AS DITADURAS IBÉRICAS E AS RELAÇÕES PENÍNSULARES(1926-1930)
A 28 de Maio de 1926 um golpe de estado instala em Portugal uma ditadura militar que estaria na origem, poucos anos depois, do "Estado Novo" salazarista.
Refere Torres Gómez que a "mudança de regime seria recebida pela ditadura espanhola com uma natural e indisfarçada satisfação. Havia nisso elementares razões políticas e também a compreensível esperança de que o parentesco de regimes contribuiria para favorecer os desígnios de entendimento e fraternidade hispano-portuguesa" (ob. cit., p.121).
Essa situação é confirmada por Ivens Ferraz que refere nas suas memórias que, assim que se instalou a ditadura militar em Portugal, Primo de Rivera desejou desde logo avistar-se com um representante do novo governo português para "trocar impressões sobre alguns problemas de ordem económica que interessam os dois países", interesse que não seria satisfeito de imediato "por não poderem os governos de então desviar as suas atenções de questões de ordem interna"(FERRAZ, Ivens, ob. cit., p.73).
Em contrapartida, sinal da crescente aproximação estre os dois vizinhos, logo a 15 de Junho desse ano a legação espanhola em Lisboa seria elevada à categoria de embaixada e a 22 de Julho seria a vez da representação portuguesa em Madrid ser elevada à mesma categoria.
É de referir, porém, que o projecto de promover embaixadas nas duas capitais era anterior, já se tendo sondado nesse sentido os governos dos dois países em 1921, isto é, mesmo antes do estabelecimento da ditadura de Primo de Rivera.
O incremento das relações penínsulares a nível oficial desenvolver-se-ia de modo eficaz a nível económico com a assinatura do "Acordo Luso-Espanhol sobre o Douro Internacional", uma velha questão por resolver entre os dois estados.
A 6 de Setembro de 1913, representantes dos dois governos de então já haviam estabelecido os princípios gerais para o aproveitamento hidraulico das quedas do Douro.
Em 1919 foi nomeada uma comissão composta por um engenheiro português e outro espanhol com o objectivo de fixar as regras para execução daquele acordo.
Contudo as condições impostas pela parte espanhola não agradavam a Portugal, tendo as negociações sido interrompidas, só se voltando a reatar em 1924, em Madrid.
"Mas ainda d'esta vez foi impossivel chegarem a um acôrdo as duas delegações, (...)" entendendo a parte espanhola " que, na partilha das águas, a Portugal só pertenceria metade do caudal normal, avaliado, em média, n'uns trinta metros cúbicos por segundo"(RODRIGUES, Bettencourt, ob.cit., p.53).
Foi necessário esperar por 25 de Agosto de 1926, data em que se publicou em Espanha o Real Decreto que previa o reatar das negociações com Portugal para fixar as regras complementares do acordo sobre aproveitamento hidro-electrico das quedas do Douro.
Assim, finalmente a 18 de Julho de 1927, dava-se início, em Lisboa, à "Conferência luso-espanhola para a solução do problema relativo ao aproveitamento hidro-electrico do troço internacional do Douro".
Os trabalhos dessa conferência duraram até 11 de Agosto, data em que foi assinado o convénio entre Portugal e Espanha e que consistiu no seguinte:
"A Portugal fica pertencendo a utilização de todo o troço superior, desde a sua origem até ao ponto de confluencia dos rios Tornes e Douro; e à Espanha cabe o troço inferior, desde essa confluencia até ao limite inferior do mesmo troço internacional".
Quanto ao aproveitamento hidro-electrico das quedas do rio Douro "a parte que compete a Portugal (..) representa um mínimo previsto de 285.000 cavalos, o que corresponde, como energia, a uns dois milhões de toneladas de carvão (...) por ano.E a que compete à Espanha (...) anda por cerca de uns 339.000 cavalos".
Esta diferença a favor da Espanha representava uma compensação pelo facto da as "obras de regularisação das aguas do Douro feita pela Espanha, em territorio espanhol, (obras dispendiosíssimas, avaliadas n'uns 400 milhões de pesetas) resultará para o Douro fronteiriço um enorme augmento de caudal (...) de que nós, Portugal sem mais ameaça de devastadoras cheias, grandemente beneficiaremos, e para cujas despezas e custeio em nada contribuiremos e nada nos foi exigido" (RODRIGUES, ob.cit., pp. 63 e 64).
O êxito nas negociações para o aproveitamento hidro-electrico do Douro motivou as duas partes a voltar a reunir-se para tratarem de outros asssuntos de ordem económica de interesse mútuo.
Foi assim aprazado nova reunião em Lisboa para Novembro de 1927, para debater a "cortiça, pesca, fabrico de conserva de peixe, resinas, produtos similares das duas nações, produtos coloniais, comunicação por estrada de rodagem, ferroviária, marítimas, fluviais, aereas,telefones e rádio-telegrafia" (citado em nota do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal de 15 de Agosto de 1927, in RODRIGUES, ob. cit., p.68).
A importancia das questões a abordar e a necessidade de as preparar convenientemente levou ao adiamento da "Conferência económica luso-espanhola", que se iniciou finalmente a 12 de Abril de 1928, tendo-se os trabalhos prolongado até Maio, sendo aprovadas várias recomendações aos respectivos governos àcerca da resolução dos temas acima referidos, não se tendo, contudo, chegado a acordo no respeitante à navegação aérea, às pescas e às conservas.
