Não me vou pronunciar, por agora, sobre o programa eleitoral do PS,
ontem apresentado, mas sobre as reacções que essa apresentação provocou,
nomeadamente entre alguns comentadores e economistas, os do costume.
Esses comentadores e economistas, geralmente defensores da austeridade
e do “equilíbrio financeiro”, dos cortes
nos salários e pensões, da redução do peso do Estado na economia, da redução
dos impostos sobre o sector financeiro , da redução dos direitos sociais e das
“reformas estruturais” que estão na base da justificação de todas essas
malfeitorias, argumentam sempre, contra qualquer proposta política que recuse
aquele caminho, com a “falta de dinheiro” e a “realidade” (a deles, é bom de
dizer!!!).
Para já, o dinheiro existe, o problema é a forma como ele está
distribuído. Como alertam vários autores e investigadores, esses sim
verdadeiros economistas e comentadores que pensam de facto com a sua cabeça e
com base em informação credível, e não com base em preconceitos ideológicos, é
que tem havido, nos últimos anos (ou décadas, já que tudo terá tido início na
década de 80 do século passado com a afirmação do neoliberalismo), uma enorme
transferência de capital dos sectores produtivos, dos sectores de apoio social
e do factor trabalho, através de cortes salariais, congelamentos nas carreiras,
aumento de impostos e de leis que visam retirar e desmantelar as funções
sociais do Estado, para o sector financeiro, nomeadamente o seu sector mais
especulativo.
Foi assim que a enorme dívida que a banca possuía, mercê de opções
erradas, foi transferida para os cidadãos e para os Estados, através do
“resgate” imposto pelas medidas de austeridade (foi o que aconteceu na Grécia,
onde a banca alemã, que detinha a maior parte da dívida do país e fechou os
olhos à corrupção política generalizada quando isso lhe convinha, conseguiu
transferir essa dívida para os Gregos, à custa da miséria generalizada imposta
pela austeridade). Por isso, haver ou não dinheiro é uma questão de opções
políticas.
Quanto à idéia de impedir que os cidadãos almejem a um melhoria das
suas condições de vida, e possam
construir um futuro melhor para si e para os seus em nome do “choque com
a realidade” é mais uma falácia ideológica do neototalitarismo neoliberal, não
muito diferente do caminho único stalinista (ou não fossem muitos dos ideólogos
do neoliberalismo antigos stalinistas “convertidos” …) ou do império de mil
anos do nazismo. A diferença está apenas no grau de violência, menos directa e
selectiva .
A “realidade” humana deixou de estar, há muito tempo, dependente das
leis da natureza ou das leis do mais forte, embora existam muitos que procuram
manter essa realidade, pelo exercício de leias financeira e económicas que
desrespeitam os direitos humanos e pela forma como muitos procuram desvirtuar
os princípios democráticos das relações humanas (veja-se o fascínio que as
condições financeiras, económicas e socias da ditadura chinesa , do corrupto
estado angolana ou do dumping social exercido no México ou na Índia exercem
sobre muitos desses economistas e comentadores).
Se a humanidade se restringisse à “realidade” e não tivesse capacidade
de inovação, criação e imaginação provavelmente ainda vivíamos todos na
Pré-história.
Se alguma critica podemos fazer à postura do PS ao longo da sua
história recente é a de não ser demasiado ambicioso nem se demarcar suficientemente
da realidade imposta pela ideologia neoliberal.
Esperemos que desta vez o PS não se limite a fazer de “polícia bom” das
medidas de austeridade.
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