Recordo-me, desde criança, de seguir, em casa dos meus pais, com
atenção e entusiasmo, as eleições norte-americanas, tomando-se partido sempre
pelos democratas, embora nem sempre pelo candidato oficial.
Era a forma permitida de viver, virtualmente, como hoje se diria, a
democracia, num país governado por um ditador, no seio de uma família da
oposição.
Recordo-me até de, no liceu, durante os intervalos, ingenuamente, nos
envolvermos em disputada gritaria pró ou contra candidatos dos longínquos e
míticos Estados Unidos, por ocasião das eleições norte-americanas.
Lembro-me, especialmente, da campanha de 1972, em que os “betinhos” do
Liceu gritavam por Nixon e nós, os “rebeldes” gritávamos, ingenuamente, pelo
candidato democrata, McGovern.
Reconheço que a cultura americana esteve sempre presente na minha
formação, através da banda desenhada (nos suplementos dominicais do Primeiro de
Janeiro, primeiro, nas revistas da Disney que o meu avó me dava, depois, e,
mais tarde, na irreverência da série Peanuts seguida nas páginas do Diário de
Lisboa), do entusiasmo como se seguia a conquista do espaço ( ver a chegada do
homem à Lua, em directo, em 1969, é uma das recordações que me acompanhará
ao longo da vida), da descoberta do mundo através do cinema de Hollywood (outra
noite sagrada era a da transmissão, em diferido, da entrega dos óscares), ou da
descoberta da rebeldia do rock and roll (com os intervenientes de Woodstock de
1969 a dominarem) .
Mas o entusiasmo por esse lado da cultura norte-americana era
contrabalançada pela crescente consciência da existência de um lado obscuro dessa grande nação, como o
assassinato dos irmão Kennedy e de
Luther King, a segregação racial, a politica internacional de apoio a ditadores
(como os ibéricos) e de intervenções militares violentas, com aconteceu no
Vietname, ou o reacionarismo de largos sectores das elites políticas norte-americanas.
Vem-me tudo isto à memória no dia em que se disputam umas das mais
decisivas eleições presidenciais da história norte-americana, em que se
confrontam dois candidatos que não oferecem grandes garantias de estabilidade
num mundo cada vez mais violento e agressivo, dominado por um poder financeiro sem
freio e por populismos antidemocráticos.
Ao contrário do que aconteceu com a eleição de Obama, o primeiro
presidente negro eleito naquele país, o que só por si já foi uma grande
vitória, que representou uma lufada de
ar fresco, uma ruptura importante na
atitude dos Estados Unidos face ao mundo, um presidente dialogante, que
procurou internamente alargar a justiça social, apesar da forte oposição da
geração mais retrógrada e reacionária que domina o partido republicano, que domina o Senado e o
Congresso, a escolha de hoje é entre o regresso ao tradicional establishement democrata, arrogante e corrupto, representado
por Hillary, ou um presidente proto-fascista, retrógado, incompetente,
internacionalmente perigoso, representado por Trump.
A escolha não é pela esperança de mudança ou melhoria, mas pelo mal menor.
O mal menor é Hillary Clinton, que, apesar de tudo, esperemos que seja
o próximo presidente dos Estados Unidos.
A sua postura arrogante, o seu militarismo, a sua cedência aos lobbies
financeiros e ao governo intolerante de Israel, representam sem dúvida o regresso a um poder
norte-americano que se pensava ultrapassado com Obama, mas, por ser o que
conhecemos, é preferível ao aventureirismo reacionário, antidemocrático e xenófobo de um ridículo, incompetente e
perigoso Trump.
Apesar de tudo,a vitória de Hillary pode trazer um aspecto novo, a eleição
de uma mulher, o que representa uma novidade, um acontecimento que, naquele
país é mais difícil do que eleger um
negro. E essa novidade pode abrir as portas, a prazo, a outra novidade, esta
sim realmente entusiasmante, que é a de vermos um dia Michelle Obama na
presidência.
Apesar de desejar, para bem da humanidade, a vitória de
Hillary, já começo a ter saudades de Obama.
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