Por sua vez, logo no início desse ano, em Janeiro de 1928, tinha sido assinado um "tratado de conciliação e arbitragem", delimitando uma zona fronteiriça entre os dois Estados, aprovando a "linha divisoria que vai desde a confluencia do rio Cuncas com o Guadiana até à foz d'este rio" (RODRIGUES, ob. cit., p.86).
Em termos políticos, outro sinal de aproximação entre os dois regimes seria dado em 1927 quando o representante espanhol em Lisboa se avista com o Ministro dos Negócios Estrangeiros para propôr a colaboração policial entre as duas nações para "se preservarem mutuamente perante a subversão social, comunista"(GÓMEZ, Torre, ob.cit., p.122).
Afonso XIII, em entrevista concedida em Fevereiro de 1928 a António Ferro, afirmava que "Portugal e a Espanha, com as suas fronteiras bem marcadas, só teriam a lucrar com uma política de aproximação, de entendimento.." e apelava à aproximação entre os dois povos: "Aproximemo-nos sem nos confundirmos.Deve ser êste o nosso caminho, o verdadeiro caminho...". À pergunta de António Ferro sobre o que era necessário para intensificar as boas relações entre os dois países respondeu o monarca: "Simplificar antes de mais nada as comunicações entre Espanha e Portugal. Torná-las rápidas, seguras e confortáveis" ("Afonso XIII - Rei de Espanha e de Madrid...", in FERRO, António, Homens ..., ob. cit.,pp 31 a 55).
Um ano depois, em 14 de Abril de 1929, António Ferro entrevistava Primo de Rivera, que, aproveitando a ocasião, fazia o balanço das relações entre as duas ditaduras: "(...) vive-se uma hora clara, límpida, uma hora de compreensão e entendimento. Os dois países, através dos seus govêrnos, deixaram de medir-se com desconfiança, com reserva. São duas potências que se olham com amizade, mas com a inteira confiança da sua fôrça e do seu perfil. E é essa a única base de uma amizade séria, definitiva, entre as duas nações : a aliança espiritual de duas fôrças que serão sempre, eternamente, duas fôrças..." ("Primo de Rivera, o ditador alegre e confiado", in FERRO, António, Homens..., ob. cit.,pp. 85 a 101).
Em coerência com essas palavras, e na sequência dos êxitos negociais já alcançados, a 15 de junho de 1929 Primo de Rivera toma a iniciativa de convidar o Presidente Carmona para se encontrarem nas termas galegas de Mondariz, onde o ditador espanhol pretendia passar três semanas, entre 20 de Julho e 15 de Agosto, com o objectivo de prosseguir "um período de maior aproximação entre os dois países (...) uma vez que, afortunadamente, desapareceu todo o receio, que sempre foi injustificado e era apenas acolhido por pessoas incultas, de que a Espanha pretenderia exercer sobre Portugal" a sua supremacia, reafirmando o ditador "uma leal e recíproca amizade que, respondendo aos sentimentos de ambos os países, também fortalece a posição política e económica dos dois".
Propunha mesmo alguns temas a debater: no plano económico o contrôle dos mercados das industrias corticeiras e das conservas; no plano cultural o incremento das viagens recíprocas entre as duas nações, "formando expedições culturais, artísticas, económicas e técnicas"; a nível político uma melhor coordenação entre as polícias de ambos os países para enfrentar "as tentativas de perturbação política que nunca hão- de faltar por parte do comunismo".
Por último proclamava que Portugal era para a Espanha "Nação preferida com a qual deseja manter relações íntimas" (carta citada por Torre Gómez, ob. cit., pp.251-252).
Tal encontro acabaria por se realizar mas apenas entre os chefes dos respectivos governos,o general Ivens Ferraz por Portugal e Primo de Rivera por Espanha, tendo decorrido a primeira entrevista entre ambos a 9 de Agosto em Viana do Castelo, e proseguindo em Mondariz.
Ivens Ferraz descreve esse encontro nas suas memórias: "trocaram-se impressões sobre um mútuo entendimento para a repressão do comunismo na Península, desenvolvendo aquele general" P.Rivera "com profundo conhecimento, tão intrincado tema social, fazendo uma nítida exposição das suas ideis acerca da marcha do comunismo através da Europa. Entendia que, para evitar a propaganda e dessiminação das novas ideias na Península Ibérica, se tornava necessário um entendimento constante entre as polícias internacionais de Portugal e Espanha" (FERRAZ, Ivens, ob.cit., pp.75 e 76).
Em termos económicos foram debatidas as questões das pescas e das cortiças.
Em relação ao tema das pescas foi considerada a necessidade de um mútuo acordo, tendo-se proposto que esse assunto voltasse a ser estudado por delegados de ambas as nações.
Quanto à cortiça, Primo de Rivera colocou a questão de, sendo a Península Ibérica a sua maior produtora , essa produção "estava sendo açambarcada por dois trusts, um belga e outro americano, que a transformava em produtos derivados, com os quais inundavam os mercados estrangeiros", não compreendendo a razão pela qual "Portugal e Espanha se não juntavam para constituir um "cartel" que se encarregasse da industrialização da cortiça peninsular".
Ivens Ferraz, embora considerando a importância da questão alertava para o facto desta , "e muitas outras", apresentarem "aspectos técnicos e financeiros muito delicados e que demandavam um cuidadoso estudo do qual só os técnicos se poderiam ocupar", propondo que, "como seguimento da conferência luso-espanhola, poderiam enviar a Madrid delegados dos nossos, os quais estudariam com os delegados espanhois para esse fim designado, essas e outras questões económicas já abordadas em Lisboa". (FERRAZ, Ivens, ob. cit., p.77).
