Jean Claude Juncker declarou ontem que "no que diz respeito à
Grécia, eu não quero saber do governo grego. Preocupo-me, isso sim, com o povo
grego, e em particular a parte mais pobre da população grega, que está a sofrer
mais do que outros na UE, devido ao ajustamento que teve que ser posto em prática".
Essa declaração é de um cinismo atroz, vinda do mesmo homem que
liderava o Eurogrupo à época em que foi imposto à Grécia um pesado programa de
austeridade que agravou as condições de vida e atingiu principalmente a parte
da população grega mais vulnerável, exactamente os mais pobres, e que lançou na
pobreza quase 50% dos pensionistas e elevou o desemprego para mais de 25%.
Essa declaração envergonha todos os europeus que sustentam com os seus
impostos a Comissão Europeia e devia envergonhar o presidente dessa comissão, o
mesmo homem que, participando no governo luxemburguês durante 20 anos, ora como
primeiro-ministro, ora como ministro das finanças, permitiu que 300 grandes
multinacionais fugissem ao pagamento de impostos noutros países europeus, entre
os quais a própria Grécia, agravando a situação financeira desses países, que
tiveram depois, por essa e outras situações de fraude generalizado no sector financeiro
da zona euro, de recorrer ao “resgate” que conduziu as suas populações para o
empobrecimento . (a propósito, parece que esse “Luxemburgo Leaks”, que envolvia
Junckers, foi convenientemente abafado…).
É ainda de uma enorme falta de respeito para com o povo grego que
escolheu exactamente o seu governo, em eleições livres e democráticas, para
inverter as danosas condições socias para onde foram conduzidos por cinco anos
de aplicação das mesmas “reformas” que a troika (isto é, Comissão Europeia, FMI
e BCE) pretende continuara a aplicar
nesse país, e não só.
De pouco serve Juncker tentar fazer de polícia bom, declarando na mesma
ocasião que não é a favor de um aumento do IVA nos medicamentos e na
eletricidade, "e o primeiro-ministro (Alexis Tsipras) sabe-o", tendo
mesmo sugerido alternativas , como por exemplo "um corte modesto no
orçamento de Defesa, e isso poderia ser facilmente feito", pois, insistiu,
considera que obrigar a Grécia a aumentar os preços dos medicamentos e da
eletricidade "seria um grande erro".
Ao rematar com a afirmação "Acho que o debate na Grécia e fora da
Grécia seria mais fácil se o governo grego dissesse exatamente o que a
Comissão, sendo uma das três instituições envolvidas, está realmente a
propor", acabou por confessar nas entrelinhas que as outras duas
instituições (BCE e FMI) da troika pensam de modo diferente, isto é, querem
mesmo o tal aumento no IVA, como pretendem também continuar a penalizar as pensões mais
baixas e continuar o mesmo programa desumano de austeridade .
Então, se é assim tão bem intencionado, era contra o BCE e o FMI que a sua voz se
devia erguer. Mas a coragem de enfrentar os poderosos interesse financeiros
instalados na União Europeia não é propriamente o seu modo de actuar. Ninguém chega onde ele chegou mordendo na mão do "dono".
É mais fácil continuara a culpar o governo grego pelo falhanço das
negociações.
E, sendo Juncker, apesar de tudo, uma das poucas figuras com alguma decência que
ainda restam na liderança das instituições europeias, dá para perceber o que não será o tipo de gente que
enxameia a burocracia europeia e o tipo
de gente que os cidadãos europeus têm pela frente, ou, citando um ditado português, "se é assim na montra, imagine o que vai dentro da loja!".
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