A guerra aberta entre os “credores” da troika e o governo Grego
democraticamente eleito está a atingir o seu auge.
Antes demais talvez seja bom esclarecer a que “credores” nos estamos a
referir.
Não estamos a falar de agiotas
anónimos, de um sector financeiro
obscuro e que actua na sombra de um mercado globalizado, nem de grandes
empresas produtoras de riqueza que emprestam o seu dinheiro.
Quando falamos dos “credores” estamos a falar de instituições bem
conhecidas (BCE, FMI, Comissão Europeia e Eurogrupo), lideradas por rostos
conhecidos do grande público, que alimentam uma imensa máquina burocrática e
que vive do saque generalizado dos impostos pagos pelos cidadãos e pelas
empresas produtivas europeias, ou, no
caso de uma delas (o FMI) de quase todo o mundo.
Os lideres dessas instituições ocupam os seus cargos, principescamente
pagos, e com garantia de ajudas de custo e pensões que fogem ao controle dos
cidadãos europeus, tudo pago pelo saque referido acima, sem que nenhum cidadão
europeu os tenha eleito para esses cargos, sendo escolhidos pelos seus pares e
em benefício do corrupto e obscuro poder financeiro europeu e mundial, que tão diligentemente servem.
Ganham também dos juros cobrados aos países que eles endividaram e
empobreceram com as medidas de austeridade que impuseram aos cidadãos dos
países em “resgate”, emprestam para que os países cumpram com o pagamento
desses juros, num círculo vicioso que aumenta cada vez mais a divida desses
países, ao mesmo tempo que impõem “reformas” que retirem direitos sociais e desrespeitem
compromissos assumidos pelos Estados para com os seus cidadãos, enfraquecendo a
própria cidadania e, a prazo, ameaçando a própria democracia.
Num artigo hoje publicado no jornal Público ficamos a saber o que
divide o Governo Grego dos seu fanáticos “credores”:
“Bruxelas quer que Atenas dê novos passos para que o seu sistema de
pensões se torne mais sustentável, e que o faça de forma rápida, garantindo
também poupanças orçamentais significativas no curto prazo. A Comissão diz que
não têm de ser necessariamente de cortes nas pensões, mas quer ver poupanças
equivalentes a 0,05% do PIB este ano e a 1% do PIB no próximo. Qualquer coisa
como 1775 milhões de euros.
“O Governo grego recusa qualquer tipo de novo corte de pensões e
contrapõe com uma poupança planeada com pensões de 71 milhões de euros em 2016
(equivalente a 0,04% do PIB), sendo que para 2015 o valor pensado é zero. A
medida que aceita implementar é uma limitação progressiva, a partir do próximo
ano, das reformas antecipadas.
“O desentendimento entre as duas partes é o resultado de visões muito
diferentes sobre o mesmo problema. Do lado da troika, o que preocupa são os
números que mostram que a sustentabilidade do sistema de pensões grego está em
risco. A Grécia é o país da União Europeia que mais gasta em pensões em
percentagem do PIB (17,5% em 2015, contra um pouco menos de 15% em Portugal e
pouco mais de 13% na média europeia).
Num ranking recentemente elaborado pela Allianz, a Grécia era o oitavo
´país com um sistema de pensões menos sustentável entre 45 países (Portugal era
o 17º). Para além disso, num cenário em que se continua a exigir que a Grécia
realize poupanças imediatas para reduzir os défices e travar a dívida, os
gastos com pensões são vistos pela troika como incontornáveis em qualquer
estratégia orçamental que venha a ser seguida.
“Do lado grego, a resposta é que os pensionistas já foram alvo de
demasiadas medidas nos últimos anos e que pedir mais seria altamente negativo
do ponto de vista social e económico. E contrapõem com outros números. Olhando
para a despesa em pensões por beneficiário (com paridade do poder de compra), a
Grécia já deixa de estar nos primeiros lugares do ranking, descendo para baixo
da média europeia. E 45% dos pensionistas recebem um valor mensal que os coloca
abaixo do limiar de pobreza.
“O problema da insustentabilidade, defende o Governo Syriza, tem a ver
principalmente com a redução drástica registada no PIB e com a escalada do
desemprego para valores acima dos 25%, que não só fizeram cair as contribuições
como ajudaram a manter elevados os benefícios sociais que têm de ser pagos”.
Ou seja, enquanto Bruxelas e os “credores” se preocupam com diferenças
de centésimas ou milésimas percentuais, sem se preocupar com o agravamento da
situação social e com o empobrecimento dos pensionistas, graças a cinco anos de
austeridade impostas pela troika e cumpridas pelos anteriores governos “amigos
da troika”, o governo Grego preocupa-se com o efeito humano da aplicação das
medidas de austeridade.
Não deixa de ser curioso que os “credores”, nos anos anteriores, quer os da adesão ao euro, quer os da aplicação das medidas de austeridade, nunca se
tenham preocupado com a corrupção e os problemas da segurança social na Grécia
e até tenham agravado essa situação naquele país (e não só) durante os anos de
aplicação de tais “reformas estruturais”…
Ainda segundo aquela reportagem, o “valor das pensões de que o Governo fala são
também o resultado das alterações realizadas ao sistema grego durante os
últimos anos, todas elas parte das medidas exigidas pela troika desde 2010,
quando o país deixou de se conseguir financiar nos mercados internacionais.
