Muita gente aceitou com a maior das naturalidades, quer a afirmação de Passos Coelho, apresentando o empobrecimento como solução para a crise, quer as afirmações do “incrível Relvas defendendo o fim permanente dos subsídios de férias e de Natal, justificando-se com a situação dos países europeus onde só se pagam 12 meses de ordenado (mas “esquecendo-se”que 12 meses de salário nesses países é o dobro ou o triplo do que se paga por cá em 14 meses de salário…), quer as estapafúrdias afirmações de um seu subordinado secretário de estado da juventude, convidando os jovens desempregados a emigrarem, para escaparem à "zona de conforto" em que vivem(!!!).
Pelos vistos a propaganda dos aparelhos ideológicos deste estado de coisas, composto por comentadores televisivos, politólogos e economistas, repetindo até à exaustão a inexistência de alternativas à destruição de um sonho de vida decente para as pessoas, está a surtir o seu efeito de anestesiar os portugueses.
À custa de se repetirem até à exaustão que “todos” somos culpados e “todos” vivemos “acima das nossas possibilidades”, as pessoas aceitam como inevitável o acentuar da pobreza e a perda de condições de vida dignas.
Pergunto se é viver acima das suas possibilidades alguém que tenha um ordenado mínimo de cerca de 500 euros, isto quando se recebe ordenado, ou não se vive há anos desempregado?
Quase 50% dos salários em Portugal não ultrapassam os 600 euros e 70% estão abaixo dos 1000 euros quando, por exemplo, o salário mínimo em Espanha e na Itália ronda os 750 euros, na Grécia os 870 euros, na França os 1400, na Irlanda os 1500…ou seja, a relação entre o ordenado mínimo em Portugal e o desses países da Europa repercute-se em todos os escalões salariais. Cada português, comparando cada profissão, chega a receber menos de metade, ou ainda menos, do que um europeu do sul , do norte ou do ocidente.
Piores que nós estão os europeus do leste, que fazem parte do chamado “espaço vital” da Alemanha e, talvez por isso, a Alemanha aposte no empobrecimento generalizado dos trabalhadores europeus para poderem concorrer com o estado de miséria em que algumas dessas populações vivem, beneficiando, e muito, o desenvolvimento económico alemão (os nazis também puseram os prisioneiros políticos e os judeus a trabalhar para o desenvolvimento da economia alemã...).
Muitos dos que por cá defendem o nosso empobrecimento, com o argumento de estarmos a “viver acima das nossas possibilidades” são os mesmos que recebem do Estado, que tanto criticam, chorudas reformas, do Banco de Portugal, das subvenções de cargos políticos muitas vezes mal desempenhados, e, se for preciso, ainda “administram”(???) várias empresas estatais, fundações, institutos ou empresas privadas, dessas que receberam várias benesses do Estado por terem na administração os mesmos políticos que lhes facilitaram a vida quando estavam no poder…
Também pergunto se todos os que sempre pagaram os seus impostos, pagaram as suas dívidas atempadamente, cumpriram todos os compromisso com o seu trabalho ou com a sociedade, serão tão “culpados” como aqueles que usaram e abusaram do seu poder para ascenderem socialmente, colocaram as suas poupanças em paraísos fiscais, enriqueceram escandalosamente depois de passarem pela política, fugiram, por todos os modos possíveis, ao pagamento dos seus impostos e, durante anos, andaram a vender as ilusões do consumo barato e fácil ao “povinho”?
A defesa da pobreza e a da caridade como programa social, e da emigração para fugir ao desemprego ou à miséria salarial não é nova em Portugal.
Salazar defendia e praticava os mesmos princípios, com os custos que ainda hoje todos estamos a pagar.
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