Quarenta anos volvidos sobre o 25 de Abril é tempo de fazer balanços.
Já AQUI e AQUI contámos as nossas memórias pessoais, e já abordámos
esse acontecimento, do ponto de vista da História local AQUI.
Neste texto não vamos ter a preocupação do rigor factual, procuramos
antes reflectir sobre aquilo que para nós significa essa data e o que dela
ainda permanece.
Se existe consenso generalizado sobre o 25 de Abril é o de que esse dia
foi o dia do início da Liberdade que conduziu à construção da Democracia, o tal
“dia inicial inteiro e limpo” de Sophia de Mello Breyner .
A partir daí começaram a separar-se as àguas, pois o conceito de
Liberdade e Democracia variava muito conforme as ideologias, a cultura e a
experiência de cada um.
Para mim a liberdade só existe se, como canta Sérgio Godinho, houver “a
paz, o pão, habitação, saúde, educação”
para todos, partindo de uma base mínima de condições de igualdade e
dignidade.
Aliás, esses mesmos direitos estão consignados na Declaração Universal
dos Direitos Humanos, um documento fundamental para discutir os conceitos de
Liberdade e Democracia.
Mas também não podemos esquecer que as próprias revoluções liberais dos
séculos XVIII e XIX consignavam, em paralelo com a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade.
A liberdade de falar é a base,
mas não é o limite nem o fim.
Também temos de ter presente aquela velha máxima segundo a qual a nossa
liberdade termina onde começa a liberdade dos outros.
Hoje muita gente considera que a Liberdade está em risco. Parece-me uma
preocupação legítima, face à forma como procuram impor aos portugueses, como
inevitável, um caminho único de crescente empobrecimento, ou como a comunicação
social é hoje controlada pelo poder financeiro.
A liberdade de imprensa é a base da liberdade de opinião nas sociedades
modernas, mas hoje, quando só se consegue chegar e informar o público em geral através de meios
de comunicação social que exigem gigantescos meios financeiros para
subsistirem, meios esses que só são possíveis com o aval do poder financeiro e
de grandes empresas, essa liberdade parece correr graves riscos.
É essa situação gravosa que está na base da construção do actual
pensamento único neo-liberal que procura condicionar qualquer alternativa às
actuais opções económico-socias que estão a conduzir ao alargamento das
desigualdades, à perda de direitos sociais, ao empobrecimento generalizado, que
se anuncia como programa de décadas e gerações.
Hoje, quem quiser fazer ouvir a
sua opinião, com alguma influência, ou afina pelo diapasão que domina essa
ideologia e a comunicação social assim controlada pelo poder financeiro, ou não
consegue chegar a quase ninguém , por muita razão que tenha.
Nesse aspecto, e apesar da censura do Estado Novo, antes do 25 de
Abril, embora com grandes riscos financeiros e pessoais, era possível lançar um
órgão de comunicação social independente, como aconteceu com jornais como o “República”,
o “Diário de Lisboa” , “A Capital”, a “Vida Mundial” ou o ”Expresso”.
Hoje não existe um órgão de comunicação social, com influência, que
possa destoar totalmente da ideologia neoliberal que nos estão a impor, porque
não obteria meios financeiros para sobreviver.
Claro que há liberdade de falar e escrever, mas a maior parte da
comunicação social, cada vez menos jornalística e mais opinativa, enche as suas
páginas ou os seus écrans com ideólogos dessa ideologia, mesmo com pequenas
nuances de pensamento para dar uns ares de “pluralismo” (aquilo que eu já chamei de "Pluralismo do pensamento único"), ou convidando alguém
que pensa de forma diferente, mas que está sempre em minoria e fica sujeito ao
massacre ideológico dessa maioria de comentadores.
A Liberdade formal não está em risco, mas a liberdade de se desenvolver
um pensamento desalinhado, inovador e criativo, com consequência na opinião
pública, esse, de facto, está em perigo.
E, com o risco que corre a verdadeira liberdade, é a própria Democracia
que corre riscos.
Claro que, também neste caso, a Democracia formal parece segura.
Mas também aqui existem divergências sobre o sentido da Democracia.
Se se entender a democracia como o mero acto de despejar o voto numa
urna, então podemos dizer que a Democracia está consolidada.
Claro que a existência de Partidos e de Eleições livres é a base sem a
qual não existe Democracia.
Mas esta não acaba aqui, nem termina com a divulgação dos resultados eleitorais.
Aliás, vendo a coisa por esse prisma, Yanukovich na Ucrânia, Putin na
Rússia, Maduro na Venezuela ou Órban na
Hungria são verdadeiros democratas, para citar apenas os casos mais
emblemáticos.
Pelo contrário, não deixa de ser paradoxal que uma União Europeia, que
nasceu da democracia dos seus povos, tenha um presidente, uma Comissão Europeia
e um Banco Central Europeu ocupados por gente que nunca foi eleita para esses
cargos pelo povo europeu, mas que são aqueles que de facto decidem sobre a vida
das pessoas, e que a sua única instituição eleita, o Parlamento Europeu, não
passe de um “verbo de encher”, sem grandes poderes, que , por exemplo, elaborou
recentemente um relatório onde denuncia as ilegalidade das troikas ou do
governo Húngaro sem que daí resulte qualquer consequência para os criminosos.
Mas mesmo que se chegasse ao consenso segundo o qual a democracia acaba
no dia a seguir às eleições, nunca se podia admitir que um governo eleito
desrespeitasse as promessas e o programa político com que foi eleito, com a
desculpa que não conhecia o estado do país quando toma posse do governo.
Para além de mentiroso, um governo que ignora o estado do país devia
ser demitido no dia seguinte por se deslegitimar, pois, não só o compromisso
eleitoral é para ser levado a sério, como não se pode admitir que, quem se
apresenta para governar um país possa revelar tanta ignorância sobre o mesmo.
Por outro lado, os próprios partidos políticos, que estão na base da
democracia, funcionam quase todos internamente de forma pouco democrática.
Quase não existe debate interno, todos recorrem a purgas constantes dos
indesejáveis e os seus dirigentes são escolhidos nos bastidores da intriga
política antes de serem sufragados em congressos previamente preparados para a propaganda.
Se o 25 de Abril se fez para restituir a Liberdade e construir a Democracia,
então é caso para dizer que ainda há muito 25 de Abril por construir.
1 comentário:
Esta Gente
Esta gente cujo rosto
Às vezes luminoso
E outras vezes tosco
//
Ora me lembra escravos
Ora me lembra reis
//
Faz renascer meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra
O porco e o milhafre
//
Pois a gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nome
//
E em frente desta gente
Ignorada e pisada
Como a pedra do chão
E mais do que a pedra
Humilhada e calcada
//
Meu canto se renova
E recomeço a busca
De um país liberto
De uma vida limpa
E de um tempo justo
//
Sophia de Mello Breyner Andresen, in "Geografia"
Abraço!
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