A utopia no bolso
Por Ricardo Araújo Pereira
“Quando Pedro Passos Coelho reconheceu que o nível da carga
fiscal, no nosso país, é insuportável, mostrou a todos que a direita também
pode ser sonhadora. Que pode ambicionar ir além do possível, rejeitar o espartilho
do realismo e tomar viável aquilo que, à primeira vista, parece não passar de
uma fantasia. O primeiro-ministro admite que a carga fiscal é insuportável, mas
não é por isso que deixa de pedir aos portugueses que a suportem. Suportem o
insuportável, diz ele. Passos Coelho descobriu uma utopia na nossa algibeira.
“Acaba por ser reconfortante que, em tempos de crise, um
chefe de Governo faça sonhar o povo e adopte um discurso em que a política se
deixa permear pela poesia. A política não é boa, e a poesia também não, mas não
há dúvida de que uma anda a permear a outra. Além de deverem suportar o
insuportável, os portugueses são incentivados a olhar para o desemprego como
uma oportunidade. Os rústicos que olhavam para o desemprego como desemprego
devem estar bem envergonhados. Pois que façam também desse embaraço uma
oportunidade: procurem a poesia no desemprego. E, como sonhar não custa
dinheiro, sigamos o exemplo de Passos Coelho e descortinemos oportunidades em
todas as desgraças. Porquê ficar apenas pelo desemprego? Os acidentes
rodoviários são uma oportunidade para trocar de carro. Os incêndios são uma
oportunidade para organizar uma grande churrascada com amigos. As cheias são
uma oportunidade para fazer um passeio de barco bem romântico. E a cadeia é uma
oportunidade para descansar e descobrir novas sensações no duche.
O desemprego talvez seja a oportunidade mais promissora, e
por isso aquela que o Governo mais acarinha. Parece que certas empresas estão a
preparar oportunidades colectivas. A indemnização por despedimento tende a
desaparecer.
A única formalidade a cumprir cabe ao trabalhador despedido,
que deve dirigir-se ao seu ex-empregador para lhe agradecer a oportunidade.
Depois de beneficiar dessa oportunidade, deve aproveitá-la para empreender e
inovar. A maior parte dos desempregados reduz estas actividades ao mínimo, e
limita-se atentar empreender uma ou duas refeições quentes por dia e inovar
pagando contas para as quais não tem dinheiro. O problema é que a oportunidade
do desemprego esgota-se na eventualidade, felizmente remota, de o desempregado
encontrar emprego. Nessa altura, perdeu a oportunidade. E, embora não mereça,
talvez deva receber nova oportunidade, até para animar a sua vida. O ideal é
manter-se desempregado, estado em que se mantém permanentemente a aproveitar a
oportunidade. É possível que haja quem não aguente e morra. Mas a morte, não
sei se já adivinharam, é uma oportunidade. Para fertilizar a terra, por
exemplo. É aproveitar, portugueses".
In VISÃO de 17 de Maio de 2012.
Sem comentários:
Enviar um comentário