"Os islandeses não "aguentam"
in Expresso on-line
"O banco islandês Landsbanki, na sua bebedeira de oferta de
crédito, criou o Icesave. Uma espécie de banco virtual onde os clientes
estrangeiros, sobretudo holandeses e ingleses, puseram muito dinheiro em troca
de juros impossíveis. Depois sabe-se o que aconteceu. A banca islandesa, sempre
aparada pelo governo neoliberal que tratou da sua privatização, colapsou. O
islandeses revoltaram-se e o governo caiu. Os governos britânico e holandês
decidiram pagar, sem perguntar nada a ninguém, os estragos aos clientes do
Icesave dos seus países. E apresentaram a factura aos contribuintes islandeses.
Ou seja, os islandeses tinham de pagar com os seus impostos as dívidas de um
negócio entre privados: bancos e investidores.
"Quando o governo se preparava para começar a pagar os
astronómicos estragos da banca, o presidente Ólafur Grímsson decidiu referendar
a decisão. Todos os governos europeus, todas as instituições financeiras e
quase todas as forças com poder na Islândia, incluindo o governo e a maioria do
Parlamento, foram contra a sua decisão. Tal referendo seria uma loucura. De
fora e de dentro vieram todas as pressões. Se a Islândia tivesse a ousadia de
não pagar seria uma "Cuba do norte". Ficaria isolada. Nem mais um
investidor ali deixaria o seu dinheiro. Os islandeses votaram. 92% disseram que
não pagavam. E, mesmo depois de um segundo referendo, não pagaram. A reação não
se fez esperar. O governo do Reino Unido até se socorreu de uma lei para
organizações terroristas, pondo a Islândia ao nível da Al-Qaeda.
"A decisão repousava há algum tempo no Tribunal da EFTA.
Quando estive na Islândia ouvi, de alguns especialistas, a mesma lengalenga: a
Islândia ia acabar por pagar esta dívida. E até lhe ia sair mais caro. Que
tinha sido tudo uma enorme irresponsabilidade fruto de populismo político.
"Contrariando a posição de uma equipa de investigação da própria
intuição e as temerosas autoridades judiciais da Islândia, que defendiam
"um mínimo de compensação aos Governos britânico e holandês", o
tribunal da EFTA isentou, esta semana, a Islândia de qualquer pagamento ao
Reino Unido e Holanda.
"O que estava em causa não era pouco. Era se deve ou não o
Estado ser responsabilizado pelos erros dos bancos. E se devem ser os
contribuintes a pagar por eles. Claro que a Europa já prepara novo
enquadramento legal para atribuir uma maior responsabilização aos Governos pelas
quebras no sistema financeiro. Duvido que resulte em maior vigilância ao
sistema bancário. O mais provável é dar à banca a segurança que o dinheiro dos
impostos cá estará para cobrir os prejuízos das suas irresponsabilidades.
"Há coisas imorais que se naturalizam. Usar os dinheiros dos
contribuintes para salvar os bancos das suas próprias asneiras foi uma delas.
Como me disse o presidente Grímsson, "Temos um sistema onde os bancos
podem funcionar como querem. Se tiverem sucesso, os banqueiros recebem enormes
bónus e os seus acionistas recebem o lucro, mas, se falharem, a conta será
entregue aos contribuintes. Porque serão os bancos tão sagrados para lhes
darmos mais garantias do Estado do que a qualquer outra empresa?" Perante
isto, os islandeses apenas fizeram o que tinham de fazer. Mas o Mundo está de
tal forma de pernas para o ar que o comportamento mais evidente por parte de
quem tem de defender os cidadãos e o seu dinheiro parece absurdo.
"Afinal, a Islândia saiu-se bem. Saiu-se bem na economia, já abandonou
a austeridade, está a mudar a Constituição no sentido exatamente inverso ao que
se quereria fazer por cá e manteve a sua determinação em não pagar as dívidas
contraídas por empresas financeiras privadas, tendo sido, no fim, judicialmente
apoiada nesta decisão. Porque o governo islandês assim o quis? Não. Pelo
contrário. Porque as pessoas exigiram e mobilizaram-se. E as pessoas, até na
pacata Islândia, podem ser muito assustadoras.
"Por cá, o mesmo banqueiro que se estava a afundar (parece
que tinha comprado demasiada dívida grega) e que disse que os portugueses
"aguentam" mais austeridade, recebeu dinheiro de um empréstimo que
somos nós todos que vamos pagar, apresentou lucros excelentes e até vai
comprar, imagino que com o nosso próprio empréstimo, dívida nacional. Ou seja,
empresta ao Estado o que é do Estado e cobra juros. Porque nós aguentamos".
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http://expresso.sapo.pt/os-islandeses-nao-aguentam=f783684#ixzz2Jevh6I00
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