Apanhando de surpresa a maior parte dos economistas portugueses, a crise mundial gerou, na maior parte deles, um onda generalizada de pânico, uns porque sempre apostaram a sua credibilidade profissional e intelectual na defesa e/ou aplicação assanhada do modelo único neo-liberal, agora posto em causa, outros porque receiam que, à sombra da crise, regresse o proteccionismo e, “quiçá”, uma qualquer nova forma de socialismo.
Do pânico inicial passaram à ofensiva, com a publicação do chamado “Manifesto dos 28”, alinhando na deriva neo-populista de questionar as “obras públicas”, em nome da defesa dos “contribuintes” e das “gerações futuras”.
Uma outra falácia desse documento foi apresentar-se como portador de uma verdade única, representando “economistas de várias tendências político-ideológicas”, o que não é verdade. Os percursos políticos podem ter sido diferentes, partidariamente ou no tempo, mas quase todos têm alinhado, de forma acrítica, no mesmo discurso neo-liberal
Até podemos concordar com algumas ideias desse manifesto, nomeadamente com o prognóstico que fazem da situação económica portuguesa:
“1. Na última década a economia portuguesa teve o pior desempenho relativo dos últimos oitenta anos, o que a fez divergir em relação às economias da União Europeia. Portugal deu um significativo passo atrás no desígnio nacional de alcançar, duradouramente, os níveis de bem-estar económico e social dos países europeus mais desenvolvidos.(i) A taxa média potencial de crescimento da economia caiu de um valor médio anual de 3% para 1% ainda antes da actual crise;(ii) o défice externo (corrente + capital) situou-se em média, desde 1999, em 8% do PIB, atingindo 10,5% em 2008;(iii) a dívida externa líquida cresceu de 14% do PIB, em 1999, para cerca de 100% em 2008;(iv) a dívida pública directa (a que há que a somar a indirecta) cresceu de 56% do PIB em 1999, para 67% em 2008;(v) a dívida pública indirecta subiu vertiginosamente, sendo já de 10% do PIB no sector público dos transportes e de outro tanto, com tendência crescente, nas parcerias público-privadas (PPP);(vi) ocorreu uma fraca eficiência do investimento e queda para menos de metade da poupança nacional bruta;(vii) verificou-se um peso desproporcionado do investimento público que favorece os sectores abrigados da concorrência internacional, embora a competitividade externa, o crescimento e o emprego se joguem no sector produtivo em concorrência nos mercados.” (in Manifesto dos 28).
Contudo, pecam por se basear quase exclusivamente em estatísticas e previsões macroeconómicas, que distorcem muitas vezes a verdadeira e real dimensão da situação económica que pretendem retratar.
Não me esqueço da figura de um dos subscritores desse manifesto, Medina Carreira, num “Prós e Contras”, onde não conseguiu relacionar dois gráficos diferentes sobre a mesma situação, cuja leitura separada ou em conjunto permitia leituras e conclusões diferentes, agarrando-se aquele teórico da macroeconomia apenas àquele que permitia manter a sua opinião.
Num desses gráficos referia-se a evolução sincrónica dos gastos com a administração pública em vários países, mostrando que Portugal era um daqueles onde esses gastos mais vinham a crescer, comparando o seu crescimento anual. Este gráfico era óptimo para a argumentação de Medina Careira contra o investimento Público.
O problema era o segundo gráfico, onde se referia os gastos estruturais com a função pública, onde Portugal surgia com a percentagem menor. Ou seja, nos países nórdicos, com uma percentagem razoável do peso da administração pública, o crescimento anual era reduzido. Em países como Portugal, onde o peso estrutural da administração pública era menor, o crescimento anual era, obviamente maior. Um piloto de formula 1 com voltas de atraso tem, logicamente, de andar mais depressa que os pilotos da frente.
Ora quando questionaram aquele “guru” da economia (que não é economistas) sobre esse segundo gráfico, ele embasbacou e desviou a conversa.
É este o problema da macroeconomia, quando não se confirmam os seus dados com outras perspectivas “macro” ou com análises mais detalhadas e mais “micro”.É assim, penso eu, que não sou economistas, que funciona a verdadeira “Ciência Económica”.
A macroeconomia tem a vantagem de facilitar a manipulação estatística e levar a água ao moinho que se quiser.
Não nos devemos ainda esquecer que quase metade dos subscritores desse manifesto tiveram funções de responsabilidade governamental, enquanto quase todos os restantes a tiveram na formação de várias gerações de gestores e economistas que alinharam alegremente para o descalabro que os próprios denunciam.