Primo de Rivera aceitou a proposta, dando-se assim por encerrada a entrevista entre ambos os chefes de estado em Viana do Castelo.
Ivens Ferraz voltou a encontrar-se com o governante espanhol em Mondariz e nesta ocasião Primo de Rivera comunicou o interesse espanhol em receber a visita do Presidente da República, Óscar Carmona, por ocasião da "Semana de Portugal" que iria decorrer durante a Exposição Internacional de Sevilha, inaugurada em Maio e cujas actividades se desdobravam por Sevilha e Barcelona, devendo deslocar-se posteriormente a Madrid, como convidado oficial do rei Afonso XIII, que retribuiria a visita, deslocando-se dois meses depois a Lisboa.
Este último objectivo nunca se concretizou.
Já quanto à viagem de Carmona a Espanha , ela teve início em 17 de Outubro, decorrendo até 25 desse mês, acompanhado por Ivens Ferraz, embora o programa fosse alterado em relação à previsão inicial, dirigindo-se o Presidente português directamente a Madrid, "onde foi recebido com honras que não é vulgar conceder aos chefes de Estado Estrangeiros" (descrição feita por Ivens Ferraz, ob. cit., p.120).
Em entrevista concedida ao "Diário de Notícias", durante a viagem para Madrid, o Ministro dos Negócios Estrangeiros, coronel Jaime Monteiro, à pergunta que lhe foi dirigida sobre o objectivo da visita, respondeu:
"Não há um objectivo político, mas sim um ensejo que se proporciona de Portugal e Espanha, por intermédio dos seus mais altos magistrados, estreitarem mais as suas relações. É um entendimento de ordem espiritual, de povos da mesma Raça com interesses comuns e aos quais, neste momento, mais do que em nenhum outro, cabe conhecerem-se melhor,mais profundamente. Depois (...) Portugal tem actualmente uma representação em Espanha - nas exposições de Barcelona e Sevilha, onde Portugal está vivendo a sua vida de Trabalho, agrícola, industrial e artistica" ("Diário de Notícias", 17 de Outubro de 1929).
Mais pragmático, em entrevista a um jornal madrileno, Carmona referia que a "visita não é puramente protocolar (...) Muito breve tecnicos dos dois países vão começar a trabalhar para a solução de importantes problemas num ambiente de magnífica tranquilidade" (trancrição no "Diário de Notícias" de 19 de Outubro de 1929).Tal objectivo confirmava-se do lado espanhol, como anunciava o "El Debate", referindo que "das visitas do general Carmona a Madrid e de Afonso XIII a Lisboa, resultará, antes mesmo de findo o ano corrente, o início de importantes conferências de técnicos sobre assuntos comerciais e industriais de maior interesse para os dois países" (citado no "Diário de Notícias" de 17 de Outubro de 1929).
A visita prosseguiu a Toledo, Barcelona e, finalmente, Sevilha.Nesta cidade Ivens Ferraz declarou aos jornalistas que acompanhavam a comitiva: "com a República dum lado e com a monarquia de outro, Portugal e Espanha podem caminhar livremente, seguindo vidas paralelas, sem jamais se fundirem ou sequer confundirem marchando unidos para o mesmo fim, que consiste em tornar os dois povos ibéricos cada vez mais prósperos, mais respeitados e mais cheios de prestígio".
"Portugal e Espanha não necessitam de nenhuma união política para serem bons e leais amigos, do que precisam é de melhor solidariedade mútua, para irem, fortalecidos, à conquista dos seus destinos".
E, em forma de aviso, rematava :"os sentimentos de altivez do povo lusitano são tradicionais.Tentar feri-los, seria, pelo menos, loucura.Os seus sentimentos de independência só têm que ser cada vez mais fortalecidos, com exemplos de dignidade e honradez. O que se está passando entre os dois Governos Ibéricos não se parece nada com a diplomacia à antiga, gerada no escuro das chancelarias" (transcrito pelo próprio Ivens Ferraz, ob.cit., p.122).
Durante essa visita teve lugar em Portugal um episódio, preconizado pela direita católica, que mantinha no interior da ditadura uma luta pelo poder , e que constituiu mais um degrau na ascensão de Salazar, aproveitando a ausência de Ivens Ferraz, com a cumplicidade do primeiro ministro em exercício, Lopes da Fonseca.
De facto, a 21 de Outubro, realizou-se em Lisboa "uma ruidosa manifestação de apreço promovida pelas câmaras municipais ao sr. Ministro das Finanças Salazar pelo sucesso da sua obra financeira" e para a qual o próprio Ivens Ferraz nunca tinha sido consultado : "Em certo dia reuniram-se os promotores na sala do conselho de estado onde se lhe juntaram númerosos amigos e admiradores do ministro das Finanças. Compareceram, igualmente, quase todos os membros do Governo.Presidiu à cerimónia o ministro da Justiça primeiro ministro em exercício, que lamentou a minha ausência e depois das saudações do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, o Ministro das Finanças leu uma extensa oração à qual, dificilmente, se poderá negar carácter político"(FERRAZ, Ivens, ob. cit., pp.122 e 123).
