Aí em meados de 70 gostava muito de conversar com a Paula Alexandre. Encontrava-a quase sempre só, ali no café em frente à Henriques Nogueira.
Ela não era de Torres Vedras (notava-se...), mas tinha uma tia que vivia ali no prédio ao lado do "Segundo" e tinha histórias cativantes para partilhar comigo.
Já não me lembro como a conheci, talvez por um amigo comum.
Também já não me lembro bem das conversas, mas lembro-me do seu sorriso e da sua maneira de falar.
Depois os dias separaram-nos, durante quase três décadas.
Por ironia do destino frequentei muitas vezes aquele mesmo café, que ficava em frente da escola por onde leccionei quase as mesmas décadas e lembrava-me muitas vezes, não das conversas com a Paula, mas da sua presença agradável, e interrogava-me sobre o seu destino.
Mesmo com o facebook, pensei que não valia a pena procurá-la, pois só me lembrava do seu primeiro nome, Paula e...Paulas há muitas ( mas poucas como ela).
...Até que um dia foi ela que surgiu por aqui a dar notícias.
Não a reencontrei ainda, apenas nos vamos cruzando por aqui, mas revelou-me uma faceta que não lhe conhecia, mas que confirma a sua forma sensível de olhar o mundo, a sua faceta poética.
Nas suas páginas tenho lido poemas muito belos e não resisti a transcrever um dos últimos, dedicado a José Afonso , sugerindo-lhe que, um dia, se faça publicar, pois a sua sensibilidade merece ser partilhada:
PAÍS DE COSTAS PARA O FUTURO
Neste país, a miséria não se revolta, envergonha-se.
Espera-se que os pobres se escondam nas ruas mais tristes da cidade.
Os jovens. sem futuro, emigram para terem presente
e os velhos, que construíram esta terra, são culpados de existir,
morrem sozinhos, porque a mais não têm direito.
Espera-se que os pobres se escondam nas ruas mais tristes da cidade.
Os jovens. sem futuro, emigram para terem presente
e os velhos, que construíram esta terra, são culpados de existir,
morrem sozinhos, porque a mais não têm direito.
Neste país, muitas medalhas são dadas aos cobardes.
A imoralidade ancorou no Tejo e tomou conta do Paço
e a impunidade tem um visto gold para andar por aí…
Aqui a mentira é dita com o Pai Nosso na boca,
e se os dias mudam as palavras, a culpa é dos dias…
A imoralidade ancorou no Tejo e tomou conta do Paço
e a impunidade tem um visto gold para andar por aí…
Aqui a mentira é dita com o Pai Nosso na boca,
e se os dias mudam as palavras, a culpa é dos dias…
Nesta terra, crime é roubar um pão,
não é crime tirar o pão…
Quem construiu os palácios não entra neles
e o voto é entendido como o poder de silenciar quem votou.
não é crime tirar o pão…
Quem construiu os palácios não entra neles
e o voto é entendido como o poder de silenciar quem votou.
Neste país,
chama-se melancolia à passividade,
chama-se responsabilidade à submissão
e a pobreza é poética…
E o bom povo português, ao ouvir os lobos lá fora,
senta-se à lareira e espera…é sereno, este bom povo.
chama-se melancolia à passividade,
chama-se responsabilidade à submissão
e a pobreza é poética…
E o bom povo português, ao ouvir os lobos lá fora,
senta-se à lareira e espera…é sereno, este bom povo.
Afundados na saudade dos tempos da liberdade,
Colonizados pela memória do medo dos tempos mais sombrios,
Ou crentes no herói que há-de chegar, não importa quando,
nem porquê, mas há-de chegar,
todos os dias, as gentes do meu país
destroem, silenciosamente, as pontes para o futuro,
sem entenderem o preço da revolta silenciada.
Colonizados pela memória do medo dos tempos mais sombrios,
Ou crentes no herói que há-de chegar, não importa quando,
nem porquê, mas há-de chegar,
todos os dias, as gentes do meu país
destroem, silenciosamente, as pontes para o futuro,
sem entenderem o preço da revolta silenciada.
Não é fado.
É apenas um país que se trancou dentro de casa
com medo de abrir a porta,
é um país aprisionado no seu próprio medo.
É apenas um país que se trancou dentro de casa
com medo de abrir a porta,
é um país aprisionado no seu próprio medo.
E os lobos andam soltos pela rua…
Mas estamos em Abril e Maio está próximo…
Ana Paula Alexandre
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