Também, fechando os olhos aos nomes que o subscrevem e às suas responsabilidades, podemos concordar com a forma como questionam algumas das opções previstas para as obras públicas.
Por mim, já chega de auto-estradas, tenho dúvidas sobre as opções em relação ao traçado do TGV, não sei se ainda se justifica um aeroporto com as dimensões previstas.
Contudo, não posso concordar que se decida parar tudo para fazer mais estudos.
Os estudos já estão mais que feitos, quanto muito talvez precisem de ser actualizados. Sabemos que esses estudos, infindáveis e geralmente inconclusivos, têm dado dinheiro a muita gente, mas os ministérios têm nos seus gabinetes técnicos suficientes, competente e pagos para os realizarem. Chega de gastos em consultadorias externas, esses sim sorvedouros de dinheiros públicos que os “28” não denunciam.
Não deixa de ser paradoxalmente contraditório que, os mesmos que baseiam toda a sua argumentação em dados macroeconómicos, apresentem como solução para a crise soluções…microeconómicas. Estas até podem ser importantes, mas nunca desligadas de medidas de maior envergadura.
Por exemplo, é fundamental melhorar o nosso tecido ferroviário tradicional, mas este deve estar ligado a uma rede Ibérica e Europeia de TGV.
Só com melhorias na gestão da nossa produtividade e desenvolvendo um mercado interno podemos ambicionar desenvolver a nossa capacidade exportadora, nunca com medidas avulsas de apoio à exportação.
Pelo menos numa coisa esse manifesto teve uma virtude, que foi lançar o debate sobre os investimentos públicos.
Em boa hora surgiram entretanto três novos manifestos, dois da área económico-social, um na área cultural.
Identifico-me com as premissas e sugestões do segundo manifesto, o chamado “Manifesto dos 51”, e do quarto manifesto.
O “Manifesto dos 51” tem desde logo, e à partida, uma vantagem sobre o primeiro, ao não se limitar à pura análise economicista.
Começa por diagnosticar, logo à partida, as principais razões da crise: “Na sua origem está uma combinação letal de desigualdades, de especulação financeira, de mercados mal regulados e de escassa capacidade política. A contracção da procura é agora geral e o que parece racional para cada agente económico privado – como seja adiar investimentos porque o futuro é incerto, ou dificultar o acesso ao crédito, porque a confiança escasseia – tende a gerar um resultado global desastroso”.
As propostas são muito concretas, visando a prioridade central, que é o de combater o desemprego e “reconstruir a economia”.
Com esse objectivo propõem que, “para além da intervenção reguladora no sistema financeiro, a estratégia pública mais eficaz assenta numa política orçamental que assuma o papel positivo da despesa e sobretudo do investimento, única forma de garantir que a procura é dinamizada e que os impactos sociais desfavoráveis da crise são minimizados. Os recursos públicos devem ser prioritariamente canalizados para projectos com impactos favoráveis no emprego, no ambiente e no reforço da coesão territorial e social: reabilitação do parque habitacional, expansão da utilização de energias renováveis, modernização da rede eléctrica, projectos de investimento em infra-estruturas de transporte úteis, com destaque para a rede ferroviária, investimentos na protecção social que combatam a pobreza e que promovam a melhoria dos serviços públicos essenciais como saúde, justiça e educação”.
No essencial, estas propostas não são muito diferentes das apresentadas pelos “28”, mas revelam uma preocupação social mais marcante e não colocam em causa intervenções mais estruturantes.
Já o terceiro manifesto, “Parar é sacrificar o futuro”, é o mais pobre dos três, cheio de frases ocas ou de senso comum, como o próprio título revela, defensor de um desenvolvimento quase exclusivamente assente em grandes obras públicas, que devem ser vistas acriticamente, só por si, como factor de “progresso”, considerando qualquer debate sobre essas obras como uma mera “discussão permanente”, “indecisão” e “parcimónia”. O resultado deste discurso desenvolvimentista está bem à vista pelo país todo, cheio de “mamarrachos do progresso”.
Ou seja, defende-se o “progresso” e o “desenvolvimento” porque sim…
Surgiu, entretanto, um quarto manifesto, que coloca a discussão numa outra dimensão, a dimensão cultural, intitulado “Uma Cultura para o século XXI”.
Começa por referir que, ao “longo dos últimos 35 anos, dificilmente se conseguirá identificar um programa de actuação planeado, coerente e capaz de dignificar a cultura portuguesa de acordo com um projecto claro e sustentado. A única tentativa de o levar a cabo de forma consequente ocorreu entre os anos de 1995 e 2000, sendo ainda hoje a solitária excepção à regra”.
