Não se assustem com o título.
Mas essa era uma frase que ouvia muitas vezes em criança.
Nunca me cruzei com uma vaca à solta, mas quando ocorria esse rumor, a
criançada vivia dias de medo, que duravam até alguém informar que a vaca tinha
sido apanhada.
Nessas ocasiões, a travessia da escola primária (a que ficava frente ao
cemitério de S. João) até casa (na Praceta Afonso Vilela), por um caminho de
terra batida (ainda não existia a Rua Henriques Nogueira e o espaço da escola
do mesmo nome era ocupado por vinhas e baldios), era feito sempre a medo,
receando que a qualquer momento, a vaca saltasse para a nossa frente.
No último congresso Turres Veteras, numa excelente comunicação de André
Baptista sobre o Matadouro Municipal de Torres Vedras, fiquei a saber que
aquele medo de infância não era um “mito urbano”.
De facto, era frequente existir gado que fugia dos currais do
matadouro, nalguns casos solto deliberadamente pela miudagem desse bairro,
vingando-se assim das queixas que os funcionários faziam aos pais dos miúdos,
quando, jogando à bola junto do edifício, muitas vezes partiam um vido do
matadouro com uma bola mal calculada.
Algum desse gado chegava a andar dias “a monte” e algum acabava a
percorrer as ruas da vila, principalmente no centro histórico.
E eram essas histórias que chegavam à escola primária, pela voz de
colegas que viviam na zona histórica ou junto ao matadouro e que nos aterrorizavam a todos.
Como vivia numa zona mais afastada, a sul, aí nunca chegou uma dessas
célebres vacas.
Contudo, certo dia, pregámos um valente susto a um nosso companheiro de
brincadeira.
Brincávamos na Praceta Afonso Vilela, então ainda inacabada, ou nos
quintais das traseiras dos prédios e, entre os meus vizinhos, havia um miúdo que
tinha família em Salvaterra de Magos e se gabava das touradas a que assistia no Ribatejo e jurava a pé juntos que queria ser toureiro.
Certo dia, quando brincávamos no quintal, espaço fechado com cancela, e
correndo mais uma vez o rumor de que andava uma vaca à solta pela vila,
virá-mo-nos para esse colega e gritámos “olha a vaca atrás de ti!”. O “futuro toureiro”, nem olhou a confirmar, desatou numa correria
pelas escada acima, a chorar e a gritar, fechou-se em casa por umas horas.
Foi gozado o resto do tempo pela miudagem e, pelo que se sabe, não
seguiu a profissão de toureiro.
Foi a única vez que alguém do nosso bairro “viu” uma das “célebres”
vacas à solta, que, afinal, não era um mito urbano
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