O descalabro do transporte ferroviário em Portugal foi um dos temas em
destaque este verão.
Que alguns só agora tenham acordado para o tema, não é mera
coincidência.
Uns procuram esconder as suas responsabilidades politicas no desastre
(como os cavaquistas e o CDS, com “agentes” seus nas sucessivas administrações
da “coisa”).Outros, ao serviço do poder financeiro, como acontece com muitos
jornalistas e comentadores, só agora se lembraram de uma triste realidade,
que vem de longe.
Com raras e honrosas excepções (como a do jornalista do Público Carlos
Cipriano que há longos anos denuncia a situação), esta é a sua forma de prestar
o seu “servicinho” para justificar a anunciada privatização dos serviços
ligados à CP.
Pode ser que ganhem um lugar de
assessores de comunicação numa das “futuras” empresas privadas que se acotovelam
para tomar de assalto a gestão dos transportes ferroviários (ficando o lucro para eles e os custos para os contribuintes e utentes, como tem sido prática nesta coisa das privatizações...).
O “crime” e o “desastre” da CP não é de agora. Vem de muito longe.
Pessoalmente, fui durante muitos anos utente regular da CP na linha do
Oeste.
Ainda sou do tempo dos horários regulares e dos intercidades, que nos
punham, aqui de Torres Vedras, a cerca de 1 hora do centro de Lisboa, quando a maior parte dos comboios
terminavam o seu percurso no Rossio (hoje, com autoestrada e de automóvel,
raramente alguém consegue chegar ao Rossio uma hora depois de sair de Torres,
sem esquecer os gastos com portagens, gasolina e estacionamento…).
Fui assistindo, ao longo do tempo, à longa agonia da linha do Oeste e
dos transportes ferroviários em geral, situação que se acentuou com a entrada
de “fundos europeus” em barda e das autoestradas cavaquistas.
Ao mesmo tempo a empresa foi sendo dividida às fatias, criando-se várias empresas, uma para o transporte de passageiros, outra para a manutenção das linhas, outa para o transporte de mercadorias, etc, etc...Apenas se beneficiou o aumento de lugares nas administrações para os vários "boys"...
Resisti quase até à ultima, mas o fim das ligações directas com o
centro de Lisboa, a redução do número de combóis em circulação e os horários
cada vez mais absurdos, acabaram por me “empurrar” para a carta de condução,
que tirei já depois dos 40 anos.
Toda a estratégia cavaquista de desinvestir nos transportes públicos
visou apenas beneficiar os patrões de Paris e Berlim, os únicos a beneficiar
pelo facto de terem quase o monopólio da industria automóvel na Europa. Outro
dos grandes beneficiados foi o sector petrolífero, hoje cada vez mais enredado
nos mais obscuros negócios financeiros e centro de emprego para ex-governantes.
Muito do nosso deficit e da nossa divida tem origem nessa opção.
Tudo isto, claro, em nome de uma pretensa “modernização” do país. Ainda
me lembro da argumentação de comentadores, políticos e economistas: o “comboio”
era coisa do passado, de países subdesenvolvidos.
Muitos portugueses engoliram essa retórica. Eu próprio quase acreditei
nessa mentira e só percebi o logro quando comecei a viajar mais vezes para fora
do país, inclusive no “centro” da Europa.
Aí descobri que o comboio é um meio
de transporte muito popular, pelo preço, pelo conforto, pela rapidez, pela
frequência e pelos horários, com ligações para quase todo o lado.
Hoje começa a ser evidente, até pelas razões ambientais, que o
transporte automóvel, pelo menos como o conhecemos, está condenado a prazo.
Por outro lado, estamos também a perder o “comboio” do TGV, que neste
momento se torna um concorrente sério à aviação, outro meio de transporte
condenado a prazo, também por razões ambientais e até pelo aumento de tempo que
se perde nos aeroportos e nas ligações.
Claro que o país não precisava de tanto TGV como se chegou a aventar.
Bastava uma boa ligação de TGV entre Lisboa/Sines e Badajoz e entre o Porto e
Vigo, melhorando os serviços do alfa pendular entre Lisboa e Porto.
É inconcebível que, tal como há 50 anos, a ligação ferroviária entre
Lisboa e Madrid e Lisboa e Paris tenha o mesmo horário e se faça à mesma
velocidade.
A aposta até teria custos reduzidos, já que era possível aproveitas o
trabalho feito pelos homens do século XIX, que construíram as vias existentes ,
sendo possível, com as tecnologias de hoje, recupera-las rapidamente. E já agora,
até podiam recuperar a industria de construção ferroviária (já tivemos
industria que fabricava carruagens e maquinas de comboios, tudo destruído na
voragem cavaquista…).
Para as mentalidade “ahistóricas”, e “presentistas” que dominam os nosso
economistas, os nossos políticos e os nossos jornalistas, não me parece que
seja credível que, de uma vez por todas, apostem forte no investimento nos transporte públicos, e, em
especial, nos transportes ferroviários.
Assim, o “crime” e o “desastre” está cada vez mais à vista com a privatização da CP,
mais uma negociata para alguns, com custos a prazo para todos nós e para os
nossos filhos!
Esperemos que o que resta de "cidadania" não se tenha esgotado nos "futebois" e ainda se tenha força para travar o desastre, obrigando a que se aposte, de forma séria, no transporte ferroviário.
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