Questiona “ o decréscimo de investimento na área da Cultura, não gerando qualquer poupança significativa aos cofres de um estado que se mostra pródigo e perdulário perante outros sectores económicos, como exemplos recentes demonstram, aumenta significativamente os custos da ignorância, da insociabilidade, do isolamento e do correspondente atraso estrutural. Pois a Economia da Cultura raramente é discutida, ou sequer pensada, nas suas mais óbvias e elementares consequências: quanto custa o desprezo pelo património, a indefinição de uma política museológica, a insegurança das carreiras artísticas, a indecisão de objectivos e prioridades, a errância das políticas?”
Referindo-se à actual crise, defende esse manifesto que “a Cultura pode ser uma área prioritária de investimento. Para tal, o país dispõe de excepcionais recursos humanos, acrescidos todos os anos, e que estão subaproveitados e desalentados. Dispõe também de uma rede de equipamentos recentes que devem promover a descentralização, o multiculturalismo e a internacionalização. O que falta é uma orientação sagaz, actual e determinada, que corrija os retrocessos dos últimos anos e entenda a pertinência estratégica desta área com uma visão prospectiva e capacitante. Caso contrário, todos os magros factores de riqueza se transformarão quotidianamente em desperdício”.
Elaborando um diagnóstico nos vários domínios culturais, propõe-se como “um imperativo nacional, naturalmente trans-partidário, que a Cultura tenha no seu Ministério o exemplo da sua indiscutível dignidade. É exigível que se redefina e se dê finalmente conteúdo a uma verdadeira Política Cultural, que se estabeleçam objectivos, clarifiquem funções, assumam responsabilidades e metas. E que o discurso politico, em vez de as fomentar – pela sua gaguez ou pelo seu excesso retórico – estanque o cíclico uso e abuso de “novidades” e de “anúncios” que apenas desresponsabilizam em relação à necessária maturação dos meios de produção, de criação, de circulação e de consumo culturais.
Desafiam, assim, “os partidos e as organizações políticas a que, no período eleitoral que se avizinha e nos programas que venham a apresentar a sufrágio, avancem propostas claras sobre estes temas, que necessitam de ser pensados, não sob a pressão de circunstâncias efémeras, mas com uma autêntica visão de futuro”.
Menos comentado, este manifesto coloca a noção de desenvolvimento económico numa dimensão verdadeiramente inovadora, num país que pode ter nas opções culturais, na defesa da sua criatividade e do seu património e na sua internacionalização, uma das saídas para a crise.
(os manifestos são reproduzidos em baixo)
Do pânico inicial passaram à ofensiva, com a publicação do chamado “Manifesto dos 28”, alinhando na deriva neo-populista de questionar as “obras públicas”, em nome da defesa dos “contribuintes” e das “gerações futuras”.
Uma outra falácia desse documento foi apresentar-se como portador de uma verdade única, representando “economistas de várias tendências político-ideológicas”, o que não é verdade. Os percursos políticos podem ter sido diferentes, partidariamente ou no tempo, mas quase todos têm alinhado, de forma acrítica, no mesmo discurso neo-liberal
Até podemos concordar com algumas ideias desse manifesto, nomeadamente com o prognóstico que fazem da situação económica portuguesa:
“1. Na última década a economia portuguesa teve o pior desempenho relativo dos últimos oitenta anos, o que a fez divergir em relação às economias da União Europeia. Portugal deu um significativo passo atrás no desígnio nacional de alcançar, duradouramente, os níveis de bem-estar económico e social dos países europeus mais desenvolvidos.(i) A taxa média potencial de crescimento da economia caiu de um valor médio anual de 3% para 1% ainda antes da actual crise;(ii) o défice externo (corrente + capital) situou-se em média, desde 1999, em 8% do PIB, atingindo 10,5% em 2008;(iii) a dívida externa líquida cresceu de 14% do PIB, em 1999, para cerca de 100% em 2008;(iv) a dívida pública directa (a que há que a somar a indirecta) cresceu de 56% do PIB em 1999, para 67% em 2008;(v) a dívida pública indirecta subiu vertiginosamente, sendo já de 10% do PIB no sector público dos transportes e de outro tanto, com tendência crescente, nas parcerias público-privadas (PPP);(vi) ocorreu uma fraca eficiência do investimento e queda para menos de metade da poupança nacional bruta;(vii) verificou-se um peso desproporcionado do investimento público que favorece os sectores abrigados da concorrência internacional, embora a competitividade externa, o crescimento e o emprego se joguem no sector produtivo em concorrência nos mercados.” (in Manifesto dos 28).
Contudo, pecam por se basear quase exclusivamente em estatísticas e previsões macroeconómicas, que distorcem muitas vezes a verdadeira e real dimensão da situação económica que pretendem retratar.
