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quarta-feira, 2 de maio de 2012

1º de Maio - Dia de "São Consumidor"?


 (Foto de Nuno Ferreira Santos/Público)

Quem consultar hoje as primeiras páginas da imprensa mundial, encontrará referências às manifestações do 1º de Maio, com destaque para as grandes manifestações em Espanha, em França , na Grécia e em muitos outros cantos da Europa, da América Latina à Ásia.

Contudo, quem fizer o mesmo exercício com a imprensa nacional, com a única excepção do Público, a quem devemos a metafórica fotografia que ilustra esta página, os títulos e as imagens em destaque referem o degradante espectáculo de prateleiras vazias e gente a acotovelar-se  em bichas intermináveis para entrar ou sair dos supermercados da cadeia Pingo Doce.

Muita gente sujeitou-se a bichas que duraram o equivalente a um dia de trabalho, primeiro para entrar, depois para pagar à saída, levando muita gente a “saquear” as prateleiras de bolachas e iogurtes para matar a fome dessa espera.

Muita gente que resolveu escolher os congelados, acabou por ver esses produtos estragarem-se e a derreterem-se ainda antes de os pagar, tal foi o tempo de espera.

A maioria acabou por comprar o que não necessitava para perfazer o valor mínimo para beneficiar da promoção de 50% de desconto em compras superiores a 100 euros.

As fotografias e vídeos do interior desses supermercados mostravam aquilo que pareciam cenas de saque e assalto, como se viesse aí uma guerra ou o fim do mundo, com lixo espalhado pelas prateleiras vazias e pelo chão e lutas e discussões por um pacote de leite.

A empresa da Jerónimo Martins explorou o que existe de mais primário no comportamento das pessoas, explorando a seu favor o medo provocado pela crise económica a os fenómenos mais degradantes da psicologia de massas.

A escolha do dia para lançar essa promoção não foi inocente, foi uma autêntica provocação, induzindo as pessoas a recorrerem ao mais degradante espírito consumista, num dia que devia ser de afirmação cívica.

Já não bastava toda a chantagem que tem vindo a ser exercida sobre os trabalhadores dessa cadeia de supermercados (…e de todas as outras) para os obrigar a trabalhar num dia que devia ser de descanso, de convívio ou manifestação cívica, para agora tornar a vida dessas pessoas num verdadeiro inferno.

Ao que parece, contudo, a administração dessa empresa não acompanhou os seus trabalhadores nessa obrigação, já que não responderam às perguntas de alguns órgãos de comunicação social com a argumentação que estavam fechados por “ser feriado”.

Não deixa de ser curioso o silêncio sobre este fenómeno por parte de uma série de economistas e sociólogos que tanto gostam de perorar contra o excesso consumista e a falta de atitude cívica do “povo” e sempre prontos a defender a austeridade em nome da crise.

Mas o fenómeno é facilmente explicável, se olharmos para o nome dos autores das edições e dos responsáveis pelas instituições e fundações financiadas pela Jerónimo Martins. O silêncio é fácil de comprara por quem tem dinheiro.

Desta triste situação ficam aqui duas ou três perguntas que gostava que alguém me respondesse.

Uma primeira pergunta é para o sr. Presidente da  República: o sr, sempre tão preocupado com a imagem do país lá fora, não tem nada a dizer sobre a degradação das imagens que marcaram este 1º de Maio em Portugal, que correram o mundo e que vão ser alvo de chacota generalizada? 

Outra pergunta para os responsáveis pela concorrência económica: sei que já andam a investigar os acontecimentos, mas pergunto se, em caso de se comprovar a existência de prática de dumping, que atitude vão tomar em relação aos responsáveis por essa empresa?

E já agora o governo, tão preocupado com o deficit, não se interroga se o apelo irracional ao consumo de campanhas com esta não é tão responsável pela crise em que vivemos, como o são a irresponsabilidade do crédito bancário ou a incompetência dos políticos?

A terceira pergunta é para os consumidores: já pensaram que, se o Pingo Doce, uma das cadeias de supermercados com produtos mais caros, pode oferecer 50% de desconto em quase todos os seus produtos e na quase totalidade dos seus stocks, e se mesmo assim, tem lucro, porque é que não baixa os preços em definitivo? Ou perguntando de outro modo: se conseguem vender produtos com 50% de desconto sem perderem dinheiro, já perceberam a escandalosa margem de lucro dessas empresas em dias normais?

Por último, para aqueles que vêem neste acto um acto benemérito da empresa, uma espécie de boda aos pobres, devem-se perguntar porque é que essa empresa recorre a off-shores para fugir aos impostos pagos em Portugal ou se foram de facto os mais pobres que beneficiaram com esta campanha. 
A maior parte dos pobres e todos aqueles que trabalham com salários mínimos não podem dispor, de um dia para o outro, de um mínimo de cem euros para beneficiarem deste tipo de campanhas, ou, se o fizeram, em breve vão sentir no bolso o modo como responderam irracionalmente ao desejo consumista.

Este foi um dia de vergonha e infâmia…

1 comentário:

Joaquim Moedas Duarte disse...

Subscrevo inteiramente o teu texto.
Ontem ( e hoje!), sinto-me deprimido, frustrado, revoltado. Percebo melhor o célebre desabafo de Alexandre Herculano perante o espetáculo de um país habitado por um povo de invertebrados: "Isto dá vontade de morrer!"

Porque a verdade é esta: que o capitalista insulte acintosamente o Dia dos Trabalhadores, eu até compreendo, está na sua natureza.
Agora, que os trabalhadores ( uma parte, enfim...)vão comer à mão de quem os explora... isso não entendo.