“Meninos Rabinos Pintores de Paredes” era a designação irónica como eram tratados pelos
adversários políticos os militantes de um dos partidos mais extremistas do PREC, o MRPP
(“Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado”) que considerava o PCP
um partido “burguês”, “revisionista”, “traidor da classe operária” e do “marxismo-leninismo”,
numa palavra, “social-fascista”.
O MRPP fazia jus de exibir Stalin ou Mao Tsé Tung como verdadeiras
estrelas pop.
Para isso recorria à pintura de grandes murais heroicos, idealizando
uma classe operária dirigida pelos “heróis” nacionais do momento, substituindo
muitas vezes as figuras de Stalin ou Mao pelos líderes nacionais do MRPP ou
pelos políticos que esse partido apoiava em determinadas conjunturas, chegando,
no limite do absurdo, a colocar Ramalho Eanes a figurar como “líder” dessas
multidões idealizadas (fanatizadas, diríamos nós!).
A maior parte dessas pinturas inspirava-se nos grandes murais da China
maoista, parecidos com os que vemos actualmente na Coreia do Norte, chegando ao
absurdo de muitas desses murais representarem os “operários” e “camponeses”,
pretensamente portugueses, de olhos em bico.
Seja como for, alguns desses murais eram verdadeiras obras de arte, bem
pintados, símbolos de uma época convulsiva.
Infelizmente, muitos desses magníficos murais acabaram vandalizados e destruídos,
alguns substituídos por painéis publicitários de gosto duvidoso, ou destruído pela
voragem urbanística dos tempos do cavaquismo, ou simplesmente apagados e
pintados de branco, quando deviam ter sido preservados pela sua qualidade
estética e como documentos vivos de uma época.
Esta recordação vem a propósito da recente onda de vandalismo contra a
estatuária pública ou com o regresso de pichagens políticas, estas de cariz racista,
de sinal contrário do acima citado.
Apagar vestígios públicos de momentos políticos ou de figuras
controversas é uma situação frequente em momentos históricos mais agitados.
Aconteceu no pós 2ª Guerra com os vestígios do nazi-fascismo, nos anos 70 em Portugal e Espanha com os
vestígios do salazarismo e do franquismo, e nos anos 80 no leste da Europa com
os vestígios dos ícones comunistas.
Há, contudo, uma grande diferença quando esses símbolos são destruídos
na voragem do momento histórico, símbolos de uma presença incómoda, pela
tragédia que representam, como os símbolos do nazismo ou, mais tarde, do stalinismo, ou
do colonialismo nos países descolonizados, de quando a ignorância se sobrepõe à
racionalidade desses actos e varre tudo à sua passagem, como aconteceu em
Portugal com a vandalização da estátua do Padre António Vieira.
A estátua é uma alegoria infeliz, que ofende a memória do próprio
Jesuita, defensor dos índios e critico
dos excessos da escravatura, esteticamente aberrante e conservadora, mas é o
que existe e, por isso, mesmo de gosto estético duvidoso, contribui para, no
mínimo, nos lembramos de um dos homens mais importante da cultura portuguesa.
O mesmo podemos dizer de muita “arte pública” por esse país fora.
Nada justifica, muito menos em regime democrático, a vandalização dessa
arte pública só porque não gostamos dela ou discordamos do seu conteúdo.
Em democracia deve discutir-se a pertinência dessa arte pública, pode
decidir-se a sua remoção para um museu ou para outro local, mas nada justifica
a sua destruição ou vandalização.
O mesmo podemos dizer dos actos de vandalismo e de ofensa pública
representada por pichagens em monumentos ou edifícios, onde os autores se
escondem no anonimato cobarde.
É também curioso a forma ideologicamente selectiva como alguns
comentadores nas redes socias se referem a esses actos de vandalismo.
Estou curioso em conhecer a opinião dos ditos quando esses actos de
vandalismo são praticados em cemitérios judeus, um pouco por toda a Europa, nas
estátuas de pensadores de esquerda, nas sedes de partidos de esquerda, ou em
relação às recentes pichagens de repugnante cariz racista.
Haja coerência.
Vandalismo é vandalismo, seja de “esquerda” ou de “direita”!
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