Um facto curioso, revelador dos fortes apoios de Salazar, regista-se no facto de alguma imprensa, nomeadamente o "Diário de Notícias" e o "Século", que até essa manifestação davam ampla cobertura de primeira página à visita de Carmona a Espanha, terem relegado este acontecimento para segundo plano e páginas interiores, quando da realização daquela manifestação, que passou para assunto de primeira página nas edições de 22 de Outubro.
A manifestação dos Municípios constituiu uma "rampa de lançamento de Salazar como substituto de Ivens Ferraz, e marcou um dos pontos altos na luta entre a corrente política representada por Salazar, apoiado pela Igreja, pela extrema-direita e direita do regime, contra a facção republicana representada por Ivens Ferraz ". (OLIVEIRA, César, Portugal e a IIª República..., ob.cit., pp. 71 a 74).
Poucos meses após ter realizado a visita triunfal a Espanha, da qual foi um dos principais obreiros, Ivens Ferraz, agastado com as constantes manobras da direita pró-salazarista e cada vez mais isolado no regime, pede a sua demissão, a 10 de Janeiro de 1930.
Primo de Rivera, o outro parceiro de Ivens Ferraz da aproximação entre as nações ibéricas, não lhe sucederia no poder do país vizinho muitos mais dias:
"Poucos dias após a constitução de um governo onde Salazar criou condições para começar a lançar os alicerces do novo regime" governo de Domingos de Oliveira, constituido a 21 de Janeiro ", Primo de Rivera, com a cumplicidade de Afonso XIII e a conveniência dos militares e da direita que o haviam apoiado, era obrigado a demitir-se, a 28 de Janeiro de 1930" (OLIVEIRA, César, Portugal e a IIª República..., ob. cit., p.74).
Enquanto em Portugal se iniciava a rápida ascensão de Salazar , em Espanha iniciava-se um período políticamente confuso que culminaria na proclamação da IIª República, a 14 de Abril de 1931.
As relações entre as duas nações voltariam a passar por um período difícil que só voltou a registar uma nova aproximação com a vitória do generalíssimo Franco na guerra civil de 1936-1939.
Mas isto já é outra história.
CONCLUSÃO
Apesar de ser notoria uma maior aproximação entre as duas nações,no pós 28 de Maio, pela quantidade e qualidade de iniciativas diplomaticas realizadas, não se pode falar própriamente em ruptura entre os períodos antes e depois daquela data, mas antes em continuidade, pois muitas das iniciativas tomadas a partir de 1926 tinham sido alicerçadas anos antes.
Por esclarecer está o saber-se até que ponto a experiência diplomática do Presidente Teixeira Gomes contribuiu para, a partir da chegada de Primo de Rivera ao poder, se ter iniciado um sério desanuviamento entre as duas nações.
Por outro lado, mais do que a vontade espanhola, que parece ter sido idêntica nos dois períodos analisados, terá pesado a vontade portuguesa, muito marcada durante a Républica pelo "perigo espanhol", que condicionou muitas iniciativas de aproximação ensaiadas pelo vizinho ibérico, a partir de 1919.
Por sua vez, há que considerar que "a partir do momento em que Carmona toma o Poder, há uma certa e matizada viragem da política externa portuguesa que, sem abandonar o seu secular enfeudamento britânico, insinua uma pouca convincente projecção para horizontes americanistas e peninsularistas, simultaneamente". (GÓMEZ, Torre, ob. cit., p.128).
Também a aparente maior disponibilidade, por parte do governo de Primo de Rivera, para negociar com Portugal, após o 28 de Maio, não pode ser explicada apenas à luz das afinidades políticas que desde então existiam entre os dois regimes peninsulares, mas também pelo facto de, até àquela data, a política externa espanhola ter como principal preocupação a situação Marroquina, cuja resolução coincide quase com o dia da instauração da ditadura militar em Portugal.
Procurou-se com este trabalho elaborar uma breve síntese sobre o que foi o relacionamento entre Portugal e Espanha ao longo dos sete anos em que, no nosso vizinho país ibérico, governou Primo de Rivera.
Esperamos ter conseguido sintetizar o conhecimento actual em Portugal sobre esse período de relacionamento ibérico, e, ao mesmo tempo, alertar para alguns pontos ainda por esclarecer sobre o tema.
BIBLIOGRAFIA
- BRANDÃO, Fernando de Castro, A Iª República Portuguesa - uma cronologia, Livros Horizonte, 1991.
- DIÁRIO DE NOTÍCIAS - Outubro de 1929.
- FERRAZ, Ivens, A Ascensão de Salazar-Memórias (prefácio e notas de César de Oliveira), ed. "O Jornal", 1988.
- FERREIRA, David, "Gomes, Manuel Teixeira (1860-1941)", in Dicionário de História de Portugal, (direcção de Joel Serrão), Vol.3, 2ª ed., Livraria Figueirinhas, Porto, 1985.
- FERREIRA, José Medeiros, Um Século de Problemas-as relações luso-espanholas da União Ibérica à Comunidade Europeia, ed. Livros Horizonte, 1989.
- FERRO, António, Homens e Multidões, ed.Bertrand, s/d (1941?).
- FERRO, António, Viagem à Volta das Ditaduras, ed. Empresa "Diário de Notícias", 1927.
- "Festas de Camões em Madrid (As)", in ABC, nº 232, 25 de Dezembro de 1924.
- GÓMEZ, Hipolito de la Torre, Do "Perigo Espanhol" à Amizade Peninsular- Portugal-Espanha- 1919-1930, ed.Estampa, 1985.
