A história repete-se, a primeira vez com tragédia, a segunda como comédia.
O ataque aos professores e à sua dignidade começou com Maria de Lurdes Rodrigues e foi...uma tragédia.
Agora repetiu-se, mas sob a forma de comédia, com o inenarrável Nuno Crato, rei do cinismo nacional e descarado ministro da educação (???) e ciência (???).
Ao menos Maria de Lurdes tinha um projecto, gostasse-se ou não dele, e tinha conhecimentos sobre o assunto,mesmo que fizesse destes, quanto a nós, um uso incorrecto e tendencioso.
Nuno Crato é a suprema ignorância, um mero executor das políticas de austeridade aplicadas à educação, competente em ver-nos a todos como simples números embrulhados em cálculos matemáticos.
A cereja em cima do bolo da sua inqualificável "política educativa" está no modo com convocou os professores mais novos para o exame deste dia, um exame também ele inqualificável e que tem como único objectivo humilhar os professores.
Em homenagem aos meus jovens ex-colegas, aqui deixo a última crónica de Pacheco Pereira sobre o tema, que arruma o tema (e Nuno Crato) com a mestria de um pensador atento e informado:
"Voltamos à moralidade ou à falta dela
por JOSÉ PACHECO PEREIRA in Público de 19/07/2014
"Voltar a falar de moralidade é algo que só faço com imensa relutância.
A palavra e a coisa são tão ambíguas e prestam-se a tantas manipulações, que a
probabilidade de sair asneira ao usá-la é grande. Por regra, entre o moralismo
hipócrita, tão comum no mundo católico apostólico romano, e o cinismo, eu acho
que o cinismo faz menos estragos em democracia.
"O ponto de vista realista, ou, se se quiser, cínico, pode ser pedagógico
em política, quando esta está cheia de falsos moralismos, densa de presunção
moral. Já houve alturas em que foi assim e ocasionalmente, nalguns momentos e
eventos, é assim. Nessas alturas faz bem lembrar que a natureza humana é como
é, e pode-se ser um carácter duvidoso a título pessoal e ser-se um bom
político, que sirva a comunidade e o bem comum. Churchill serve de exemplo, ou
Lincoln. Parece chocante, mas a moralidade pessoal é um terreno pantanoso em
que é mais fácil entrar do que sair e o julgamento da moralidade alheia, quase
sempre hipócrita, tem a notável tendência de funcionar como boomerang. É por
isso que só com pinças.
"Mas no tempo em que vivemos não é o moralismo o risco, dada a natureza
dos nossos governantes que cresceram numa cultura amoral e de “eficácia”. Por
isso é preciso o contrário, chamar a moralidade para a praça pública, porque há
coisas que são inaceitáveis numa democracia que desejamos minimamente decente.
Já não digo sequer decente, mas minimamente decente. E têm a ver com a moral
porque atingem a verdade, a recta intenção, o objectivo do bem comum, o
respeito pela dignidade das pessoas e são actos de maldade, de mau carácter,
muitas vezes disfarçados de espertezas e habilidades.
"O exercício desta imoralidade activa na governação impregna toda a vida
pública de maus exemplos, de salve-se quem puder, de apatia ou revolta, de
depressão ou violência. Torna Portugal um país doente e um país pior, promove
os habilidosos sem escrúpulos e afronta os homens comuns, insisto, minimamente decentes,
que não querem o mal para ninguém, desde que os deixem sossegados e sem
afronta. É isso que provoca a institucionalização do dolo, do engano, a
construção de políticas destinadas a tramar portugueses, umas vezes muitos e
outras vezes poucos, sem qualquer vergonha por parte dos seus executantes. E aí
eu nasço redivivo como um moralista agressivo, e falo cem vezes do mesmo, sem
descanso. Não gosto, mas falo.
"A história mais recente e que me fez escrever este artigo foi a
desfaçatez do truque que o Ministério da Educação usou para marcar os exames
aos professores com três dias úteis de pré-aviso, caindo do céu da surpresa no
fim de Julho, com grande estrondo. Na verdade, são teoricamente cinco dias, o
mínimo exigido por lei, mas só teoricamente. O truque foi pré-assinar um
despacho em segredo, no quinto dia divulgá-lo no Diário da República a contar
do dia da sua assinatura, para que na prática faltassem, após o anúncio ser
conhecido, apenas três dias úteis até ao exame, 17, 18, e 21 de Julho. Professores
que já estavam a receber o subsídio de desemprego, que já estavam de férias, e
que não sabiam que iam ter um exame para que é suposto prepararem-se, cai-lhes
em cima uma data que é já praticamente amanhã. Nem o gado é suposto ser tratado
assim, mesmo quando vai para o abate.
"Porquê esta rapidez? A resposta é muito simples: para evitar que os
sindicatos pudessem apresentar um pré-aviso de greve no prazo exigido pela lei
– ou seja, o Governo faz um truque descarado e sem vergonha para contornar uma
lei da República, que permite o exercício de um direito.
"Pode-se ter o ponto de vista que se quiser sobre os exames exigidos a
professores que já tinham as qualificações necessárias para ensinar e, nalguns
casos, já ensinavam há vários anos. Esta é outra questão e sobre ela não me
pronuncio. O Governo pode até ter razão em querer os exames e os professores
não ter ao recusá-los. Aqui posso ser agnóstico sobre essa matéria. Não é sobre
isto que escrevo, mas sobre o pequeno truque, habilidade, esperteza e os seus
efeitos de dissolução social como norma de governação.
"Vai haver quem encolha os ombros e ache muito bem que se pregue uma
partida a Mário Nogueira e aos seus sindicalistas da Fenprof. (No entanto,
todos os sindicato, mesmo os da UGT, dirigidos por membros e simpatizantes do
PSD, estão de acordo em recusar o truque do Governo.) Mas, como a sociedade
portuguesa está em modo de “luta de classes”, há aí muita gente agressiva a
querer vingança no tempo útil que sobra até o Governo cair. A mó já é a mó de
baixo e daí muita raiva pouco contida, que serve de base à indecência".
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