por Jorge Reis Novais
Professor universitário e constitucionalista
In Público de 05/06/2014
“Este Governo, claro. Durante os primeiros cinco meses do ano, o
Governo, que é pobre, cobrou um imposto especial e extraordinário incidindo
exclusivamente sobre as grandes fortunas, portanto, sobre os trabalhadores da
função pública que recebem mais de 675 euros por mês. Como se esperava, e
seguindo jurisprudência firmada, o Tribunal Constitucional (TC) declarou este
imposto inconstitucional e determinou a cessação da sua cobrança.
Lamentavelmente, permitiu que o Governo retivesse os montantes entretanto
ilegitimamente cobrados.
“Acabou por ser um benefício ao infractor, tão mais perigoso quanto
estimula o Governo, sabendo que conta com a prestimosa cooperação institucional
do Presidente da República, a repetir a habilidade no próximo ano. As razões
para tal benesse são difíceis de explicar em texto curto, mas têm a ver com
protecção da confiança (neste caso do Governo) na cobrança do imposto
extraordinário que o TC admitiu que pudesse vigorar durante o chamado programa
de ajustamento e também com a dificuldade técnica em definir o limite preciso a
partir do qual um acréscimo àquele imposto é considerado inconstitucional.
“Porém, este Governo, que é pobre, é também mal agradecido e, por isso,
não lhe ocorreu melhor que pretender suscitar um inadmissível incidente de
aclaração exactamente sobre o benefício que o TC lhe concedera. Não percebem
com exactidão, dizem, as consequências jurídicas da decisão do TC. Mas o que o
TC disse, de forma clara e inequívoca, foi: a partir de 30 de Maio o Governo
deixa de poder cobrar este imposto. Ora, recorrendo à linguagem tão cara aos
fanáticos de mais e mais impostos (mas só sobre alguns): qual é a parte do a
partir de 30 de Maio que não percebem? Não sabem qual é o exacto montante
cobrado ilegitimamente que podem reter? Bom, mas aí, se não sabem, estudassem.
O que é que o TC tem a ver com isso?
“Na realidade, o pedido de aclaração não faz qualquer sentido nem
teria, mesmo se fosse bem sucedido, a mínima consequência prática. Da parte do
Governo, no fim de contas, é business as usual. Tudo isto acontece apenas
porque está a celebrar-se a já ritual semana de luta que se segue a qualquer
decisão de inconstitucionalidade, desta vez apenas amplificada pelo facto de,
no calendário deste ano, esta semana coincidir com a campanha, também já
inaugurada, de pressão sobre a próxima decisão do Tribunal Constitucional.
“Este Governo não respeita o TC. Cumpre as suas decisões, pudera,
porque é obrigado. Mas ignora e atropela, sistematicamente, todas as indicações
do TC. Em 2011, o TC disse que só excepcionalmente admitia o referido imposto
especial e extraordinário sobre funcionários e pensionistas, mas, logo em 2012,
o Governo tentou fazer acrescer-lhe outro imposto equivalente a dois salários
(conseguiu-o, na prática, mas o TC reafirmou a inconstitucionalidade,
advertindo que não havia lugar para mais impostos só sobre alguns). Porém,
chega o Orçamento de 2013 e, com ele, outra tentativa de novo imposto, desta
vez equivalente a um salário, e mais uma esperada decisão de
inconstitucionalidade. Será que o Governo se conformou finalmente à legalidade?
Qual quê! Logo em 2014, novo e ainda mais grave imposto, precisamente este que
foi agora considerado inconstitucional. E é, então, este mesmo Governo que
agora quer conhecer exactamente o montante que pode reter para, diz, não
incorrer em eventual ilegalidade. Digam-nos, por favor, o que a lei impõe.
Correr o risco de cometer uma ilegalidade, credo… É bonito, é mesmo comovente,
há que reconhecer.
“Pode ser pobre e mal-agradecido, mas, o seu a seu dono, tem uma lata
incomensurável".
Sem comentários:
Enviar um comentário