- OLIVEIRA, César, Cem Anos Nas Relações Luso-Espanholas- Política e Economia, ed.Cosmos, 1995.
- OLIVEIRA, César, Portugal e a IIª República de Espanha (1931-1936), Perpectivas & Realidades, s/d.
- PANIAGUA, Javier, España:Siglo XX - 1898-1931, Anaya, 1987.
- RODRIGUES, Bettencourt, Vinte e oito mezes no ministério dos Negócios Estrangeiros (de 12 de Julho de 1926 a 9 de Novembro de 1928), Livraria Clássica Editora, 1929.
- WHEELER, Douglas L., História Política de Portugal - 1910-1926, Publicações Europa-América, s/d (1978).
- QUEIPO DE LLANO, Genoveva Garcia, "La dictadura de Primo de Rivera", nº temático de Cuadernos Historia 16, nº269, s/d (1985?).
A 28 de Maio de 1926 um golpe de estado instala em Portugal uma ditadura militar que estaria na origem, poucos anos depois, do "Estado Novo" salazarista.
Refere Torres Gómez que a "mudança de regime seria recebida pela ditadura espanhola com uma natural e indisfarçada satisfação. Havia nisso elementares razões políticas e também a compreensível esperança de que o parentesco de regimes contribuiria para favorecer os desígnios de entendimento e fraternidade hispano-portuguesa" (ob. cit., p.121).
Essa situação é confirmada por Ivens Ferraz que refere nas suas memórias que, assim que se instalou a ditadura militar em Portugal, Primo de Rivera desejou desde logo avistar-se com um representante do novo governo português para "trocar impressões sobre alguns problemas de ordem económica que interessam os dois países", interesse que não seria satisfeito de imediato "por não poderem os governos de então desviar as suas atenções de questões de ordem interna"(FERRAZ, Ivens, ob. cit., p.73).
Em contrapartida, sinal da crescente aproximação estre os dois vizinhos, logo a 15 de Junho desse ano a legação espanhola em Lisboa seria elevada à categoria de embaixada e a 22 de Julho seria a vez da representação portuguesa em Madrid ser elevada à mesma categoria.
É de referir, porém, que o projecto de promover embaixadas nas duas capitais era anterior, já se tendo sondado nesse sentido os governos dos dois países em 1921, isto é, mesmo antes do estabelecimento da ditadura de Primo de Rivera.
O incremento das relações penínsulares a nível oficial desenvolver-se-ia de modo eficaz a nível económico com a assinatura do "Acordo Luso-Espanhol sobre o Douro Internacional", uma velha questão por resolver entre os dois estados.
A 6 de Setembro de 1913, representantes dos dois governos de então já haviam estabelecido os princípios gerais para o aproveitamento hidraulico das quedas do Douro.
Em 1919 foi nomeada uma comissão composta por um engenheiro português e outro espanhol com o objectivo de fixar as regras para execução daquele acordo.
Contudo as condições impostas pela parte espanhola não agradavam a Portugal, tendo as negociações sido interrompidas, só se voltando a reatar em 1924, em Madrid.
"Mas ainda d'esta vez foi impossivel chegarem a um acôrdo as duas delegações, (...)" entendendo a parte espanhola " que, na partilha das águas, a Portugal só pertenceria metade do caudal normal, avaliado, em média, n'uns trinta metros cúbicos por segundo"(RODRIGUES, Bettencourt, ob.cit., p.53).
Foi necessário esperar por 25 de Agosto de 1926, data em que se publicou em Espanha o Real Decreto que previa o reatar das negociações com Portugal para fixar as regras complementares do acordo sobre aproveitamento hidro-electrico das quedas do Douro.
Assim, finalmente a 18 de Julho de 1927, dava-se início, em Lisboa, à "Conferência luso-espanhola para a solução do problema relativo ao aproveitamento hidro-electrico do troço internacional do Douro".
Os trabalhos dessa conferência duraram até 11 de Agosto, data em que foi assinado o convénio entre Portugal e Espanha e que consistiu no seguinte:
"A Portugal fica pertencendo a utilização de todo o troço superior, desde a sua origem até ao ponto de confluencia dos rios Tornes e Douro; e à Espanha cabe o troço inferior, desde essa confluencia até ao limite inferior do mesmo troço internacional".
Quanto ao aproveitamento hidro-electrico das quedas do rio Douro "a parte que compete a Portugal (..) representa um mínimo previsto de 285.000 cavalos, o que corresponde, como energia, a uns dois milhões de toneladas de carvão (...) por ano.E a que compete à Espanha (...) anda por cerca de uns 339.000 cavalos".
Esta diferença a favor da Espanha representava uma compensação pelo facto da as "obras de regularisação das aguas do Douro feita pela Espanha, em territorio espanhol, (obras dispendiosíssimas, avaliadas n'uns 400 milhões de pesetas) resultará para o Douro fronteiriço um enorme augmento de caudal (...) de que nós, Portugal sem mais ameaça de devastadoras cheias, grandemente beneficiaremos, e para cujas despezas e custeio em nada contribuiremos e nada nos foi exigido" (RODRIGUES, ob.cit., pp. 63 e 64).
O êxito nas negociações para o aproveitamento hidro-electrico do Douro motivou as duas partes a voltar a reunir-se para tratarem de outros asssuntos de ordem económica de interesse mútuo.
