Muita vezes só tomamos consciência dos dias históricos e decisivos muito
tempo depois deles terem passado.
Mas há outros dias históricos e decisivos que são perceptíveis e previsíveis
e hoje é um deles.
Aquilo que se vai passar ao longo do dia de hoje em Bruxelas vai condicionar
o futuro do euro e da Europa e, no imediato, o futuro da Grécia.
Por aquilo que se sabe o governo grego recuou até onde lhe foi possível
e, continuar a ceder já vai raiar a humilhação e a punição pura e simples.
Correm por aí muitos “mitos urbanos” sobre a situação grega, mas o que
é um facto é que cinco anos de crise e resgate, de austeridade e submissão aos
ditames da troika, conduziram o país a um nível de desemprego acima dos 25%,
atingindo quase 60% entre os jovens, levaram quase 50% dos seus pensionistas a
entrar na pobreza, levaram à falência de milhares de empresas, provocaram um
recuo no PIB de quase 30%, aumentaram a dívida para quase 200%.
Continuar com as “reformas estruturais” (outro mito urbano) conduziria
o país a agravar todos aqueles índices e roçaria a pura humilhação social de um
povo que, democraticamente e em liberdade, já disse que quer mudar de rumo.
Por tudo isso não podem ser instituições que nunca se submeteram ao
voto dos cidadãos europeus e criadas e reguladas no segredo dos gabinetes que
se podem impor à vontade democrática.
Não deixa de ser curioso que o argumento que hoje muitos usam para
justificar a acção de punição contra os gregos, como a corrupção generalizada ou injustiça do
sistema de impostos, raramente tenha sido usado nos anos anteriores,
nomeadamente por ocasião da integração da Grécia na moeda única e,
posteriormente, nos anos de aplicação de medidas de austeridade impostas pela
troika e executadas pelos partidos que sempre estiveram no poder ao longo das
últimas décadas e que foram os responsáveis pela corrupção generalizada.
Há quem diga que se as actuais propostas fossem apresentadas por um
governo desses partidos que estiveram no “arco do poder” da corrupção, muito provavelmente
já tinham sido aceites pelas instituições anti-democráticas que lideram a União
Europeia.
Se a as últimas propostas do governo Grego não forem hoje aceites por
essas instituições anti-democráticas (BCE, Eurogrupo, FMI e Comissão Europeia)
, então o que está em causa é a pura intolerância ideológica dessas
instituições anti-democráticas, e concluir-se-á que o seu único objectivo é punir
os gregos como vacina contra a veleidade de qualquer desvio político às medidas
de austeridade por parte de outros países da União Europeia e para continuarem a negar a sua responsabilidade na tragédia social a que conduziram os países sob resgate e a negarem o erro que cometeram.
Se se optar pela ruptura ou por um acordo de pura humilhação social do gregos, estamos próximos do fim da democracia na Europa tal como a conhecemos desde o pós
guerra e do fim do direito dos cidadãos europeus decidirem o seu destino em
liberdade.
Ir por esse caminho, a insistência nas medidas de austeridade, será entregar todas as decisões que contam para a vida dos
europeus à pura lógica especulativa e mafiosa do sistema financeiro.
Por isso hoje é um dia histórico, é o dia da viragem e da clarificação:
ou as instituições anti-democráticas europeias cedem à vontade democrática dos
cidadãos ou se entregam de vez à voracidade do corrupto poder financeiro europeu
e internacional, com as graves consequências que todos iremos sentir nos
próximos anos, isto é, a desintegração do projecto europeu, o fim do Estado
Social que garantiu a paz europeia nas últimas décadas, o empobrecimento rápido
e continuado de todos aqueles que trabalham e o crescimento do populismo de direita.
Por tudo isso, hoje é um dia histórico.
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