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segunda-feira, 28 de setembro de 2020

A minha vida sem o “Expresso”.

Interrompi um jejum, de pouco mais de 12 anos sem ler o “Expresso”,  para comprar as duas últimas edições, comemorativas da edição nº 2500 desse semanário.

Dei por mim a pensar como evoluiu a minha relação com o “Expresso” ao longo dos anos.

Acompanhei o nascimento do “Expresso” em 6 de Janeiro de 1973, porque o meu pai comprava e lia avidamente esse semanário desde o primeiro número,

Penso que ainda estão, num canto do escritório do meu pai, religiosamente guardados, os primeiros números desse semanário.

Lá em casa, por essa altura, entravam diariamente o “Diário de Lisboa” e o “República”, e, semanalmente, a “Vida Mundial”, para além das revistas Vértice, Seara Nova e o “Correo” (em espanhol) da Unesco.

Habituei-me, por isso, a ler o “Expresso” ao longo dos seus primeiros tempos.

Durante os tempos do pós 25 de Abril não havia muito tempo para ler jornais e, na voragem dos tempos, o “Expresso” foi substituído lá em casa pelo “O Jornal”, fundado em 2 de Março de 1975.

Por altura do PREC entravam lá em casa, além de “O Jornal”, o “Jornal Novo”, fundado em 17 de Abril de 1975 e o “Diário de Lisboa”, para além da revista “Vida Mundial”.

Eram as escolhas do meu pai, porque eu, com o pouco dinheiro das mesadas, no meu período "esquerdista", remando contra a maré da moda maoista, comprava o “República”, então gerido pelos trabalhadores, que tinham ocupado esse jornal, e alguns jornais esquerdistas, como “A Batalha”, o “Fronteira” da LUAR ou o “Revolução” do PRP, esporadicamente “A Voz do Povo”, da UDP.

Em 1976 surgiram dois importantes títulos de esquerda, o diário “Página Um” e o semanário “Gazeta da Semana” que eu comprava regularmente.

Por vezes comprava “A Capital”, por causa do suplemento de banda desenhada, o "Diário Popular", principalmente à 5ª feira, se não estou em erro, por causa do seu magnífico suplemento literário e cultural, continuando a comprar regularmente o “Diário de Lisboa”, e o semanário “O Jornal”, aos quais juntaria, pouco tempo depois, o "Sete", o "Jornal de Letras" e, um pouco mais tarde, o "Blitz".

Em finais dos anos 1970 voltei a comprar regularmente o “Expresso” que viveu, entre o final dessa década e o final da década seguinte, os seus anos dourados, com grandes jornalistas como Augusto de Carvalho e Vicente Jorge Silva, que deram um cunho de grande qualidade a esse jornal, situação irrepetível na sua história.

Destacava-se então a “Revista” do semanário, dirigida por Vicente Jorge Silva, com grandes reportagens, as melhores até hoje publicadas nesse jornal, algumas das melhores de sempre da imprensa nacional

No ano de 1988 o “Expresso” sofreu um forte abanão na sua qualidade, coma saída de Augusto de Carvalho para fundar o “Europeu” e outros redactores importantes, como o Miguel Esteves Cardoso, para o “Independente”.

Não tendo abandonado a tradição de comprar o “Expresso”, acompanhei igualmente a leitura daqueles dois novos títulos.

Infelizmente o “Europeu”, um pronuncio do viria a ser o “Público”, durou pouco tempo.

Mas em 1990, ano marcado pelo encerramento do histórico “Diário de Lisboa”,  dá-se uma nova revolução na imprensa nacional que vai abalar em definitivo o “Expresso”.

Nesse ano alguns dos melhores jornalistas do semanário abandonam-no para fundar o diário “Público”, editado pela primeira vez em 5 de Março de 1990.

Pela minha parte, como leitor habitual de jornais, “mudei-me” de “armas e bagagens” para o novo diário, não falhando a compra de um único número até 2017, ano em que o jornal passou a ser dirigido por David Dinis, que iniciou um processo de crescente descaracterização desse jornal, em nome da defesa de uma visão economicista e de impor uma agenda ideológica neoliberal. Mas isto é outra história. Felizmente o “Público” tem vindo a recuperar desse período negro. Talvez não por acaso, David Dinis é hoje um importante quadro do “Expresso”.

Durante vários anos continuei, mais por hábito e tradição do que por gosto, a comprar semanalmente o “Expresso”.

O “Expresso” recorria cada vez mais a títulos bombásticos, muitas vezes descontextualizados, intriguistas, tendenciosos, copiando o que de pior se fazia em jornais populistas como o “Correio da Manhã”, tornando-se uma espécie de “Correio da Manhã”  para políticos e “intelectuais”.

As reportagens objectivas, fundamentadas e esclarecedoras de outros tempos foram dando lugar a textos cada vez mais opinativos, tendenciosos (a tender para uma certa direita neoliberal e economicista), apesar de continuar ter no seu seio alguns bons jornalistas e colunistas, embora minoritários.

Não por acaso, data dessa época um significativo slogan publicitário, anunciando o "Expresso" como um jornal que "fazia"(sic) opinião, como se a função de um jornal fosse "fazer" opinião. Um jornal deve sim contribuir para ajudar cada um a formar  sua opinião, o que é uma coisa bem diferente.

Para mim houve três “gotas de água” que me deram alento para tomar a definitiva decisão de “abandonar” o “Expresso”, enquanto simples leitor: o “Público” inclui diariamente informação aprofundada e de boa qualidade e tinha um leque de comentadores mais pluralista, o que tornava a leitura do “Expresso” dispensável; o “Expresso” revelava crescentemente uma agenda em defesa da receita neoliberal e seguidista em relação aos Estados Unidos na desastrosa 2ª Guerra do Golfo, iniciada em 2003; finalmente, a cereja em cima do bolo, a entrada como “cronista mor” do semanário, de Miguel Sousa Tavares, durante o governo Sócrates, porta voz e defensor das malfeitorias antissociais de Sócrates, grande defensor do ataque de Maria de Lurdes Rodrigues contra toda uma classe profissional.

Foi assim que, a partir de 2007, deixei, em definitivo, de comprar o “Expresso”, a não ser esporadicamente, como aconteceu nestas duas últimas semanas e, tal com aconteceu noutras ocasiões, continuo a não me arrepender dessa decisão.

Claro que ainda existe um pequeno leque de bons jornalistas sobreviventes da razia, como Clara Ferreira Alves, Henrique Monteiro, Luísa Schmidt ou Nicolau Santos, mas não chegam para me convencer a retomar o "vício" semanal.

Espero, uma longa vida ao “Expresso”, mas continuo fora desse “barco”.

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