“O Dia da Espiga, coincidente com a Quinta-feira da
Ascensão, é uma data móvel que segue o calendário litúrgico cristão e que este
ano é celebrada a 17 de Maio.
“Mas, se actualmente poucas são as pessoas que ainda vão ao
campo nessa quinta-feira, abandonando as suas obrigações, para apanhar a
espiga, ou que se deslocam às igrejas para participar nos preceitos religiosos
próprios da data, tempos houve em que, de norte a sul do país, esta foi uma
data faustosa, das mais festivas do ano, repleta de cerimónias sagradas e
profanas, que em muitas zonas implicava mesmo a paragem laboral. A antiga
expressão “no Dia da Ascensão nem os passarinhos bolem nos ninhos” deriva dessa
tradição.
“A origem gaudiosa deste dia é, contudo, muito anterior à era
cristã. Este dia é um herdeiro directo de rituais gentios, realizados durante
séculos, por todo o mundo mediterrâneo, em que grandiosos festivais, de
intensos cantares e danças, celebravam a Primavera e consagravam a natureza.
“Para os povos arcaicos, esta data, tal como todos os
momentos de transição, era mágica e de sublime importância. Nela se exortava o
eclodir da vida vegetal e animal, após a letargia dos meses frios, e a
esperança nas novas colheitas.
“A Igreja de Roma, à semelhança do que fez com outras festas
ancestrais pagãs, cristianiza depois a data e esta atravessa os tempos com uma
dupla acepção: como Quinta-feira de Ascensão, para os cristãos, assinalando,
como o nome indica, a ascensão de Jesus ao Céu, ao fim de 40 dias; e como Dia
da Espiga, ou Quinta-feira da Espiga, esta traduzindo aspectos e crenças não
religiosos, mas exclusivos da esfera agrícola e familiar.
“O Dia da Espiga é então o dia em que as pessoas vão ao
campo apanhar a espiga, a qual não é apenas um viçoso ramo de várias plantas -
cuja composição, número e significado de cada uma, varia de região para região
–, guardado durante um ano, mas é também um poderoso e multifacetado amuleto,
que é pendurado, por norma, na parede da cozinha ou da sala, para trazer a
abundância, a alegria, a saúde e a sorte. Em muitas terras, quando faz
trovoada, por exemplo, arde-se à lareira um dos pés do ramo da espiga para
afastar a tormenta.
“Não obstante as variações locais, de um modo geral, o ramo
de espiga é composto por pés de trigo e de outros cereais, como centeio, cevada
ou aveia, de oliveira, videira, papoilas, malmequeres ou outras flores
campestres. E a simbologia de cada planta, comumente aceite, é a seguinte: o
trigo representa o pão; o malmequer o ouro e a prata; a papoila o amor e vida;
a oliveira o azeite e a paz; a videira o vinho e a alegria; e o alecrim a saúde
e a força.
“Além destas associações basilares ao pão e ao azeite, a
espiga surge também conotada com o leite, com as proibições do trabalho e ainda
com o poder da Hora, isto é, com o período de tempo que decorre entre o
meio-dia e a uma hora da tarde, tomando mesmo, nalguns sítios do país a
designação de Dia da Hora. Nas localidades em que assim é entendida esta
quinta-feira, acredita-se que neste período do dia se manifestam os mais
sagrados e encantatórios poderes da data e nas igrejas realiza-se um serviço
religioso de Adoração, após o qual toca o sino. Diz a voz popular que nessa
hora “as águas dos ribeiros não correm, o leite não coalha, o pão não leveda e
até as folhas se cruzam” . Nalgumas povoações era também do meio-dia à uma que
se colhia a espiga.
“Noutras regiões ainda, esta data é dedicada ao cerimonial
do leite. Na aldeia da Esperança, no concelho de Arronches, este é aliás o “Dia
do Leite” e os produtores de queijo ordenham o seu gado e oferecem o leite a
quem o quiser. Também em Guimarães, e em muitas freguesias do concelho de
Pinhel, o leite ordenhado neste dia é oferecido ao pároco. Em Santa Eulália, no
concelho de Elvas, esse leite é dado aos pobres, acreditando-se assim que a
sarna não atingirá as cabras.
“Nas zonas onde esta data é associada à abstenção laboral,
cessam-se muitas actividades como a cozedura do pão ou a realização de
negócios. Na Lousada, em Penafiel, não se cose nem se remenda e há quem deixe
comida feita de véspera para não ter de cozinhar neste dia.
“No que diz respeito ao sul do país, e sobretudo na
actualidade, a maioria das tradições do Dia de Espiga resume-se à apanha do
ramo da espiga, ao qual, em muitos sítios, se adiciona também uma fatia de pão,
para que durante todo o ano não falte este alimento em casa”.
Núcleo de Documentação Municipal da Câmara Municipal de
Évora
Bibliografia:
OLIVEIRA, Ernesto Veiga - Festividades Cíclicas em Portugal.
Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1984. 357 p.(Colecção Portugal de Perto n.º
6).
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