Quando observo o Oceano das falésias de Santa Cruz, dou por mim a tentar imaginar os olhares que, do mesmo sítio onde me encontro, viram o mesmo mar ao longo dos séculos. As falésias e a força das ondas não eram muito diferentes e todas vão sobreviver à nossa passagem por este mundo.
Talvez, daqui a centenas ou milhares de anos, ou mesmo hoje, alguém, do mesmo sítio onde me encontro, se interrogue do mesmo modo.
Procuro imaginar o mesmo mar e as mesmas arribas a observarem a passagem dos barcos cartagineses ou os romanos de César, a caminho de Lisboa, os vikings que saquearam essa cidade, ou os cruzados, com D. Afonso Henriques no meio, a caminho da conquista da bela cidade, futura capital do reino.
Talvez se avistassem daqui as caravelas que partiram à descoberta dos novos mundos, e, certo, certo, sir Francis Drake andou por aqui em apoio a D. António.
Daqui avisto os frades de Penafirme defendendo os camponeses e pescadores da região dos ataques de piratas mouros, ou a gente assustada com o maremoto que avançou pela costa dentro cerca de dois quilómetros, naquele terrível 1º de Novembro e, quem sabe os mesmos, mais velhos, quase mortos, ainda observando os navios de Wellesley a desembarcar para as bandas de Porto Novo, em dia de mar revolto, que afogou tantos jovens marinheiros ingleses .
Muitas histórias de naufrágios teriam estas pedras para nos contar, como o do célebre “navio” que deu nome a uma das praias que se espraiam lá para frente.
Daqui houve quem avistasse batalhas aéreas e navais no Atlântico em frente, observando os clarões das bombas e dos canhões, durante a segunda guerra, ou visse avançar sobre a costa, vindas do mar, esquadrilhas de aviões aliados a caminho da Normandia, muitos dos quais terão feito escala no pequeno aeródromo local, segundo reza a tradição oral dos velhos tisnados banheiros e pescadores de polvos nas marés vazias que dão vida a este sítio no inverno.
As histórias a que assisti foram as de trágicos afogamentos de veraneantes incautos, doces namoros inocentes, casas assombradas e vidas desfeitas arribas abaixo.
Imagino um dia este mar novamente povoado de golfinhos e baleias, arribas ocupadas por negros corvos do mar, polvos e caranguejos em abundância nas covas dos seus rochedos e gente ainda não nascida colhendo poemas na vastidão do oceano à nossa frente.
É esta a vista que eu daqui avisto…
Sem comentários:
Enviar um comentário