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sábado, 18 de dezembro de 2010

O Respigo da Semana - Pedro Ivo de Carvalho


"Um país tão pequeno como um detalhe

Por Pedro Ivo de Carvalho.

In Jornal de Notícias, 17 de Dezembro de 2010.

"Creio não me equivocar quando atribuo aos pequenos gestos a máxima importância. Creio estar certo de que são, por vezes, os detalhes que melhor reflectem os comportamentos e as tendências. Ou, no caso português, as desgraças. Vamos sendo esmagados pela voracidade da informação, pela inevitabilidade dos factos, por um torpor que, mais do que nos importunar, nos adormece. Nos vicia na apatia.

"Ouvimos e lemos tanta coisa que já não logramos separar o importante do aparentemente importante. Gostamos de discutir a conjuntura, os cenários macroeconómicos, as teorias mais ou menos progressistas do desenvolvimento humano, o papel do Estado, as verdades adquiridas. Mas raramente discutimos os detalhes que redundam em erros quase patológicos. São muitos, em demasia, quase diários. E custam rios de dinheiro a um país a que já não restam muitos porquinhos mealheiros. Destaco três, recentes.

"Detalhe número 1: E, de repente, faltou o açúcar. As massas lançaram-se em histeria na direcção dos supermercados. Quem teria ousado fazer perigar as rabanadas e a aletria? Esvaziaram-se as prateleiras, culparam-se os países húmidos que nos fornecem, esconjurou-se o Governo. A venda quintuplicou. Um docinho para o negócio. E, afinal, por que raio faltou o açúcar? Pelos vistos, por causa de um pequenino detalhe: Bruxelas esqueceu-se dos alertas de quem, como Portugal, avisou para o facto de os países produtores estarem a virar-se para outras latitudes. Um ano volvido, chegou o amargo de boca.

"Mas o verdadeiro detalhe que nos escapou foi este: Portugal decidiu - e podemos agradecer ao ex-ministro da Agricultura Jaime Silva - encerrar uma fábrica de transformação de açúcar que chegou a produzir 70 mil toneladas. Fecharam-se as portas, empobreceu-se a agricultura, mas recebeu-se uma indemnização choruda da Comissão Europeia. Haja visão.

"Detalhe número 2: Lemos à primeira e não percebemos. Lemos à segunda e custa-nos a engolir. Mas, depois, ouvimos a explicação e ficamos em pânico. A Câmara de Matosinhos vai gastar 982 mil euros (leram bem) na compra de um pavilhão ilegal para o demolir de seguida. Tudo porque é inestético no contexto da orla marítima em que se insere e porque não lhe é dado uso. A Comissão de Coordenação da Região Norte torceu o nariz, mas, mesmo assim, a autarquia socialista vai avante, escudando-se no facto de 80% da verba brotar da torneira comunitária.

"É espantoso que não se tenham procurado soluções alternativas, mais baratas, ou que não se tenha decidido não decidir. E já nem vou perder tempo a discutir a moralidade do acto. O que isto configura é, pura e simplesmente, uma monstruosa falta de vergonha. Haja pudor".

Detalhe número 3: a rábula dos blindados. Para não fazermos má figura na arena internacional, encomendámos à pressa seis bisarmas sobre rodas. Porque as que tínhamos não eram modernas, não cheiravam a novo. Preço: cinco milhões de euros. Vieram só dois, já a cimeira da NATO tinha acabado. Faltam quatro. O ministro da Administração Interna exibiu mão firme: se não chegarem até ao fim do mês, Portugal pede uma indemnização. Pelo meio, ainda ficámos a saber que a PSP não queria receber emprestados os blindados da GNR porque tinham "apenas" 103 cavalos de potência e não estavam equipados com caixa automática.

Moral da história: gastámos dinheiro e tempo a encomendar um luxo de que não precisávamos e agora vamos castigar aqueles que não nos entregaram a horas uma coisa que não nos faz falta nenhuma. Haja um psiquiatra".

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