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sexta-feira, 12 de junho de 2020

O Respigo da Semana : "A Destruição das Estátuas", por Jaime Ceia


(Bansksy)

“A DESTRUIÇÃO DAS ESTÁTUAS

“A chamada “psicologia das massas” não é muitas vezes mais do que a expressão descontrolada de variados instintos individuais que encontram no anonimato do grupo o campo da desresponsabilização individual e, frequentemente, um palco para a falta de coragem camuflada através do vandalismo descontrolado.

"Enroupadas em acções de protesto esses excessos parece ganharem uma legitimidade que, muitas vezes, desacredita a própria acção e acaba por desvendar mais os medos e as frustrações individuais do que a razão dos protestos. Os media e as redes sociais contribuem para enfatizar e ampliar a necessidade de agir em nome seja do que for – única e simplesmente porque surge essa pulsão de correr a integrar-se no no man‘s land em que se torna a multidão nestes casos. 

"Esta energia colectiva alimenta tanto as boas como as más intenções.

"Sim senhor, a barbaridade (mais uma) da polícia contra o negro americano precisa de ser denunciada, as manifestações de racismo e o exarcebar das diferenças sociais e económicas das populações exigem formas organizadas de reacção e de políticas públicas escrutinadas. 

"No entanto, agora a coisa virou histeria e espectáculo, no derrube e destruição de dezenas de estátuas em diversos países do mundo – maxime nos EUA. Critérios? Vagamente expressos como sendo aquelas figuras de bronze ou pedra antigos defensores da escravatura, do colonialismo, do racismo, ou de outra iniquidade qualquer, de preferência em tempos longínquos. Não é necessário fazer prova de nada, basta seja o que for para justificar a “justa indignação” e o pôr em prática as consequências da “justiça popular”. Bóra lá, malta, isto é como ir para o estádio chamar filho da puta ao árbitro: facilidade e impunidade. 

"Fora com a rainha Vitória, Cristóvão Colombo, os confederados (são 11) no Capitólio americano, etc. etc. e o mundo fica mais limpo! A merda da História ou o que com ela nos relaciona vai para o caixote do lixo ou para o fundo do mar, que o que nós precisamos hoje não é de reflexão e de crítica, mas da velocidade da acção, do imediatismo do dia a dia e da radicalidade escondida atrás da sombra das multidões (finalmente) indignadas – sem consequências que se vejam a não ser a destruição. É difícil responsabilizar justa e equitativamente cinco centenas (ou cinco milhares) de cidadãos...

"Geralmente são os infiltrados que contribuem para os desmandos mais violentos e, sendo isso verdade em quase todos os casos, a realidade dá-lhes acolhimento e as consequências caem sobre todos – os que destroem e os outros.

"Lamento, mas não, não concordo com a destruição das estátuas dos colonialistas, como forma de equacionar o problema do colonialismo. Onde isso nos pode levar! Recolher piedosamente aos armazéns da república as estátuas do Salazar, muito bem – é consequência do assumir livre de um novo status político, de forte valor simbólico e representativo e não consequência da turbamulta fanatizada que vibra ao cheiro do sangue. Eu sei que é discutível. Discuta-se.  

“AGORA FOI O PADRE ANTÓNIO VIEIRA 

“No largo Trindade Coelho apareceu vandalizada com tinta vermelha a respectiva estátua.

"Quem o fez sabe quem foi o homem? Não querem saber, sabem vagamente que andou pelo Brasil, achando por isso que andou a colonizar e escravizar (?) os índios. Dispenso-me de aqui descrever a sua acção. 

"A verdade é que este vandalismo de ontem não difere muito de outros factos similares. A estupidez contra esta estátua é a mesma, por exemplo, da pinchagem permanente e repetida sobre a escultura de Artur Rosa (uma peça lindíssima de arte contemporânea), implantada em 1999 num extremo da Avenida Conde Valbom, perto da Gulbenkian. Trata-se de uma estrutura metálica formando um arco de grandes dimensões com um conjunto de cubos em aço inox, de vermelho vivo, diríamos abstracta e de significados múltiplos. É a ignorância que move a vontade e as mãos que grafitam aquilo como se a coisa não valesse nada.

"A mesma ignorância que ataca, vezes sem conta, a peça representando Eça de Queiroz e uma senhora desnudada, perto do Chiado, ao ponto de ter sido retirada e substituída por uma réplica. 

"Não merecem nada, estes imbecis, e chamam com desprezo elitistas aos que estudam, aos que abominam a ignorância complacente e respeitam a diferença.  

"Bom, mas agora somos um povo moderno e não bacoco, já acompanhamos o que de novo se faz lá fora, porra! Estamos à la page! Estamos in! Já não somos os desvalidos macambúzios do tempo do Salazar, vamos para a rua, engrossamo-nos no Bairro Alto e vandalizamos justamente as estátuas dos esclavagistas. Só nos falta um polícia a asfixiar com o joelho no pescoço um desgraçado qualquer apanhado na rua, distraído. Lá chegaremos, portugueses, continuem que estão a ir bem”. 

(In NOVÌSSIMAS NOTÍCIAS DO BLOQUEIO de 12 /6/ 2020, por  Jaime Aurelindo Ceia)

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