As palavras “eurocéptico” e “anti-europeu” têm sido o rótulo mais
utilizado para comentar o resultado das últimas eleições para o parlamento
europeu.
Nessa designação misturam-se os conformistas que não foram votar (onde
cabem, no mesmo saco, os mortos que não foram retirados dos cadernos
eleitorais, os que emigraram e não alteraram o seu recenseamento, os anarquistas,
os doentes graves que não se puderam deslocar à mesa de voto, os indigentes de todo o género que nem sabem
que há eleições, o chamado lúmpen proletariado, os que estão sempre contra tudo
e contra todos, os que se acham tão acima de tudo e que só votariam num partido
que os tivesse como líder, alguns nazis e fascistas que não se revêem no modelo
democrático, acompanhados nessa intensão por alguns stalinistas puros, os
indiferentes e conformistas de todo o tipo, e claro, muitos intelectuais que, à
custa de complicarem tanto o seu pensamento, não sabem em quem votar, e ainda
alguns ingénuos que passam a vida à procura do partido puro e ideal que
represente a sua pureza e ainda muitos antigos salazaristas que, por uma
questão de princípio, nunca votaram depois do 25 de Abril…), os que, ao fim de
40 anos de democracia, ainda não sabem usar um voto e vão parar ao monte dos
votos nulos dos que resolvem descarregar
toda a sua raiva e frustração inutilizando o seu próprio direito de escolha e
os que, num acto de consciência cívica, não abdicam do seu direito de voto, um
direito que em Portugal custou a vida e o conforto de muita gente para que ele
fosse obtido e, não se identificando com o actual sistema partidário, mesmo
assim se dão ao trabalho de se deslocar à sua secção de voto e votam em branco,
o único dos três casos que merecia resultar em consequência política (por
exemplo, retirando lugares eleitos…).
Nesta designação os nosso comentadores e jornalistas também metem no
mesmo saco os votantes nos partidos fascistas e neo-nazis que, pura e
simplesmente, defendem o fim da União Europeia e o regresso a ditaduras
antidemocráticas e nacionalistas, os partidos populista, das mais variadas
matrizes, que se dividem entre os que defendem o fim da União Europeia, os que “apenas” defendem o fim do “euro”, os
que defendem simplesmente um novo caminho, mais próximo dos cidadãos, para a
União Europeia, os partidos à esquerda que defendem a renegociação da dívida,
subdividindo-se ainda, entre eles, entre os que estão contra a União Europeia,
os que defendem a saída do euro, os que
defendem uma nova política em defesa dos cidadãos europeus e/ou os que defendem
pura e simplesmente a manutenção do
Estado Social Europeu.
Ou seja, para muitos comentadores e jornalistas, eurocépticos e
“antieuropeus” são todos os que defendem ideias diferentes daquelas que são
defendidas pelos chamados partidos do arco do poder, isto é, os “liberais” do
sr. Juncker ou os “socialistas” do sr. Schulz, que, no essencial, estão de
acordo, ou seja, defendem as políticas de austeridade, com pequenas nuances , a
“reforma” do Estado Social, a vontade dos “mercados” e a liderança alemã.
Se consideram que ser Europeu é apenas defender o que essas duas
famílias políticas do “arco da austeridade” defendem, e reduzir as hipóteses de
sobrevivência do projecto de União Europeia ao pensamento único neoliberal, então
eu, e todos os atrás citados, somos “antieuropeus e eurocépticos”, e podem
colocar todos no mesmo saco.
Se ser antieuropeu e eurocéptico é considerar que o Estado Social não
deve ser limitado, para agradar aos “mercados” e fazer as vontades ao dumping
social praticado pelos países emergente, procurando “adaptar” esse mesmo Estado
Social ao “modelo social chinês”, então eu e todos os atrás citados, somos
“antieuropeus e eurocépticos”.
Se ser antieuropeu é questionar a forma antidemocrática das grandes decisões,
tomadas nas costas dos cidadãos pelo Conselho Europeu, pela Comissão Europeia,
pelo Eurogrupo, pelo BCE e pelo FMI da srª Lagarde, escolhendo para os cargos
de presidente do Conselho Europeu e da Comissão Europeia e para outros cargos
burocratas gente que não foi sujeita ao sufrágio dos cidadãos europeus, então
eu e todos os atrás citados, somos “antieuropeus e eurocépticos”.
Se ser antieuropeu e eurocéptico é considerar que a União Europeia tem
de tomar um novo rumo, alterando os errados modelos de austeridade impostos
pelas troikas, combatendo as crescentes desigualdades no seu seio, o
escandaloso número de desempregados, nomeadamente entre os mais jovens, e a
pobreza crescente, então eu e todos os atrás citados, somos “antieuropeus e
eurocépticos”.
Se ser antieuropeu e eurocéptico é defender que, para que o euro possa
sobreviver como moeda única, é necessário corrigir os erros do seu nascimento
através de uma aproximação dos preços, dos salários, das pensões, dos juros e
no sistema fiscal (não se pode admitir que se exija um deficit igual, não
ultrapassando os 3%, a todos os países do euro, e depois existam disparidades
de preços, juros, pensões, salários e de impostos que ultrapassem em muito
aquele valor…), então eu e todos os atrás citados, somos “antieuropeus e
eurocépticos”.
Se ser antieuropeu e eurocéptico é defender o fim de paraísos fiscais no seio da própria União
Europeia, defender a penalização de um sistema financeiro corrupto ,
combater a fuga aos impostos de grandes
empresas e criticar uma política de baixos salários e de redução de direitos
laborais, então eu e todos os atrás citados, somos “antieuropeus e
eurocépticos”.
Seria bom que os senhores comentadores soubessem distinguir o trigo do
joio, aqueles que querem mesmo destruir a Europa e o seu projecto, daqueles que
querem “apenas” um rumo diferente para o projecto europeu, alguns apenas a
reposição do seu ideário fundador, combatendo o actual sistema antidemocrático
de decisão, que afasta os cidadãos do projecto europeu.
Se esses comentadores ou, mais grave ainda, os burocratas da União
Europeia e os partidos do “arco do poder” não distinguirem as diferenças e o
significado político destas eleições, vão ser eles, e não os “eurocépticos” e
“antieuropeus”, os principais responsáveis pela falência do projecto europeu.
Infelizmente as primeira declarações de Durão Barroso, de Lagarde e de
Draghi após estas eleições vão no sentido de continuarem a não perceber (ou
fingirem que não percebem) que, como muito gostam de dizer, “o mundo [a Europa]
mudou” no dia 25 de Maio.
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