versão do dijsselbloemês,
advertindo-nos paternalmente: “a próxima vez que um filho vosso (ou um irmão)
que está em riscos de chumbar o ano vos vier pedir dinheiro para ir ‘com a
malta’ para ‘a noite’ na véspera de um exame decisivo, passem-lhe logo o cartão
do multibanco e o respectivo código, não vá ele acusar-vos de ‘moralismo’ e
‘preconceitos’, talvez mesmo de ‘xenofobia’, porventura de ‘racismo’ e
‘sexismo’. Como sabem, assim ele irá longe na vida”. Este catálogo de pecados é
maravilhoso e serve para explicar porque é que Dijsselbloem, no fim das contas,
é como o nosso pai quando cuida de nós e não cede à tentação de nos deixar ir
para a “noite”. Os conservadores continuam a lastimar a falta do Diabo, que
vinha e não veio, e ficam-se por agora pela certeza de que “copos e mulheres”
ou os “copos” e a “noite” na “véspera de um exame decisivo” nos levam pelo
caminho da condenação aos infernos.
Ainda não perceberam que de inferno sabemos todos muito, vivemos a
caminho dele desde que Passos Coelho nos explicou que, com a troika, precisamos
mesmo de empobrecer – sem “copos” e sem “mulheres”, diria o presidente do
Eurogrupo."
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