Esse país não é o meu nem essa emigração existe
Por CRISTINA SEMBLANO in Público
de 26/03/2015
(Economista, lecciona Economia Portuguesa na Universidade de Paris IV –
Sorbonne; autarca na região de Paris)
“Como é que esses novos emigrantes, a população estrangeira mais
numerosa a chegar actualmente a França, poderão acolher o discurso de um
Presidente que diz que Portugal é um país bom para investir?
“Foi um Presidente da República em campanha eleitoral por conta do
Governo português, ou das forças políticas que o sustentam, que vimos em Paris.
Um Presidente da República cujo optimismo é inversamente proporcional à
situação dramática em que se encontra o país, um país que se despoja das suas
forças vivas, das suas empresas estratégicas, dos seus serviços públicos. Um
país que, ao mesmo tempo que aponta a porta de saída aos seus filhos, abre as
pernas ao capital estrangeiro para que invista no que ele desinveste e gaba aos
potenciais turistas o sol, o mar e a hospitalidade de um povo que põe de
joelhos e/ou condena ao exílio.
“Houve primeiro o discurso sobre o crescimento de 2% ultrapassando as
expectativas internas e internacionais, o equilíbrio das trocas externas e a
proeza de o país conseguir financiamento a baixas taxas de juro. Como se o
crescimento, a realizar-se, não devesse ser comparado à contracção dos anos do
memorando, como se a quebra das importações induzida pela contracção do consumo
interno e do investimento não fosse chamada para explicar o frágil equilíbrio
das trocas externas, como se as taxas de juro a que o país se financia nos
mercados não fossem imputáveis à política monetária do BCE e à sua garantia.
“Esse país a que o Presidente da República aludiu – que acabou com
sucesso o programa de ajustamento, tem hoje uma economia mais sustentada e
poderá desde este ano começar a reduzir o peso da dívida no PIB – não é,
seguramente, o meu. O meu país perdeu PIB nos anos do memorando, perdeu
investimento e perdeu postos de trabalho, perdeu competitividade, perdeu bens
essenciais à sua economia e ao bem-estar da sua população, perdeu gente, e, se
alguma coisa ganhou, foi mais desempregados, mais pobres, mais dívida, mais
fragilidade, mais dependência, mais incerteza e um futuro mais hipotecado.
“Não, o meu país não é esse que um obscuro instituto inglês – a que
aludiu o Presidente sem todavia o designar – classificou como um dos mais
prósperos do Mundo!
“Porém, não é só o país a que o Presidente da República aludiu que eu
não reconheço como sendo o meu. Também não me reconheço na emigração de que ele
fala. A emigração do período 60-70 da qual sou oriunda e que a política
politicamente correcta conviu apelidar, de forma caricata, de “emigração de
sucesso”, focando-se em alguns casos e ignorando todos os outros, como o dos
reformados (para não ir mais longe) que vivem abaixo do limiar da pobreza ou
aqueles a quem a Santa Casa de Misericórdia de Paris proporciona um funeral
condigno no espaço que reserva aos portugueses indigentes, no cemitério de
Enghien-les-Bains.
“Também não creio que se reconhecerão na emigração de que falou o
Presidente os novos emigrantes, cuja corrente se intensificou durante os anos
da troika e de que uma parte substancial desemboca quotidianamente em França,
homens, mulheres e crianças de todas as idades, de todas as qualificações, em
busca da realização que o país não lhes proporcionou ou, muito simplesmente, e
na maioria dos casos, numa dramática luta pela sobrevivência. Luta que se
prossegue no país de destino, onde a taxa de desemprego é elevada, as
qualificações subvalorizadas, a exploração, e mormente a exercida pelos
portugueses da primeira vaga, cada vez mais banalizada.
“Como é que esses novos emigrantes, a população estrangeira mais
numerosa a chegar actualmente a França e a quem o jornalista Giv Anquetil
consagrou a sua reportagem para o programa de France Inter do passado dia 14,
Comme un bruit qui court, poderão acolher o discurso de um Presidente que diz
aos emigrantes que Portugal é um país bom para investir, bom para os franceses
se irem instalar, bom para irem passar férias (recordando que, no ano passado,
um milhão de franceses visitou o país) e pedindo-lhes que sejam os embaixadores
desse país, que o aconselhem aos vizinhos, aos colegas de trabalho, aos amigos?
“Será que eles, filhos de um país de que foram expulsos, poderão gabar
os seus atractivos a terceiros?
“Seguramente não, nem a Elisabete, professora de Inglês a exercer a
profissão de porteira em Paris, para “poder acudir às necessidades dos filhos,
dar-lhes uma educação e pagar a casa em Portugal”, nem a Sofia, filha de
emigrantes, nascida em França, que havia decidido ir viver em Portugal e que,
dez anos depois, foi obrigada a regressar, nem a Rosa, que acumulava dois
trabalhos, um dos quais num bar, à noite, que paga 2,5 euros à hora, não
declarados, “porque quando se precisa aceita-se tudo”, seguramente nenhum deles
se reconhece nem no país próspero de que falou o Presidente, nem na emigração
portuguesa de sucesso a que ele se dirigiu.
“Não, esse país, não é o meu, nem essa emigração existe”.
Sem comentários:
Enviar um comentário