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quarta-feira, 25 de maio de 2011

O memorando da troika, finalmente lançado em português, ou o que os nossos políticos deviam estar a discutir...


Uma das eleições mais decisivas para o futuro de Portugal, onde se deviam estar a discutir projectos concretos para desenvolver o país e ultrapassar as dificuldades financeiras, está a revelar-se um autêntico massacre de “casos”, de ataques pessoais e de lavagem de roupa suja.

Os partidos, principalmente os chamados partidos do “arco do poder” deviam estar a discutir a forma como vão cumprir a aplicação das medidas impostas pelo memorando que assinaram com a “troika”.

Por exemplo, gostava de saber quais os critérios que os partidos do centrão vão utilizar para aplicar uma das medidas mais discutíveis desse memorando, que é a proposta de redução do número de municípios e de freguesias.

Gostava também de saber que reformas pretendem realizar na aplicação dos impostos (IRS, IRC, IMI, IVA)e como vão concretizar uma das condições do memorando que é a de combater eficazmente esse grande cancro da vida portuguesa que é a fuga ao fisco ( a profusão de “topos de gama”, que se cruzam comigo todos os dias, com matrículas dos dois últimos anos, não engana!).

Ou como vão reduzir o peso da administração pública e local, onde se acoita a maior parte dos “boys” do centrão, uma proposta que é transversal ao mesmo memorando.

Ou ainda, que critérios vão usar para o levantamento de todos os institutos, fundações, associações e empresas públicas, e se já têm um ideia daquelas que devem ser extintas ou fundidas, outra das obrigações impostas pelo memorando.

Por sua vez, os partidos que se opõem a esse acordo deviam estar a desmontar as medidas apresentadas nesse memorando e a apresentar soluções alternativas.

Aliás, não duvido muito que esses mesmos partidos, daqui a algum tempo, sejam os primeiros a defender as medidas do memorando para travar e combater a forma como os partidos do centrão vão tentar dar a volta a algumas dessas medidas, tentando salvar os “boys” à custa dos trabalhadores e os banqueiros à custa das empresas produtivas.

Resumindo e concluindo, gostaria de saber como é que cada um dos partidos que assinaram esse memorando interpretam cada uma dessas medidas e como pensam aplicá-las e, por outro lado, como é que os que se lhe opõem pensam limitar os estragos de uma aplicação mais sectária e ideologicamente preconceituosa das decisões nele contidas.

E não venham os comentadores cínicos do costume com a história que o memorando e a sua aplicação não têm discussão e são o único programa político viável neste acto eleitoral. Entre esses grassa a pura ignorância e o sectarismo ideológico, pois o memorando tem em si muitas questões em aberto e que podem ser aplicadas de forma diferente, tudo dependendo da política e dos preconceitos ideológicos dos seus executores.

Lendo o memorando, finalmente traduzido para português, é possível concluir que existe algum campo de manobra quanto ao modo de atingir os objectivos propostos e à aplicação de algumas das medidas aí referidas.

É que o memorando fala em objectivos a atingir em determinados prazos, mormente na saúde, na justiça, na educação, na administração e no funcionalismo público, no poder municipal, na organização do trabalho, mas, em muitos casos, deixa em aberto o modo como esses objectivos podem ser atingidos, remetendo ainda muitas decisões para a Assembleia da República e para a concertação social.

Parece-me por isso que havia muita coisa a discutir sobre o que podia diferenciar a maneira como cada um dos partidos do arco do poder pensa aplicar essas medidas e atingir os objectivos propostos.

Também aqueles que se opõem ao memorando deviam abandonar a sua posição de total irredutibilidade e podiam, para que o desastre não seja ainda maior para a população portuguesa, e se quiserem ser realistas e pragmáticos, defender ainda alguma coisa que se pode fazer em relação à situação social e laboral, com vista à protecção dos trabalhadores e dos grupos mais desfavorecidos, quer no Parlamento, quer na Concertação Social, quer ainda vigiando a aplicação dessas medidas, evitando que o “centrão” se venha a revelar “mais papista que o papa” na sua aplicação.

Infelizmente não é nada disso que se está a passar e o que assistimos é a uma das mais vergonhosas campanhas eleitorais, onde os partidos com hipótese de liderar os tempos difíceis que se avizinham se gladiam todos os dias com “casos de campanha” e com os mais abjectos ataques pessoais aos adversários.

Com essa gente a liderar a execução das decisões do memorando vamos assistir ao radicalismo na sua aplicação, a uma interpretação que defende os interesses dos seus “boys” e ao desvirtuar de algumas medidas que põem em causa a prática de assalto ao Estado e às empresas públicas que tem sido apanágio da prática desses partidos nas últimas décadas.

O memorando, que podia ser uma base interessante de discussão sobre a moralização da administração pública, vai ser assim usado por essa gente, incompetente, ignorante e sem escrúpulos, que lidera os partidos do centrão, em proveito da sua ideologia neo-liberal , em defesa dos seus interesses e dos seus “boys” e da sua base financeira de apoio, os bancos e os empresários do regime, contra os que trabalham e produzem, desvirtuando algumas das medidas aí propostas que, com boa-fé, podiam ser úteis no combate à corrupção e ao despesismo público.

Com essa gente a liderar, os mesmos políticos de sempre e que destruiram o país nos últimos dez a quinze anos,  o país, daqui a dois ou três anos, ou menos ainda, vai-se encontrar na mesma situação da Grécia...a não ser que os portugueses se mobilizem, informando-se sobre o conteúdo do memorando, fiscalizando activamente a correcta aplicação de algumas das medidas aí propostas, pressionando a classe política a clarificar a sua interpretação sobre alguns aspectos memorando e mantendo-se activamente vigilante em relação à sua aplicação.

Deve-se ainda exigir a divulgação pública das aplicações, euro a euro, do empréstimo que está na origem do memorando, assim como saber quem o vai administrar.

Só com o exercício pleno dos seus direitos de cidadania é que os portugueses podem impedir que esta seja mais uma oportunidade perdida para aprofundar o regime democrático e desenvolver do país..

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