O BES é chamado o Banco do
regime.
O seu poder está ramificado, não
só na vida financeira e económica do
país, mas também na vida política, empregando gente mais ou menos conhecida do
“centrão” e que teve responsabilidades políticas em vários governos. Os favores
desta gente contribuíram para a afirmação do banco.
Ao mesmo tempo gente do BES e das
empresas “satélite”, familiares e gestores, construíram uma rede de amizades
pessoais e ligações familiares junto, não só de sectores da vida política, mas
também junto da comunicação social e de alguns conhecidos opinion makers, que
assim cumprem o papel de desviar a atenção da opinião pública, nem que seja
pelo mero silêncio, dos verdadeiros responsáveis da nossa crise, tentando
passar a mensagem dos portugueses que viviam “acima das suas possibilidades” , ou
atirando para os direitos sociais, para os trabalhadores em geral e os
funcionários públicos em particular , os reformados e trabalhadores, o ónus da
crise que o sistema financeiro provocou.
Defensores das “reformas
estruturais”, isto é, desvalorização salarial, aumento dos impostos sobre quem
trabalha, redução das direitos laborais, distrairam as atenções da opinião
pública das verdadeira reformas que era necessário fazer no sistema financeiro,
continuando este, e os seus executantes, a gozar de todo o tipo de privilégios
e de lucros das negociatas que continuaram a fazer à sombra do tal Estado que
tanto dizem odiar.
Só que algo correu mal.
Zangaram-se as comadres e descobriram-se as verdades e agora pretendem que,
mais uma vez, sejam os contribuintes a salvar o corrupto sistema financeiro que
está por detrás desta crise e da austeridade que todos sofremos.
É tempo de,por esta vez, serem
eles a pagar, do seu bolso, a crise e, enquanto a família Espírito Santo e os
seus capatazes (na administração e nos favores políticos) tiverem património, é
com este que devem pagar os desvarios, não é o “Estado”, isto é, os
contribuintes e os trabalhadores, com os seus impostos e mais austeridade.
Claro que, se não sobrar nada no
fim, o Estado pode garantir a sobrevivência dessa gente: através do RSI’s para
os que ainda não têm idade para a reforma, e de uma pensão mínima de
sobrevivência para os maiores de 66 anos…
Entretanto aqui ficam dois textos
que nos contam a história deste Banco e das suas ligações ao regime
democrático, nos últimos anos e nas últimas semanas:
A HISTÓRIA RECENTE DE
UM BANCO QUE (AINDA) MANDA EM PORTUGAL:
“(…) O maior accionista individual do BES é hoje [2010] Maria do Carmo
Moniz Galvão Espírito Santo, a viúva de Manuel Ricardo Espírito Santo Silva,
que presidiu ao BES no período de 1974 a 1991. É bisneta de Henrique Francisco
Luís de Sommer (tal como António Champalimaud) e de José Maria do Espírito
Santo Silva, o fundador do banco.
“O seu pai, Fernando Moniz Galvão, era simultaneamente administrador do
BES e director do Banco Comercial de Lisboa, e conduziu a integração deste
banco no grupo Espírito Santo, em 1937. Maria do Carmo tem dois filhos: um
administra a Santogal (comércio de automóveis, factura 450 milhões por ano), o
outro é presidente da ES Maria do Carmo Moniz Galvão Resources (1000 milhões
por ano). As suas duas filhas, na tradição familiar que ela própria seguiu,
herdam mas não dirigem.
“Na ditadura e depois na democracia, a genealogia dos Espírito Santo
manteve sempre o mote que Ricardo Salgado anuncia em 2010: o BES é «um banco de
todos os regimes» (DN, 12.04.2010). É mesmo: durante 140 anos, sobreviveu a
muitos governantes e de todos obteve vantagens. Assim, o grupo BES detém hoje o
banco, mas também participações financeiras importantes em mais de quatrocentas
empresas, algumas estratégicas, como a PT. Está em mais de vinte países e «teve
uma palavra a dizer em todos os negócios do país na última década, ao ponto de
se poder dizer que a sua esfera de influência é hoje maior do que no tempo do
Estado Novo», conclui uma investigação recente acerca do grupo (P, 08.03.2010).