Foi assim aprazado nova reunião em Lisboa para Novembro de 1927, para debater a "cortiça, pesca, fabrico de conserva de peixe, resinas, produtos similares das duas nações, produtos coloniais, comunicação por estrada de rodagem, ferroviária, marítimas, fluviais, aereas,telefones e rádio-telegrafia" (citado em nota do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal de 15 de Agosto de 1927, in RODRIGUES, ob. cit., p.68).
A importancia das questões a abordar e a necessidade de as preparar convenientemente levou ao adiamento da "Conferência económica luso-espanhola", que se iniciou finalmente a 12 de Abril de 1928, tendo-se os trabalhos prolongado até Maio, sendo aprovadas várias recomendações aos respectivos governos àcerca da resolução dos temas acima referidos, não se tendo, contudo, chegado a acordo no respeitante à navegação aérea, às pescas e às conservas.
Por sua vez, logo no início desse ano, em Janeiro de 1928, tinha sido assinado um "tratado de conciliação e arbitragem", delimitando uma zona fronteiriça entre os dois Estados, aprovando a "linha divisoria que vai desde a confluencia do rio Cuncas com o Guadiana até à foz d'este rio" (RODRIGUES, ob. cit., p.86).
Em termos políticos, outro sinal de aproximação entre os dois regimes seria dado em 1927 quando o representante espanhol em Lisboa se avista com o Ministro dos Negócios Estrangeiros para propôr a colaboração policial entre as duas nações para "se preservarem mutuamente perante a subversão social, comunista"(GÓMEZ, Torre, ob.cit., p.122).
Afonso XIII, em entrevista concedida em Fevereiro de 1928 a António Ferro, afirmava que "Portugal e a Espanha, com as suas fronteiras bem marcadas, só teriam a lucrar com uma política de aproximação, de entendimento.." e apelava à aproximação entre os dois povos: "Aproximemo-nos sem nos confundirmos.Deve ser êste o nosso caminho, o verdadeiro caminho...". À pergunta de António Ferro sobre o que era necessário para intensificar as boas relações entre os dois países respondeu o monarca: "Simplificar antes de mais nada as comunicações entre Espanha e Portugal. Torná-las rápidas, seguras e confortáveis" ("Afonso XIII - Rei de Espanha e de Madrid...", in FERRO, António, Homens ..., ob. cit.,pp 31 a 55).
Um ano depois, em 14 de Abril de 1929, António Ferro entrevistava Primo de Rivera, que, aproveitando a ocasião, fazia o balanço das relações entre as duas ditaduras: "(...) vive-se uma hora clara, límpida, uma hora de compreensão e entendimento. Os dois países, através dos seus govêrnos, deixaram de medir-se com desconfiança, com reserva. São duas potências que se olham com amizade, mas com a inteira confiança da sua fôrça e do seu perfil. E é essa a única base de uma amizade séria, definitiva, entre as duas nações : a aliança espiritual de duas fôrças que serão sempre, eternamente, duas fôrças..." ("Primo de Rivera, o ditador alegre e confiado", in FERRO, António, Homens..., ob. cit.,pp. 85 a 101).
Em coerência com essas palavras, e na sequência dos êxitos negociais já alcançados, a 15 de junho de 1929 Primo de Rivera toma a iniciativa de convidar o Presidente Carmona para se encontrarem nas termas galegas de Mondariz, onde o ditador espanhol pretendia passar três semanas, entre 20 de Julho e 15 de Agosto, com o objectivo de prosseguir "um período de maior aproximação entre os dois países (...) uma vez que, afortunadamente, desapareceu todo o receio, que sempre foi injustificado e era apenas acolhido por pessoas incultas, de que a Espanha pretenderia exercer sobre Portugal" a sua supremacia, reafirmando o ditador "uma leal e recíproca amizade que, respondendo aos sentimentos de ambos os países, também fortalece a posição política e económica dos dois".
Propunha mesmo alguns temas a debater: no plano económico o contrôle dos mercados das industrias corticeiras e das conservas; no plano cultural o incremento das viagens recíprocas entre as duas nações, "formando expedições culturais, artísticas, económicas e técnicas"; a nível político uma melhor coordenação entre as polícias de ambos os países para enfrentar "as tentativas de perturbação política que nunca hão- de faltar por parte do comunismo".
Por último proclamava que Portugal era para a Espanha "Nação preferida com a qual deseja manter relações íntimas" (carta citada por Torre Gómez, ob. cit., pp.251-252).
Tal encontro acabaria por se realizar mas apenas entre os chefes dos respectivos governos,o general Ivens Ferraz por Portugal e Primo de Rivera por Espanha, tendo decorrido a primeira entrevista entre ambos a 9 de Agosto em Viana do Castelo, e proseguindo em Mondariz.
Ivens Ferraz descreve esse encontro nas suas memórias: "trocaram-se impressões sobre um mútuo entendimento para a repressão do comunismo na Península, desenvolvendo aquele general" P.Rivera "com profundo conhecimento, tão intrincado tema social, fazendo uma nítida exposição das suas ideis acerca da marcha do comunismo através da Europa. Entendia que, para evitar a propaganda e dessiminação das novas ideias na Península Ibérica, se tornava necessário um entendimento constante entre as polícias internacionais de Portugal e Espanha" (FERRAZ, Ivens, ob.cit., pp.75 e 76).
Em termos económicos foram debatidas as questões das pescas e das cortiças.
