Muito interessante este texto hoje publicado no jornal Público, da autoria do jornalista João Miguel Tavares, onde reflecte sobre a falta de canções de protesto nos dias que correm e a razão de irmos buscar canções com várias décadas de vida para manifestar a nossa indignação:
QUEM CANTA JÁ NEM OS MALES ESPANTA
por João Miguel Tavares
In Público de 22 de Fevereiro de 2013
“Enquanto o país anda entretido a discutir como deve reagir
um político ao ser alvejado por uma versão desafinada de Grândola, Vila Morena
- deve calar-se e esperar que passe?, deve fugir pelas traseiras?, deve fingir
que sabe a letra e trautear? -, eu proponho uma outra reflexão: porquê Grândola
Vila Morena? Por que é o país quando se zanga, ou simplesmente quando marcha do
Marquês de Pombal para os Restauradores, aquilo que contínua a cantar é a
Grândola (canção gravada por José Afonso em 1971, já lã vão 42 anos) ou Os
Vampiros (canção gravada por José Afonso em 1963, já lá vão 50 anos)? Não me
entendam mal: José Afonso é o maior génio da musica popular portuguesa. Mas não
se encontra por aí nada de mais actual?
“A resposta é: não, não se encontra. É verdade que os
Deolinda acertaram em cheio no espírito do tempo com Parva que Sou e que
Sexta-feira, de Boss AC, rodou muito pela rádio.
“Mas são epifenómenos, que vêm e vão. Mais: a maior parte
dos músicos foge do carimbo “música de intervenção” como o diabo da cruz. Em
2009, os Xutos & Pontapés até meteram os papéis para a reforma da
irreverência ao desmentirem que uma canção sua que começava com as palavras
“senhor engenheiro” quisesse atingir alguém em particular. Bolas, desde quando
é que é suposto uma banda de rock ter medo de ser mal interpretada?
“O desemprego campeia entre os jovens. Pela primeira vez
existe uma geração que corre o risco de
vir a viver pior do que a anterior, A classe média é esmagada com impostos. E,
no entanto, os artistas, de um modo geral, e os músicos portugueses, em
particular, parecem alheados do que está à sua volta. Não escrevem, não cantam,
não dão uma banda sonora ao povo, para que ele se possa indignar com letras do
presente, em vez de usar palavras de José Afonso escritas para homenagear a
resistência antifascista da Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense,
que hoje em dia só já anima procissões e arruadas.
“A razão por que isto acontece é a mesma por que a
indignação que existe no ar se mostra incapaz de se inscrever num discurso
político sólido: há um temor do comprometimento, como que um excesso de lucidez
que transforma todos os ideais em manifestações de ingenuidade, um
individualismo radical que tem alergia a qualquer outra acção prática que vá
além do protesto. Na América dos anos 60 e 70, cantava-se para acabar com o
Vietname. No Portugal dos anos 60 e 70, cantava-se para acabar coma ditadura e com
a guerra colonial. No Portugal de 2013, canta-se para acabar com o quê? Com a
democracia? Com certeza que não. Com a injustiça? Demasiado difuso.
“E assim estamos, sem canções nem discurso válido,
condenados a enfrentar o presente coma banda sonora dos nossos avós. Talvez B
Fachada tenha razão.
“Em 2011, ele gravou Deus Pátria Autoridade, um equivalente
envenenado do maravilhoso FMI (1982), de José Mário Branco. E aí é dito, com
cínico optimismo: “Portugal está para acabar/ É deixar o cabrão morrer/ Sem a
pátria para cantar/ Sobra um mundo para viver.” O disco está disponível para
download gratuito na Internet. Mas lá está: não serve para animar desfiles na
Avenida da Liberdade”.
Jornalista
Jmt1973@hotmail.com
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