Não me esqueço da figura de um dos subscritores desse manifesto, Medina Carreira, num “Prós e Contras”, onde não conseguiu relacionar dois gráficos diferentes sobre a mesma situação, cuja leitura separada ou em conjunto permitia leituras e conclusões diferentes, agarrando-se aquele teórico da macroeconomia apenas àquele que permitia manter a sua opinião.
Num desses gráficos referia-se a evolução sincrónica dos gastos com a administração pública em vários países, mostrando que Portugal era um daqueles onde esses gastos mais vinham a crescer, comparando o seu crescimento anual. Este gráfico era óptimo para a argumentação de Medina Careira contra o investimento Público.
O problema era o segundo gráfico, onde se referia os gastos estruturais com a função pública, onde Portugal surgia com a percentagem menor. Ou seja, nos países nórdicos, com uma percentagem razoável do peso da administração pública, o crescimento anual era reduzido. Em países como Portugal, onde o peso estrutural da administração pública era menor, o crescimento anual era, obviamente maior. Um piloto de formula 1 com voltas de atraso tem, logicamente, de andar mais depressa que os pilotos da frente.
Ora quando questionaram aquele “guru” da economia (que não é economistas) sobre esse segundo gráfico, ele embasbacou e desviou a conversa.
É este o problema da macroeconomia, quando não se confirmam os seus dados com outras perspectivas “macro” ou com análises mais detalhadas e mais “micro”.É assim, penso eu, que não sou economistas, que funciona a verdadeira “Ciência Económica”.
A macroeconomia tem a vantagem de facilitar a manipulação estatística e levar a água ao moinho que se quiser.
Não nos devemos ainda esquecer que quase metade dos subscritores desse manifesto tiveram funções de responsabilidade governamental, enquanto quase todos os restantes a tiveram na formação de várias gerações de gestores e economistas que alinharam alegremente para o descalabro que os próprios denunciam.
Também, fechando os olhos aos nomes que o subscrevem e às suas responsabilidades, podemos concordar com a forma como questionam algumas das opções previstas para as obras públicas.
Por mim, já chega de auto-estradas, tenho dúvidas sobre as opções em relação ao traçado do TGV, não sei se ainda se justifica um aeroporto com as dimensões previstas.
Contudo, não posso concordar que se decida parar tudo para fazer mais estudos.
Os estudos já estão mais que feitos, quanto muito talvez precisem de ser actualizados. Sabemos que esses estudos, infindáveis e geralmente inconclusivos, têm dado dinheiro a muita gente, mas os ministérios têm nos seus gabinetes técnicos suficientes, competente e pagos para os realizarem. Chega de gastos em consultadorias externas, esses sim sorvedouros de dinheiros públicos que os “28” não denunciam.
Não deixa de ser paradoxalmente contraditório que, os mesmos que baseiam toda a sua argumentação em dados macroeconómicos, apresentem como solução para a crise soluções…microeconómicas. Estas até podem ser importantes, mas nunca desligadas de medidas de maior envergadura.
Por exemplo, é fundamental melhorar o nosso tecido ferroviário tradicional, mas este deve estar ligado a uma rede Ibérica e Europeia de TGV.
Só com melhorias na gestão da nossa produtividade e desenvolvendo um mercado interno podemos ambicionar desenvolver a nossa capacidade exportadora, nunca com medidas avulsas de apoio à exportação.
Pelo menos numa coisa esse manifesto teve uma virtude, que foi lançar o debate sobre os investimentos públicos.
Em boa hora surgiram entretanto três novos manifestos, dois da área económico-social, um na área cultural.
Identifico-me com as premissas e sugestões do segundo manifesto, o chamado “Manifesto dos 51”, e do quarto manifesto.
O “Manifesto dos 51” tem desde logo, e à partida, uma vantagem sobre o primeiro, ao não se limitar à pura análise economicista.
Começa por diagnosticar, logo à partida, as principais razões da crise: “Na sua origem está uma combinação letal de desigualdades, de especulação financeira, de mercados mal regulados e de escassa capacidade política. A contracção da procura é agora geral e o que parece racional para cada agente económico privado – como seja adiar investimentos porque o futuro é incerto, ou dificultar o acesso ao crédito, porque a confiança escasseia – tende a gerar um resultado global desastroso”.
As propostas são muito concretas, visando a prioridade central, que é o de combater o desemprego e “reconstruir a economia”.