"Logo no primeiro programa, a Grécia cortou na totalidade os 13º e 14º
meses das pensões superiores a 2500 euros. Para as pensões mais baixas, o corte
foi parcial. Estes cortes, ao contrário do que aconteceu em Portugal, não foram
repostos, contribuindo decisivamente para a redução de rendimento sofrida pelos
aposentados gregos e que vai dos 20% para os pensionistas mais pobres até aos
48% para os pensionistas mais ricos, segundo os números apresentados pelo
Governo”.
“A Comissão Europeia sugere que parte da poupança possa surgir de
mudanças a operar nas regras de acesso às reformas antecipadas, que são ainda
consideravelmente mais generosas do que na generalidade dos países europeus.
"O Governo liderado por Alexis Tsipras aceita que se possam fazer
mudanças a esse nível (é daí que vêm as poupanças de 71 milhões de euros em
2016), mas a um ritmo muito mais baixo do que o pretendido por Bruxelas. A
razão, dizem, é que num cenário de desemprego recorde, as reformas antecipadas
têm sido a solução encontrada por quem, já na fase final da sua carreira
profissional caiu numa situação de desemprego. Retirar-lhes essa possibilidade,
agravaria ainda mais a situação social no país, argumentou o Governo junto das
autoridades europeias”.
As instituições da troika mostram-se assim insensíveis à grave situação
social que criaram com aplicação das
suas medidas, querem é garantir os seus lucros. Emprestaram à Grécia (e a
Portugal), não para ajudarem à melhoria da situação económica e social do país, ou para combater a corrupção e as desigualdades sociais, mas
para o tornarem refém do pagamento da dívida. E continuam a emprestar
chantageando um governo democraticamente eleito, desde que esse empréstimo seja
usado para pagar os juros da dívida, naquilo que se chama a pescadinha de rabo
na boca: “empresto-te x para pagares num prazo incomportável, com juros
agiotas, para poderes ter dinheiro para me pagares os juros e, se não pagares os
juros, recorres a mais empréstimos, cedidos nas condições de fazeres o que eu
mando, para garantires que os meus bancos (alemães e franceses) continuem a obter
grande lucros e pagarem os favores dos burocratas europeus…”.
E qual é a medida “extremista” defendida pelo governo grego, com
alternativa àquelas sugestões desumanas dos “credores”?:
“Atenas aposta antes em medidas como a criação de um imposto especial
de 12% sobre os lucros das empresas acima de um milhão de euros (com o qual
espera obter 600 milhões de euros ao ano), a subida do IRC de 26 para 29%,
combate à fraude no IVA e nos combustíveis e aplicação de taxas e licenças
sobre os canais televisivos”.
…já não temos dúvida de que lado está o bom senso, e onde estão os
fanáticos.
A propósito aqui transcrevemos uma esclarecedora crónica hoje publicada
por Ana Sá Lopes:
“Grécia. Perdemos todos (e a democracia também)
Por Ana Sá Lopes
Jornal i – 16 /6/2015
“A derrota de Alexis Tsipras, que não conseguiu convencer a Europa da
bondade de uma agenda antiausteridade, está longe de ser apenas a derrota do
Syriza e da Grécia. Tsipras, eleito com um mandato para manter a Grécia no
euro, provou que qualquer tentativa de conseguir uma alternativa de esquerda
para um país está condenada ao fracasso ou à saída da zona euro.
"A derrota de
Tsipras é a derrota de qualquer tentativa de corte com a austeridade. Dentro da
Europa não há matizes: infelizmente existe uma agenda única, a dos
“compromissos europeus”, que podem ser mais ou menos bem desenvolvidos conforme
as personagens envolvidas. Acabaram agora as ilusões: não há política sem
austeridade na zona euro. A Europa ilegalizou a social--democracia quando
aprovou o famoso “défice zero” do Tratado Orçamental, como na altura vários
economistas notaram.
“Alexis Tsipras disse ontem que não cedia mais porque estava em causa a
democracia, o programa com o qual foi eleito – e não queria deixar morrer a
democracia no lugar onde ela nasceu, a Grécia. Mas os acontecimentos na Grécia
provam que a democracia tal como a conhecemos deixou de existir na prática,
fruto da confluência de várias democracias sobrepostas. Ou seja, os eleitores
da Alemanha, da Finlândia e de muitos outros países não permitem uma agenda
contra a austeridade.
“Os países mais frágeis, como a Grécia (e o nosso), têm duas
alternativas: ou se submetem, fazendo das eleições legislativas nacionais uma
escolha entre a opção A e a opção A+, ou saem do euro. A maioria do eleitorado
grego não queria sair do euro e foi por isso que Alexis Tsipras sempre recusou
apresentar a hipótese aos eleitores – mas ficou provado que a Europa não mudou
e dificilmente irá mudar depois de tantos esgazeados de contentamento com a
derrota grega. O problema desta história é que, como dizia Draghi, navegamos
para “águas desconhecidas”. Imaginar que Portugal sai disto ileso não passa
pela cabeça de nenhum economista”.
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