Representa mais de 5% do PIB, emprega vinte mil trabalhadores e organiza-se
através de uma complexa rede empresarial, com duas holdings financeiras com
sede na Suíça e no Luxemburgo, dois paraísos fiscais. A Escom, que actua nos
petróleos e noutros negócios, tem sede nas Ilhas Virgens, outro paraíso fiscal
- a empresa tem sido investigada em diversos casos, como o da Herdade da Vargem
Seca, por tráfico de influências e financiamento ilegal do CDS, e por corrupção
ou pagamento de comissões injustificadas nos contratos dos submarinos, entre
outros (ibid.). O BES foi ainda o centro das investigações da Operação Furacão,
que investiga fraudes fiscais.
"Em Portugal, Espanha (o juiz Baltazar Garzon ordenou buscas na sede do
BES em Madrid), Brasil (ao caso «mensalão», compra de votos no parlamento) e
Estados Unidos (o dinheiro de Pinochet), tem sido objecto de investigações
judiciais (ibid.).
"O seu poder político é imenso: pelos seus quadros passaram ou
colaboraram personalidades como Manuel Pinho, ex-ministro do PS, Ângelo
Correia, ex-ministro do PSD, Durão Barroso, ex-primeiro-ministro e presidente
da Comissão Europeia, António Mexia, ex-ministro do PSD.
"Freitas do Amaral, fundador do CDS e ex-ministro de vários governos,
foi o presidente da Petrocontrol, a holding de diversos interesses na GALP, em
que ressaltava o BES. A sua participação na empresa acabou por ser vendida à italiana ENI e à
Iberdrola, por pressão do ministro Pina Moura, que mais tarde seria o
presidente da Iberdrola em Portugal. Por acção do mesmo ministro, as
mais-valias da venda das acções da Petrocontrol foram isentas de imposto
(ibid.). Ângelo Correia, agora eminência parda do PSD, liderou o consórcio que
incluía o BES, a Fomentinvest (5) e a Carlyle, o fundo especulativo dirigido
por Frank Carlucci, ex-embaixador dos EUA em Lisboa e ex-director da CIA, e que
concorreu à compra de parte da GALP, tendo sido derrotado (6).
"Pelo BES passaram ainda Nuno Vasconcelos e Rafael Mora, promotores do
movimento Compromisso Portugal e dirigentes da Ongoing, que comprou parte da PT
por 700 milhões de euros, financiados pelo banco de Ricardo Salgado e pelo BCP.
O BES reforçou depois o seu investimento na empresa, através de aplicações de
clientes. A Ongoing foi candidata à compra da TVI, mas falhou o negócio”.
“ (5) A Fomentinvest é dominada por Ângelo Correia, mas o BES tem 15%
do capital. Pedro Passos Coelho fez a sua carreira profissional nesta empresa,
sob a tutela de Ângelo Correia (P., 08.03.2010).
“(6) Devido a notícias publicadas no Expresso sobre este negócio, o BES
decidiu retirar a publicidade nesse semanário e em todo o seu grupo”.
In “Os Donos de Portugal - Cem anos de poder económico (1910-2010)”,
ed. Afrontamento 2010, pp 287 e 288.
….E A HISTÒRIA DOS
ÚLTIMOS DIAS:
“Salvem o BES e deixem cair a família.
Por Pedro Sousa Carvalho, jornalista do Público, 11 de Julho de 2014
“O BES é um banco too big tofail Mas a família não. Há quem fale numa
relação incestuosa a nível das holdings.
“É verde, viscoso e propagasse a uma velocidade estonteante. Quem
entrar em contacto com o vírus do BES começa a sentir vertigens e arrisca-se a
uma queda valente. 0 trambolhão do BES, que ontem chegou a cair mais de 18%,
foi tal que o regulador teve de suspender a negociação das acções, colocando o
banco numa espécie de quarentena para não infectar as restantes empresas da
bolsa.
“O regulador tentou evitar o contágio, mas o pânico rapidamente se
instalou nos mercados. A Portugal Telecom, já bastante infectada por ter estado
em contada directo com o BES, afundou-se mais 7%, a banca foi toda atrás e
nenhuma das empresas do PSI 20 saiu ilesa. Numa questão de segundos o que valia
muito passou a valer pouco e o que valia pouco passou a não valer nada.
“Os juros da divida pública dispararam e tiveram a maior subida desde a
crise política de 2013, quando Portas apresentou a demissão “irrevogável”.
“A crise no BES saltou fronteiras e fez mossa por esse mundo fora.