Com esse objectivo propõem que, “para além da intervenção reguladora no sistema financeiro, a estratégia pública mais eficaz assenta numa política orçamental que assuma o papel positivo da despesa e sobretudo do investimento, única forma de garantir que a procura é dinamizada e que os impactos sociais desfavoráveis da crise são minimizados. Os recursos públicos devem ser prioritariamente canalizados para projectos com impactos favoráveis no emprego, no ambiente e no reforço da coesão territorial e social: reabilitação do parque habitacional, expansão da utilização de energias renováveis, modernização da rede eléctrica, projectos de investimento em infra-estruturas de transporte úteis, com destaque para a rede ferroviária, investimentos na protecção social que combatam a pobreza e que promovam a melhoria dos serviços públicos essenciais como saúde, justiça e educação”.
No essencial, estas propostas não são muito diferentes das apresentadas pelos “28”, mas revelam uma preocupação social mais marcante e não colocam em causa intervenções mais estruturantes.
Já o terceiro manifesto, “Parar é sacrificar o futuro”, é o mais pobre dos três, cheio de frases ocas ou de senso comum, como o próprio título revela, defensor de um desenvolvimento quase exclusivamente assente em grandes obras públicas, que devem ser vistas acriticamente, só por si, como factor de “progresso”, considerando qualquer debate sobre essas obras como uma mera “discussão permanente”, “indecisão” e “parcimónia”. O resultado deste discurso desenvolvimentista está bem à vista pelo país todo, cheio de “mamarrachos do progresso”.
Ou seja, defende-se o “progresso” e o “desenvolvimento” porque sim…
Surgiu, entretanto, um quarto manifesto, que coloca a discussão numa outra dimensão, a dimensão cultural, intitulado “Uma Cultura para o século XXI”.
Começa por referir que, ao “longo dos últimos 35 anos, dificilmente se conseguirá identificar um programa de actuação planeado, coerente e capaz de dignificar a cultura portuguesa de acordo com um projecto claro e sustentado. A única tentativa de o levar a cabo de forma consequente ocorreu entre os anos de 1995 e 2000, sendo ainda hoje a solitária excepção à regra”.
Questiona “ o decréscimo de investimento na área da Cultura, não gerando qualquer poupança significativa aos cofres de um estado que se mostra pródigo e perdulário perante outros sectores económicos, como exemplos recentes demonstram, aumenta significativamente os custos da ignorância, da insociabilidade, do isolamento e do correspondente atraso estrutural. Pois a Economia da Cultura raramente é discutida, ou sequer pensada, nas suas mais óbvias e elementares consequências: quanto custa o desprezo pelo património, a indefinição de uma política museológica, a insegurança das carreiras artísticas, a indecisão de objectivos e prioridades, a errância das políticas?”
Referindo-se à actual crise, defende esse manifesto que “a Cultura pode ser uma área prioritária de investimento. Para tal, o país dispõe de excepcionais recursos humanos, acrescidos todos os anos, e que estão subaproveitados e desalentados. Dispõe também de uma rede de equipamentos recentes que devem promover a descentralização, o multiculturalismo e a internacionalização. O que falta é uma orientação sagaz, actual e determinada, que corrija os retrocessos dos últimos anos e entenda a pertinência estratégica desta área com uma visão prospectiva e capacitante. Caso contrário, todos os magros factores de riqueza se transformarão quotidianamente em desperdício”.
Elaborando um diagnóstico nos vários domínios culturais, propõe-se como “um imperativo nacional, naturalmente trans-partidário, que a Cultura tenha no seu Ministério o exemplo da sua indiscutível dignidade. É exigível que se redefina e se dê finalmente conteúdo a uma verdadeira Política Cultural, que se estabeleçam objectivos, clarifiquem funções, assumam responsabilidades e metas. E que o discurso politico, em vez de as fomentar – pela sua gaguez ou pelo seu excesso retórico – estanque o cíclico uso e abuso de “novidades” e de “anúncios” que apenas desresponsabilizam em relação à necessária maturação dos meios de produção, de criação, de circulação e de consumo culturais.
Desafiam, assim, “os partidos e as organizações políticas a que, no período eleitoral que se avizinha e nos programas que venham a apresentar a sufrágio, avancem propostas claras sobre estes temas, que necessitam de ser pensados, não sob a pressão de circunstâncias efémeras, mas com uma autêntica visão de futuro”.
Menos comentado, este manifesto coloca a noção de desenvolvimento económico numa dimensão verdadeiramente inovadora, num país que pode ter nas opções culturais, na defesa da sua criatividade e do seu património e na sua internacionalização, uma das saídas para a crise.
(os manifestos são reproduzidos em baixo)
1 comentário:
Gostei do seu blogue . Agradeço o destaque dado ao Clube dos Pensadores.
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