Em relação ao tema das pescas foi considerada a necessidade de um mútuo acordo, tendo-se proposto que esse assunto voltasse a ser estudado por delegados de ambas as nações.
Quanto à cortiça, Primo de Rivera colocou a questão de, sendo a Península Ibérica a sua maior produtora , essa produção "estava sendo açambarcada por dois trusts, um belga e outro americano, que a transformava em produtos derivados, com os quais inundavam os mercados estrangeiros", não compreendendo a razão pela qual "Portugal e Espanha se não juntavam para constituir um "cartel" que se encarregasse da industrialização da cortiça peninsular".
Ivens Ferraz, embora considerando a importância da questão alertava para o facto desta , "e muitas outras", apresentarem "aspectos técnicos e financeiros muito delicados e que demandavam um cuidadoso estudo do qual só os técnicos se poderiam ocupar", propondo que, "como seguimento da conferência luso-espanhola, poderiam enviar a Madrid delegados dos nossos, os quais estudariam com os delegados espanhois para esse fim designado, essas e outras questões económicas já abordadas em Lisboa". (FERRAZ, Ivens, ob. cit., p.77).
Primo de Rivera aceitou a proposta, dando-se assim por encerrada a entrevista entre ambos os chefes de estado em Viana do Castelo.
Ivens Ferraz voltou a encontrar-se com o governante espanhol em Mondariz e nesta ocasião Primo de Rivera comunicou o interesse espanhol em receber a visita do Presidente da República, Óscar Carmona, por ocasião da "Semana de Portugal" que iria decorrer durante a Exposição Internacional de Sevilha, inaugurada em Maio e cujas actividades se desdobravam por Sevilha e Barcelona, devendo deslocar-se posteriormente a Madrid, como convidado oficial do rei Afonso XIII, que retribuiria a visita, deslocando-se dois meses depois a Lisboa.
Este último objectivo nunca se concretizou.
Já quanto à viagem de Carmona a Espanha , ela teve início em 17 de Outubro, decorrendo até 25 desse mês, acompanhado por Ivens Ferraz, embora o programa fosse alterado em relação à previsão inicial, dirigindo-se o Presidente português directamente a Madrid, "onde foi recebido com honras que não é vulgar conceder aos chefes de Estado Estrangeiros" (descrição feita por Ivens Ferraz, ob. cit., p.120).
Em entrevista concedida ao "Diário de Notícias", durante a viagem para Madrid, o Ministro dos Negócios Estrangeiros, coronel Jaime Monteiro, à pergunta que lhe foi dirigida sobre o objectivo da visita, respondeu:
"Não há um objectivo político, mas sim um ensejo que se proporciona de Portugal e Espanha, por intermédio dos seus mais altos magistrados, estreitarem mais as suas relações. É um entendimento de ordem espiritual, de povos da mesma Raça com interesses comuns e aos quais, neste momento, mais do que em nenhum outro, cabe conhecerem-se melhor,mais profundamente. Depois (...) Portugal tem actualmente uma representação em Espanha - nas exposições de Barcelona e Sevilha, onde Portugal está vivendo a sua vida de Trabalho, agrícola, industrial e artistica" ("Diário de Notícias", 17 de Outubro de 1929).
Mais pragmático, em entrevista a um jornal madrileno, Carmona referia que a "visita não é puramente protocolar (...) Muito breve tecnicos dos dois países vão começar a trabalhar para a solução de importantes problemas num ambiente de magnífica tranquilidade" (trancrição no "Diário de Notícias" de 19 de Outubro de 1929).Tal objectivo confirmava-se do lado espanhol, como anunciava o "El Debate", referindo que "das visitas do general Carmona a Madrid e de Afonso XIII a Lisboa, resultará, antes mesmo de findo o ano corrente, o início de importantes conferências de técnicos sobre assuntos comerciais e industriais de maior interesse para os dois países" (citado no "Diário de Notícias" de 17 de Outubro de 1929).
A visita prosseguiu a Toledo, Barcelona e, finalmente, Sevilha.Nesta cidade Ivens Ferraz declarou aos jornalistas que acompanhavam a comitiva: "com a República dum lado e com a monarquia de outro, Portugal e Espanha podem caminhar livremente, seguindo vidas paralelas, sem jamais se fundirem ou sequer confundirem marchando unidos para o mesmo fim, que consiste em tornar os dois povos ibéricos cada vez mais prósperos, mais respeitados e mais cheios de prestígio".
"Portugal e Espanha não necessitam de nenhuma união política para serem bons e leais amigos, do que precisam é de melhor solidariedade mútua, para irem, fortalecidos, à conquista dos seus destinos".
E, em forma de aviso, rematava :"os sentimentos de altivez do povo lusitano são tradicionais.Tentar feri-los, seria, pelo menos, loucura.Os seus sentimentos de independência só têm que ser cada vez mais fortalecidos, com exemplos de dignidade e honradez. O que se está passando entre os dois Governos Ibéricos não se parece nada com a diplomacia à antiga, gerada no escuro das chancelarias" (transcrito pelo próprio Ivens Ferraz, ob.cit., p.122).
Durante essa visita teve lugar em Portugal um episódio, preconizado pela direita católica, que mantinha no interior da ditadura uma luta pelo poder , e que constituiu mais um degrau na ascensão de Salazar, aproveitando a ausência de Ivens Ferraz, com a cumplicidade do primeiro ministro em exercício, Lopes da Fonseca.
