Demita-se, senhor Dijsselbloem!
por PAULO GRANJO in Público de 11/07/2015 .
“Hoje, está claro por toda a
Europa que o senhor não é nem pode ser parte da solução. O senhor é, sim, uma
parte muito significativa do problema.
“Sr. Dijsselbloem: Escrevo-lhe na minha condição de cidadão europeu,
ciente de que partilho com muitos outros milhões de concidadãos as preocupações
e o apelo que lhe transmito.
“O senhor sabe (melhor do que nós, simples cidadãos informados) que o
primeiro resgate à Grécia foi fundamentalmente aplicado na salvaguarda da
exposição dos bancos alemães e franceses à dívida pública do país, no resgate
aos bancos gregos e na manutenção das encomendas de submarinos alemães e de
caças franceses. E sabe que essa utilização dos fundos foi condição para que o
empréstimo se realizasse.
“O senhor sabe que, dos subsequentes resgates, quase nada foi gasto em
despesas correntes e na economia grega, mas antes no pagamento dos elevados
juros e do reembolso dos anteriores empréstimos a curto prazo.
“O senhor sabe que, nesse processo, os “contribuintes do norte da
Europa” não pagaram um cêntimo “para as pensões e boa vida dos gregos”. Porque
não foi esse o uso do dinheiro e porque, pelo contrário, os seus governos e as
instituições internacionais lucraram biliões de Euros em juros.
“O senhor sabe que as condições políticas, económicas e sociais
associadas a esses empréstimos (estranhamente consideradas legítimas e
“normais”, no exclusivo caso em que o devedor não seja um indivíduo ou uma
empresa, mas um país em situação vulnerável) destruíram a economia grega e
mergulharam o país numa situação de calamidade social.
“O senhor sabe (ou tem obrigação de saber, tendo em conta a
responsabilidade do cargo que ocupa) que a espiral de endividamento e recessão
criada pelas exigências das instituições europeias e do FMI tornou, para além
desses custos, a dívida grega impossível de pagar, exigindo a sua restruturação,
até para o interesse dos próprios credores.
“O senhor sabe também (bem melhor que qualquer um de nós, cidadãos que
pagamos o preço da sua atuação e decisões) que as tentativas de construir uma
solução que quebrasse esse círculo vicioso e não passasse por “mais do mesmo”
foram sistematicamente inviabilizadas, não por razões económicas ou
financeiras, mas pelo afã de manter as relações de poder que conduziram à
situação presente e de inviabilizar, num país membro da EU, um governo que não
esteja disposto a aceitá-las.
“Estou também certo de que o senhor sabe, independentemente do que
diga, que a linha de atuação que o Eurogrupo manteve ao longo dos últimos meses
é, hoje, insustentável.
“É insustentável, porque a ausência de um diálogo sério e de uma
restruturação adequada da dívida grega, que empurrasse a Grécia para fora do
Euro, acarretaria a países como a Alemanha enormes prejuízos e, aos restantes
países enfraquecidos por políticas de “austeridade”, ataques especulativos à
sua dívida pública.
“É insustentável, porque uma saída da Grécia da zona Euro (fosse ou não
eventualmente benéfica para os próprios) induziria também, com enorme
probabilidade, uma forte turbulência cambial e o reacender da recessão por toda
a Europa.
“É insustentável, porque as duas maiores economias mundiais não podem
correr o risco quês tais efeitos teriam sobre os mercados financeiros, o
comércio mundial e as suas próprias economias domésticas – tendo já deixado
clara a sua exigência de uma solução que mantenha a Grécia no Euro e tendo-se
abstido de envolvimentos mais directos apenas por respeito para com as
instituições europeias.
“É insustentável porque, para além disso, os equilíbrios estratégicos e
a situação mundial não permitem, aos Estados Unidos e à NATO, deixar que
imposições de poder no Eurogrupo e da União Europeia empurrem um membro
mediterrânico e à beira do médio-oriente para o colo da Rússia, por ausência de
alternativas.
“A anterior atuação do Eurogrupo é hoje insustentável porque, sobretudo
(e peço desculpa por lhe lembrarum tão traumático acontecimento), o governo
grego convocou e venceu de forma estrondosa, este domingo, um referendo
infelizmente raro na construção europeia. Dele, saiu em muito reforçado o seu
mandato democrático (infinitamente mais do que os dos seus parceiros no
Eurogrupo) para negociar uma solução que inclua a restruturação sustentável da
dívida, exclua mais “austeridade” sobre os mais fracos e, em grande medida,
salve a Europa.
“O senhor sabe que essa vitória foi obtida sob pressões e ameaças
internacionais e das instituições europeias sem precedentes. Aliás, a par da
ação do BCE (que, com ela, traiu e ameaçou a sua missão de salvaguardar a
estabilidade financeira e bancária na zona Euro), o senhor foi, nestes dias, o
mais notório apóstolo do Apocalipse. Não só nas várias ameaças que fez acerca
da saída do Euro, mas sobretudo na sua irrevogável declaração de que uma
vitória do “Não” significaria a impossibilidade de quaisquer negociações, a
partir de agora.
“Ora o “Não” ganhou de forma eloquente. E é evidente a inevitabilidade,
agora, de acelerar negociações e de chegar a uma solução que acolha as questões
fortes saídas do referendo grego - para além de da mera racionalidade e
bom-senso.
“Hoje de manhã, o governo grego deu um passo surpreendente de abertura
ao diálogo, maturidade política e despojamento. Para que tensões pessoais e
guerras retóricas passadas não se transformassem em escolhos artificiais,
durante as negociações que necessariamente se avizinham, o ministro das
finanças grego, Yanis Varoufakis, demitiu-se do seu cargo.
“E você, senhor Dijsselbloem?
“O senhor sabe que a senhora Merkel se resguardou no silêncio, durante
a última semana, tal como sabe que o seu peso político e responsabilidades de
liderança de facto a salvaguardam, no caso de um evidentemente necessário
volte-face na sua posição.
“O senhor sabe que o senhor Shauble se pode modestamente resguardar na
sua mera posição de ministro das finanças, que segue a sua liderança em defesa
dos interesses alemães e europeus.
“O senhor sabe que, apesar de excessos verbais semelhantes ou piores
que os seus, ao longo da última semana, o senhor Junker se pode resguardar nas
tentativas de aproximação e diálogo que antes fez e na sua aparente
inimputabilidade.
“Mas você, senhor Dijsselbloem, queimou as pontes ao declará-las
queimadas e não tem para onde recuar. E é, hoje, impensável que a busca e
construção de um inevitável acordo sejam feitas sob a sua liderança, mesmo que
apenas nominal.
“Independentemente da forma como o senhor avalie a sua atuação ao longo
dos últimos meses, hoje, está claro por toda a Europa que o senhor não é nem
pode ser parte da solução. O senhor é, sim, uma parte muito significativa do
problema.
“Por isso apelo (já que não existem mecanismos democráticos que me
permitam exigi-lo) a que faça a única coisa digna e racional.
“Demita-se, senhor Dijsselbloem!”
Cidadão português e europeu, antropólogo
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