Quando se deu o Maio de 68, tinha apenas 12 anos de idade e, na altura,
não me apercebi da dimensão desse acontecimento.
Não que em casa não se falasse do que se passava no mundo. O meu pai
era homem informado e politizado, homem da oposição e em casa entravam
regularmente jornais (“República”, “Diário de Lisboa”, “A Capital”…) e revistas
(“Vida Mundial”, “Seara Nova”, “Vértice” , “Correio da Unesco”…).
Lembro-me bem de outros acontecimento desse ano, como os assassinatos
de Luther King ou Robert Kenneddy assim como da Primavera de Praga.
Aliás, a Primavera de Praga teve muito mais destaque e impacto na
comunicação social portuguesa do que os acontecimentos franceses, o que se pode
explicar por razões ideológicas e pela acção da censura.
A entrada dos tanques soviéticos em Praga motivou mesmo as primeiras
criticas que ouvi em casa à União Soviética e terá contribuído para um maior
afastamento por parte do meu pai do PCP.
Um cheirinho do Maio de 68 tive-o no ano seguinte, em Agosto de 1969,
quando, numa visita a Coimbra, o meu pai nos levou à zona da Universidade,
ocupada por tropas e policia, história que já contei AQUI.
Da importância do Maio de 68 só me comecei a aperceber anos depois,
quando me envolvi mais activamente na actividade politica, a partir de 1973.
Mas foi depois de Abril de 74 que me senti a viver no espírito do Maio
de 68.
Nesta altura, mais do que as teorias marxista, trotskista, maoista ou
anarquista que guiavam a acção de quase toda a gente à minha volta, eram os
valores de Maio de 68 que me guiavam, das frases aos livros impregnados no
espírito desse acontecimento, tendo lido avidamente as obras de Roger Garaudy e
Raul Veneigem.
Mais do que as frases e as palavras de ordem dos maoistas ou dos
trotskistas, eram as frases de Maio de 68 que me “guiavam” e entusiasmavam
nesses tempos de descoberta permanente que se seguiram ao 25 de Abril : “A
Imaginação ao Poder”; “Sejam realistas, exijam o impossível”; “Sob a calçada, a
praia”; “É proibido proibir”, “A Poesia está na Rua”; “Não é uma Revolução, é
uma mutação”, “Não me libertem, eu encarrego-me disso”…
O Maio de 68 foi o cumprir do terceiro pilar da Revolução Francesa, o
da “Fraternidade”, o mais esquecido (“Liberdade, Igualdade, Fraternidade”).
De facto, muito daquilo que por cá ainda há pouco tempo se apelidava de
questões “fracturantes” ganharam uma verdadeira dimensão politica na Europa e
no Ocidente a partir de Maio de 68.
A França desse tempo, e uma
grande parte do ocidente, no que diz respeito ao autoritarismo e
conservadorismo dos valores e à própria censura às artes e à divulgação das ideias
novas, não era então muito diferente do que, por cá, se vivia no regime
salazarista.
A evolução de muitos dos principais protagonistas desse acontecimento
foi, na maior parte dos casos, uma desilusão, mas nem os próprios conseguiram
domesticar os valores de Maio de 68 que continuam a vir sempre ao de cima
quando o conservadorismo e o autoritarismo voltam a levantar a cabeça.
O próprio Maio de 68 não teria passado de mais uma revolta estudantil
como tantas outras nessa época, que tinham a critica ao autoritarismo e à
guerra como principais motivações, se a
ela não se tivessem juntado os sindicatos e os trabalhadores que, com greves e
manifestações, fizeram abalar o regime Gaulista.
De Gaulle percebeu a dimensão do acontecimento e acabou por o
aproveitar a seu favor, acabando por sair pela porta grande da História, ao
contrário daquela que foi a história de vida de muitos dos líderes do Maio de
68.
Hoje, do Maio de 68, guardo os ideais da recusa do conservadorismo e do
autoritarismo de todas as tendências, o direito à “fraternidade” , a
importância da “rua” como campo de afirmação politica e a importância da
criatividade e da imaginação para a realização humana.
De negativo? : o percurso de alguns dos “ideólogos” do Maio de 68, que
abriram caminho ao neoconservadorismo e ao neoliberalismo, o culto da “eterna
juventude”, algum extremismo “critico” e
...o “maoismo”.
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