BPN, entre as brumas da
memória
Por PEDRO SOUSA CARVALHO in
Público de 4 de Abril de 2014
"Tenho a memória muito
fraquinha", disse Oliveira Costa. Estava lançado o mote para explicar o
caso BPN.
“O BPN não é apenas um caso de polícia. O BPN não é apenas um caso de
falha na supervisão. O BPN não é apenas um caso político. O BPN é um caso de
falha de memória colectiva. A começar pelo todo-poderoso Oliveira Costa. Ainda
muitos se lembrarão quando o antigo presidente do BPN, no julgamento do caso
Homeland que envolvia Duarte Lima, invocou vezes sem conta a falha de memória.
"Não me recordo" e "tenho a memória muito fraquinha" foram
frases que deixaram os juízes à beira de um ataque de nervos. E os juízes
desataram à gargalhada quando Oliveira Costa, a dado momento da inquirição,
disse: “Esquecer é comigo”.
“Este problema de amnésia no caso BPN é algo contagioso. Ainda alguns
também se recordarão (pelo menos os que têm boa memória) quando Francisco
Comprido, antigo administrador do BPN, foi à comissão de inquérito e, perante
as perguntas insistentes dos deputados, respondia "não me recordo",
"não tenho presente", "não lhe posso precisar", "os
nomes não me estão a vir à memória".
“E esta audição terminou com uma frase de Francisco Comprido que tem
tanto de desconcertante como de verdadeira: "Quem faz muitos negócios na
vida lembra-se geralmente do que correu mal. Aqueles que são fechados e correm bem,
caem-nos no esquecimento".
“Quem deverá ter feito com o BPN alguns negócios que correram bem foi
Dias Loureiro. Quando, foi à mesma comissão de inquérito ao caso BPN, disse que
nem sequer sabia da existência do Excellence Assets Fund – um veículo
fundamental para uma compra ruinosa (prejuízo de 38 milhões de dólares) de duas
empresas tecnológicas em Porto Rico. Quando confrontado, pelo jornal Expresso,
com contratos que tinham a sua assinatura, o ex-ministro e conselheiro de
Estado disse: "Não me lembro dos contratos, posso ter assinado, se vocês o
dizem, mas não tenho memória”. Dias Loureiro rematou: “Nunca menti na comissão,
disse aquilo de que me lembro”.
“O caso do BPN foi sendo construído apenas com aquilo que os envolvidos
se iam lembrando. E quem passou pelo banco até se esquece de por lá ter
passado. Foi o caso de Rui Machete, que escreveu uma carta ao Parlamento
garantindo que nunca tinha sido "sócio ou accionista" da SLN (dona do
BPN), quando na verdade o foi. Rui Machete que, tal como Franquelim Alves,
quando chegou ao Governo omitiu (ou alguém por eles) no currículo a sua passagem
pelo universo BPN/SLN.
“Isto tudo, já se percebeu, para chegar a Vítor Constâncio, que esta
semana chamou os jornalistas em Atenas para dizer que não se recordava de ter
sido convocado por Durão Barroso, na altura primeiro-ministro, para falar sobre
o caso BPN. “Depois de tantos anos, não recordo qualquer convocação
exclusivamente sobre o BPN. Recordo apenas uma conversa geral em que se falou
de preocupações com o BPN, mas nada de muito concreto”.
“Ninguém pode levar a mal a Constâncio não se recordar de factos que
aconteceram há uma década. O que não se percebe é por que é que Constâncio
convoca os jornalistas para fazer uma revelação de algo sobre o qual não se
lembrava. Não deixa de ser bizarro que a assessoria do BCE tenha enviado aos
jornais as citações de Constâncio e as conclusões da comissão de inquérito ao
caso BPN de 2009, feitas pela deputada socialista Sónia Sanfona, e não se tenha
lembrado de enviar as conclusões da segunda comissão de inquérito, cujo relator
foi Duarte Pacheco do PSD, esta bastante mais crítica em relação à actuação do
supervisor no caso BPN.
“O caso BPN renasceu esta semana quando Durão Barroso, em entrevista ao
Expresso, veio dizer que “quando era primeiro-ministro, chamei três vezes Vítor
Constâncio a São Bento, para saber se aquilo que se dizia do BPN era verdade”.
O que ficámos sem saber é o que é que de tão relevante se dizia na altura do
BPN, porque Barroso não o disse. E a terem existido os tais três encontros em São
Bento, o que fez ou deixou de fazer o governador do Banco Central, porque
Constâncio não o disse.
“Durão Barroso tem um bom remédio para a falha de memória. Na mesma
entrevista, o entrevistador revela que Barroso regista tudo o que faz e que
todos os dias, às 6h30, escreve as suas notas sobre o que se passou na véspera.
Não se sabe se o agora presidente da Comissão Europeia ainda terá algum post-it
a contar o que se passou nas três reuniões que terá tido com Vítor Constâncio.
Mas se os encontros que teve com Constâncio foram assim tão relevantes (a ponto
de serem revelados numa entrevista, sem que o entrevistador tenha feito
qualquer pergunta sobre o BPN), por que é Barroso não comunicou os factos às
duas comissões de inquérito? Provavelmente esqueceu-se. Pelos vistos acontece a
todos”.
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