Portugal voltou a ser manchete em todos os jornais internacionais. “Global
markets tumble amid fears over portuguese lender”, escrevia ontem o The Wall
Street Journal para nos contar que o vírus do BES já tinha contagiado as bolsas
europeias e nos EUA. O espanhol Banco Popular cancelou uma venda de dívida
convertível, o grupo farmacêutico italiano Rottapharm abortou um IPO e na
Grécia o Governo reduziu uma colocação de dívida pública por falta de procura.
“O Espírito Santo não é um banco too big to fail a nível europeu. Mas a
Lehman Brothers também não o era quando faliu. Pela reacção ontem dos mercados
é fácil perceber que existe um risco sistémico, caso o BES vá ao charco. O
assunto é particularmente sensível nesta altura em que bancos europeus estão
todos a tentar alindar os balanços para realizarem os testes de stress do BCE.
“0 Banco Espírito Santo tem nesta altura dois problemas: um de
liderança e outro de contabilidade. O problema de liderança já foi
aparentemente resolvido pelo Banco de Portugal, que tratou de afastar Ricardo
Salgado e toda a família da gestão executiva do banco. Não se sabe se por falta
de competência, de idoneidade ou de honestidade. Nunca o disse. Carlos Costa
limitou-se a abrir uma porta para que Ricardo Salgado e Companhia saíssem com
alguma dignidade. E nem isso conseguiram.
“Resta um problema de contabilidade. É verdade que os rácios de capital
do banco são sólidos. Mas o problema do BES resulta de uma intrincada teia de
holdings: a ES Control, o quartel- general da família, detém 56,5% da ES
International, que. por sua vez, é dona de 100% da Rioforte, que, por seu lado,
controla 49% da ESFG, que é o maior accionista do BES, com 25% do capital.
Estas empresas da família têm todas relações entre si, emprestam dinheiro e
compram coisas umas às outras numa relação que ontem um colunista do Financial
Times qualificava de “terrivelmente incestuosa”.
“É uma espécie de matrioska financeira. E no final há uma boneca
pequenina que está falida. Aliás, uma das justificações dada pela Moody’s para
baixar o rating da ESFG é precisamente a “falta de transparência em tomo não só
da situação financeira do Grupo Espírito Santo, mas também da amplitude das
ligações intragrupo”.
“O problema é que ao final do dia não se percebe até que ponto o banco
está ou não refém dessa cascata de holdings. E aí é que o mercado começa a
desconfiar. Se as holdings falirem, o problema é da família, azar o deles. Mas
se as holdings contagiarem o banco, o problema já é de todos nós.
“O que se sabe até agora é que o BES emprestou 200 milhões à Rioforte e
outros 780 milhões à ESFG. É muito dinheiro e aí o problema não é tanto de quem
pede emprestado, mas de quem emprestou. Como dizia o magnata americano Jean
Paul Getty: “Se deves 100 dólares ao banco, o problema é teu. Mas se deves 100
milhões, o problema já é do banco”. Apesar de tudo, mil milhões de euros de
perdas o BES terá com certeza estofo para aguentar em caso de default das
holdings. 0 problema é que, além dos empréstimos os clientes de retalho do BES
têm uma exposição às holdings da familia que chega aos 651 milhões; e a
exposição dos clientes institucionais do banco às empresas do grupo é de 1,94
mil milhões. Em caso de incumprimento, quem vai responder por esta dívida que
não é do BES, mas que o banco vendeu nos seus balcões? Há aqui enorme risco,
nem que seja jurídico, qui banco tem de explicar.
“Mas nem o Banco de Portugal, nem BCE, nem o Governo vão deixar cair o
banco, as holdings da família estão falidas e não têm dinheiro para pagar o que
o banco e clientes lhes emprestaram, o Estado deve simplesmente obrigar a família
a vender posição de 25% que detém no BES e usar o dinheiro para saldar pelo
menos parte do que devem. Isto, partindo do princípio que os 25% ainda não
estão hipotecados a servir de colateral a algum empréstimo. Com novos accionistas,
fazia-se um rebranding, até porque hoje em dia o maior passivo do BES é reputacional; é o nome da
família “Espírito Santo”, que carrega a marca. E se a família recusar sair do
BES o Estado tem sempre a bomba atómica de nacionalizar o banco. E aí não há
nenhum vírus que sobreviva”.
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