Todos os dias, desde há uns tempos a esta parte, somos confrontados com
notícias diárias de novas revoltas nas ruas, um pouco por todo o mundo.
Manifestações, revoltas sociais, ocupação das ruas, nada disso é novo, já
existia em tempos medievais, tem crescido desde os finais dos regimes
absolutistas, com principal impacto a partir da Revolução Francesa.
A primeira grande rebelião das massas ocorreu nos anos 20 e 30, e deu o
resultado conhecido.
A “Oeste Nada de Novo”, portanto.
Não devemos esquecer que vivemos uma época em que a comunicação social,
principalmente a televisiva, e, em especial, as redes sociais, permitem dar uma
dimensão a essas manifestações que elas muitas vezes não tinham no início.
Aliás, está por provar que existem mais manifestações e mais violentas
do que as que sempre houve. A diferença é que há uns anos atrás nada disso era
notícia, ou, quando o era, já só o sabíamos depois de dominadas ou terminadas.
Hoje vivemos no imediatismo e as notícias dão a volta ao mundo em poucos minutos, ampliando o impacto e a
dimensão de tais movimentos.
O que há de novo nesses movimentos é, por um lado, a diferenças de objectivos e causas, muitas
vezes contraditórias e até de sinal contrário, e a falta de uma ideologia
marcante e de lideranças consistentes.
Grande parte dessas manifestações, que ocupam as ruas de quase todo o mundo,
são despoletadas por “pequenas coisas”, uma subida no preço de um produto ou de
um imposto (em França ou no Líbano, no Irão, no Iraque ou no Chile), a desconfiança sobre
a legitimidade de um acto eleitoral (na Venezuela ou na Bolívia), medidas
judiciais ou legais controversas (na Catalunha, na Turquia ou em Hong Kong) e
depois, mesmo quando as autoridades recuam, o motivo original transforma-se no
pretexto para trazer ao de cima um descontentamento generalizado das “massas” contra as suas precárias condições de vida,
as desigualdades crescentes, a falta de liberdade ou democracia.
Sem lideranças fortes, sem objectivos claros, é a irracionalidade que
acaba por dominar, conduzindo à violência gratuita.
Como a comunicação social e os políticos só se preocupam com esses
movimentos quando a violência se torna o espectáculo da primeira e o cimento do
recurso ao autoritarismo dos segundos, a violência torna-se o único objectivo claro
desses manifestantes, entrando-se numa espiral sem saída.
Quase todas essas manifestações têm, na sua origem, causas legítimas, mas perdem rapidamente a
legitimidade quando perdem de vista as razões que as despoletaram, recorrendo a
crescentes e indiscriminados actos de violência.
As desigualdades crescentes, a falta de democracia e de liberdade, a
destruição de direitos sociais, a corrupção generalizada das elites, o
esvaziamento do poder democrático pelos interesses financeiros, uma globalização
cada vez mais desumanizada, tudo isso é rastilho para o mal-estar generalizado
que está a conduzir muitos países e muitas regiões do mundo para o abismo.
Sem rumo, a energia dessas manifestações alimenta a demagogia de
populistas sem escrúpulos que espreitam a sua oportunidade
Bolsonaro e Trump são apenas os primeiros a manipular em proveito
próprio essa rebelião das massas sem causa, mas são meros meninos do coro
perante o que se avizinha.
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