De facto, a 21 de Outubro, realizou-se em Lisboa "uma ruidosa manifestação de apreço promovida pelas câmaras municipais ao sr. Ministro das Finanças Salazar pelo sucesso da sua obra financeira" e para a qual o próprio Ivens Ferraz nunca tinha sido consultado : "Em certo dia reuniram-se os promotores na sala do conselho de estado onde se lhe juntaram númerosos amigos e admiradores do ministro das Finanças. Compareceram, igualmente, quase todos os membros do Governo.Presidiu à cerimónia o ministro da Justiça primeiro ministro em exercício, que lamentou a minha ausência e depois das saudações do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, o Ministro das Finanças leu uma extensa oração à qual, dificilmente, se poderá negar carácter político"(FERRAZ, Ivens, ob. cit., pp.122 e 123).
Um facto curioso, revelador dos fortes apoios de Salazar, regista-se no facto de alguma imprensa, nomeadamente o "Diário de Notícias" e o "Século", que até essa manifestação davam ampla cobertura de primeira página à visita de Carmona a Espanha, terem relegado este acontecimento para segundo plano e páginas interiores, quando da realização daquela manifestação, que passou para assunto de primeira página nas edições de 22 de Outubro.
A manifestação dos Municípios constituiu uma "rampa de lançamento de Salazar como substituto de Ivens Ferraz, e marcou um dos pontos altos na luta entre a corrente política representada por Salazar, apoiado pela Igreja, pela extrema-direita e direita do regime, contra a facção republicana representada por Ivens Ferraz ". (OLIVEIRA, César, Portugal e a IIª República..., ob.cit., pp. 71 a 74).
Poucos meses após ter realizado a visita triunfal a Espanha, da qual foi um dos principais obreiros, Ivens Ferraz, agastado com as constantes manobras da direita pró-salazarista e cada vez mais isolado no regime, pede a sua demissão, a 10 de Janeiro de 1930.
Primo de Rivera, o outro parceiro de Ivens Ferraz da aproximação entre as nações ibéricas, não lhe sucederia no poder do país vizinho muitos mais dias:
"Poucos dias após a constitução de um governo onde Salazar criou condições para começar a lançar os alicerces do novo regime" governo de Domingos de Oliveira, constituido a 21 de Janeiro ", Primo de Rivera, com a cumplicidade de Afonso XIII e a conveniência dos militares e da direita que o haviam apoiado, era obrigado a demitir-se, a 28 de Janeiro de 1930" (OLIVEIRA, César, Portugal e a IIª República..., ob. cit., p.74).
Enquanto em Portugal se iniciava a rápida ascensão de Salazar , em Espanha iniciava-se um período políticamente confuso que culminaria na proclamação da IIª República, a 14 de Abril de 1931.
As relações entre as duas nações voltariam a passar por um período difícil que só voltou a registar uma nova aproximação com a vitória do generalíssimo Franco na guerra civil de 1936-1939.
Mas isto já é outra história.
CONCLUSÃO
Apesar de ser notoria uma maior aproximação entre as duas nações,no pós 28 de Maio, pela quantidade e qualidade de iniciativas diplomaticas realizadas, não se pode falar própriamente em ruptura entre os períodos antes e depois daquela data, mas antes em continuidade, pois muitas das iniciativas tomadas a partir de 1926 tinham sido alicerçadas anos antes.
Por esclarecer está o saber-se até que ponto a experiência diplomática do Presidente Teixeira Gomes contribuiu para, a partir da chegada de Primo de Rivera ao poder, se ter iniciado um sério desanuviamento entre as duas nações.
Por outro lado, mais do que a vontade espanhola, que parece ter sido idêntica nos dois períodos analisados, terá pesado a vontade portuguesa, muito marcada durante a Républica pelo "perigo espanhol", que condicionou muitas iniciativas de aproximação ensaiadas pelo vizinho ibérico, a partir de 1919.
Por sua vez, há que considerar que "a partir do momento em que Carmona toma o Poder, há uma certa e matizada viragem da política externa portuguesa que, sem abandonar o seu secular enfeudamento britânico, insinua uma pouca convincente projecção para horizontes americanistas e peninsularistas, simultaneamente". (GÓMEZ, Torre, ob. cit., p.128).
Também a aparente maior disponibilidade, por parte do governo de Primo de Rivera, para negociar com Portugal, após o 28 de Maio, não pode ser explicada apenas à luz das afinidades políticas que desde então existiam entre os dois regimes peninsulares, mas também pelo facto de, até àquela data, a política externa espanhola ter como principal preocupação a situação Marroquina, cuja resolução coincide quase com o dia da instauração da ditadura militar em Portugal.
Procurou-se com este trabalho elaborar uma breve síntese sobre o que foi o relacionamento entre Portugal e Espanha ao longo dos sete anos em que, no nosso vizinho país ibérico, governou Primo de Rivera.
Esperamos ter conseguido sintetizar o conhecimento actual em Portugal sobre esse período de relacionamento ibérico, e, ao mesmo tempo, alertar para alguns pontos ainda por esclarecer sobre o tema.
BIBLIOGRAFIA
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- RODRIGUES, Bettencourt, Vinte e oito mezes no ministério dos Negócios Estrangeiros (de 12 de Julho de 1926 a 9 de Novembro de 1928), Livraria Clássica Editora, 1929.
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- QUEIPO DE LLANO, Genoveva Garcia, "La dictadura de Primo de Rivera", nº temático de Cuadernos Historia 16, nº269, s/d (1985?).
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