Tenho assistido a muitas campanhas presidenciais e, em comum, há o facto de todos os candidatos prometerem, para além de cumprirem e fazerem cumprir a Constituição, serem “o presidente de todos os portugueses”.
Este ano, para além da “novidade” de uma campanha em epidemia, temos um
candidato que, caso seja eleito (…Lagarto!, Lagarto, Lagarto!!!!), para além
de negar cumprir a Constituição, promete ser o presidente de apenas alguns
portugueses.
E quais são esses portugueses?...os “portugueses de bem”!!!!.
O candidato introduz assim um “novo conceito” de ciência política, o “português bem”.
Esse “conceito” traz-me à memória outros conceitos de “superioridade
pela bondade”, como o de “civilização de bem”, tão útil para justificar o
colonialismo e as suas atrocidades, o de “nação de bem”, tão útil para justificar as carnificinas nas
frentes de batalha da primeira guerra
mundial, o de “classe social de bem”, aplicado por Stalin para justificar os crimes do Gulag, ou
de “raça de bem” aplicado pelos nazis para justificar o pior crime da história, o holocausto.
Em Portugal também já tivemos, no passado recente, a aplicação de algo
parecido com a ideia de “português de bem”, no celebre “estatuto do indígena”, aplicado
nas colónias entre 1926 e 1961, com várias alterações legais, onde se definiam
os direitos, e principalmente os deveres, dos habitantes originais dessas
colónias, e onde se justificava o facto de tais “indígenas” não terem direitos civis, jurídicos ou de
cidadania, estabelecendo-se, aliás, um mecanismo de transição entre o “não
cidadão” e o “português de bem” no
decreto de 20 de Maio de 1954, classificando três grupos de habitantes das
colónias: os “indígenas”, os “assimilados” e os “brancos”. Para a condição “superior”
de “assimilado”, os” indígenas” tinham de saber ler e escrever português, deviam
vestir como os brancos, professar a religião católica e os hábitos e costumes
ocidentais. Mesmo assim nunca passariam de “assimilados”. Tão aberrante
situação acabou em 1961 por iniciativa de Adriano Moreira, o que lhe terá
custado a antipatia de muitos colonialistas e salazaristas.
Aliás, a primeira coisa que me veio à memória ao ler tal slogan
eleitoral, foi a ideia de superioridade da raça ariana, numa versão soft
adaptada ao século XXI.
Um ariano também era um “alemão de bem”, em contraste com um judeu, um cigano ou
um eslavo (ou mesmo um latino), um comunista ou um social-democrata, ou mesmo um
“simples” democrata.
A ideia de raça ariana tinha, pelo menos, o “mérito” de ser fácil de
identificar, ao contrário da Ideia de “português de bem”.
Um “ariano” era um louro, de olhos azuis, de porte atlético,” tudo”,
aliás, que “saltava à vista” olhando para a imagem dos mais altos dignatários
do regime nazi, como um Goering, um Gobbel, um Himmler, ou um Hitler… todos “autênticos
arianos”….
Não sendo claro o que é o tal “português de bem”, podemos tentar definir
o conceito pelo seu contrário, a partir de afirmações do candidato ou do programa
do seu partido.
Não é “português de bem” quem estiver a cumprir pena de prisão, seja
qual for o motivo da mesma, incluindo presumíveis “criminosos” ainda não
julgados, a não ser pelas redes socias e pelas fake news.
Não é “português de bem” um homossexual, uma mulher que abortou, um
casal em união de facto.
Não é “português de bem” um cigano, um africano, um emigrante, um
muçulmano, um habitante de bairro social.
Não é “português de bem” um “subsídio-dependente”, ou seja, um cidadão
pobre, um desempregado, um doente crónico, um deficiente ou um pensionista.
Não é “português de bem” um funcionário público ou um sindicalista.
Não é “português de bem” um “esquerdalho”, isto é, um comunista, um socialista ou mesmo um social-democrata ou um simples
defensor do Estado Social.
Não é “português de bem”, um “traidor” da direita, um democrata-cristão,
um critico do extremismo das suas propostas, que “pactue” com o regime
democrático que ele pretende substituir pela “IV República” ( talvez uma ….”República
de Mil Anos”!!??).
Pelo contrário, talvez seja “um português de bem” alguém que falsifique
assinaturas para legalizar um partido político extremista, como aconteceu com o
partido desse candidato.
Talvez seja “um português de bem” alguém que usa de todos os
estratagemas para fugir ao pagamento de impostos, recorrendo a paraísos
fiscais, com a ajuda do próprio candidato enquanto exerceu a advocacia.
Também deve ser “um português de bem” todo aquele que fez fortuna através
de negócios obscuros, como aconteceu com muitos dos apoiantes e financiadores
dessa candidatura.
Pela minha parte, porque não sou esse “ português de bem” , talvez por “ser um criminoso” ( já fui multado algumas vezes), “subsídio-dependente” (trabalhei no ensino público e sou pensionista) e um “esquerdalho” incorrigível, espero, talvez de forma egoísta, para fugir a um “campo de reeducação”, contribuir para a derrota desse candidato e do seu projecto.
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