Um dos desportos favoritos de todo o português que se prese, desde o início
da epidemia, é divulgar e construir gráficos estatísticos sobre a evolução do
COVID-19, com todo o tipo de comparações, das normais às mais estapafúrdias,
usando critérios, dos científicos aos mais absurdos.
As redes sociais, os programas informativos das televisões, as páginas
dos jornais e os comentadeiros de serviço enchem-nos com tais gráficos, muitas
vezes contraditórios.
Os critérios usados para comparar variam temporalmente, geograficamente
ou de logaritmo, conforme dá mais jeito
à teoria de cada um.
Ainda por cima, todos eles cheios de certezas, recomendações e recados.
Vicente Jorge Silva já os topou e, na sua crónica do Públio de hoje intitulada
“Confinados, desconfinados, exasperados", acerca da incerteza de cientistas e
hesitação de políticos, escreveu:
“Uma das maiores lições (…) que aprendemos com o Covid-19 é a
fragilidade e a incerteza dos conhecimentos científicos sobre a pandemia que
atinge hoje o mundo inteiro, às quais se junta a desorientação, as contradições
e os caos nas respostas políticas que se têm dado ao problema (…).
“Só que a questão não se limita aos cientistas e aos políticos,
envolvendo media e comentadores
encartados como verificamos em Portugal, cada qual com uma teoria mais definitiva do que outra – e até
contradizendo-se, por vezes, num curto espaço de dias, entre a condenação
peremptória do confinamento em nome do direito ao trabalho até à respectiva aceitação por
um período limitado. A prosápia leva alguns deles a ter uma espécie de receita
mágica para instrução de políticos e cientistas, com base em edificantes
lugares comuns cuja adopção permitiria a
solução de todos os problemas. Não por acaso, referem-se aos males portugueses
no campo da epidemia como se a covid-19 fosse um estrito problema nacional (…).
E conclui : “Não se trata de abdicar de uma atitude crítica e de
justificar o conformismo (…)”, mas “toda a atenção, vigilância e exigência
necessárias não dispensam humildade, bom senso e capacidade de discernimento,
evitando o recurso a bodes expiatórios para sustentar a arrogância das nossas
opiniões. Não faltam motivos para criticar cientistas e políticos – uns por não
chegarem a conclusões, outros por chegarem a conclusões erradas ou atrasadas-,
mas é preciso fundamentá-los e não cair na exasperação gratuita de atirar o
barro à parede”.
Ora, o que mais temos visto por aí, no “achismo” presumido de amadores torturadores
de dados estatísticos, é falta de “humildade,
bom senso e capacidade de discernimentos”, avidamente à procura de bodes
expiatórios, manipulando ou forçando dados estatísticos até darem “razão” à sua
presunção.
Um dos momentos mais significativos dessa manipulação estatística aconteceu
no Jornal da Noite da SIC, na passada 6ª feira.
Rodrigo Guedes de Carvalho apresentou nesse noticiário um gráfico
animado mostrando a evolução da mortalidade provocada, a nível mundial, pelo
covid-19, em comparação com outras causas de mortalidade. No fim o Covid
ultrapassa as mortes por Malária e situa-se num primeiro lugar “destacado”.
Os números estavam correctos, mas, ao eliminar desse gráfico, algumas
das mais graves causas da mortalidade a nível mundial, com a única excepção da
malária, esse gráfico animado foi a prova cabal como se podem manipular dados
estatístico verdadeiros, para realçar o espectáculo de terror gerado à volta do Covid, em
nome das audiências.
Por exemplo, a maior parte dos dados apresentados comparativamente como o Covid reportavam-se a situações
de pouca mortalidade registadas no primeiro semestre do ano de 2020.
Não estavam lá, por exemplo, o conjunto de doenças transmissíveis que,
até esse dia, a nível mundial, já tinham morto cerca de 6 milhões de pessoas,
não estavam lá os mortos por cancro, mais de 4 milhões este ano até essa data,
não estavam lá os óbitos por fumo, cerca de 2 milhões e meio, os óbitos por
alccol, pouco mais de 1 milhão, os mortos por Sida, mais de 800 mil, os mortos
em acidente automóvel, mais de 600 mil (dados retirados AQUI).
Das grandes causas de mortalidade, apenas a Malária constava nesse
gráfico, talvez porque o total de mortos registado até essa data este ano
tivesse sido ultrapassado, poucos dias antes, pelos mortos por Covid.
Foram assim eliminados desse gráfico (sem indicação das fontes) as
principais causa de morte, para não “assombrar” a ascensão do Covid.
Mas a diferença entre a Malária e o Covid também não é tão grande como
a manipulação final desse gráfico dava a entender. Até esse dia tinham-se
registado 477 952 mortos por Malária, total do ano, e 478 642 pelo
Covid.
Ceder ao espectáculo gratuito não é uma grande ajuda para combater a
epidemia.
Se não esperamos muito das redes sociais, esperávamos um pouco mais de
rigor e seriedade na comunicação social dita de referência.
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