Com base numa vasta colecção de materiais recolhidos pelo Arquivo Ephemera, de José Pacheco Pereira, está a decorrer a exposição dedicada à censura durante o Estado Novo, intitulada “Proibido Por Inconveniente”.
Inaugurada no passado dia 7 de Abril, vai encerrar já no próximo dia 27
de Abril, na próxima 4ª feira, e é uma organização conjunta do Arquivo Ephemera
e da Câmara Municipal de Lisboa, no âmbito das comemorações do 25 de Abril.
Pode ser visitada no átrio das antigas instalações do Diário de
Notícias, localizado no topo da Avenida de Liberdade.
No dia do encerramento, 27 de Abril,
está programada a apresentação do livro “Censura, a construção de uma arma política do Estado Novo”, da autoria do curador da
exposição, Júlia Leitão de Barros, sessão que decorrerá às 17.30, seguindo-se, às 18.30, uma conferência
intitulada “O Que Nem Se Podia Pensar”, sobre a censura do pensamento e do
gosto.
Escreve José Pacheco Pereira no catálogo de apresentação da exposição:
“O grande feito da Censura existente em 48 anos foi deixar de herança
até aos nossos dias uma nostalgia de um Portugal onde todos se entendiam, onde
havia “consenso”, onde todos trabalhavam pelo “bem comum”, sem corrupção que
não fosse o roubo do pão pelos necessitados, onde havia “respeito” e boa
educação. Ou seja, uma nostalgia perversa do Portugal da ditadura.
“(…) Nunca ninguém se interroga por que razão nunca houve nada de parecido com a “operação Marquês” ao
longo dos extensos 48 anos de ditadura?
Não havia corruptos nos altos cargos da nação? Não havia corruptos na União
Nacional? Nenhum general, embaixador, deputado à Assembleia Nacional, ministro
ou secretário de estado, comandante da Legião ou graduado da Mocidade
Portuguesa, nenhum governador colonial, bispo, “meteu a mão na massa”? Ou houve
casos de corrupção que a Censura não nos deixou conhecer? Sem dúvida, como se
vê nos cortes da Censura, do mesmo modo que havia pedofilia, violência contra
as mulheres, violações, roubos e suicídios.
“Mas a resposta é pior ainda :
na havia corrupção porque não havia justiça para os poderosos do regime, e
apouca que havia era dos escalões intermédios para baixo. (…).
“Neste sentido, a Censura foi talvez a mais eficaz arma do regime da
ditadura, cujos efeitos ainda hoje estão submersos no nosso quotidiano. Muito
mais do que a subversão do “político”, o que a Censura protegia era o poder,
todas as hierarquias que dele emanavam, exigindo mais do que respeito,
“respeitinho”. Em 48 anos, em que não houve um único dia sem censura, foi este
o seu legado”.
Os excertos acima transcritos resumem bem a importância desta
exposição, onde se revela, entre o irónico, o ridículo, mas também o cuidado
literário de alguns pareceres dos censores, como a censura foi um dos pilares
do regime, cujo efeito se prolongou no tempo e se entranhou, ainda hoje, em
certos valores identificados como os do “bom português” e da “portugalidade”.
A exposição é para visitar demoradamente, com atenção aos pormenores,
deixando aqui algumas imagens da mesma, na visita que a ela efectuámos esta
semana, tendo sido surpreendidos pela oportunidade de a percorrer guiados por
José Pacheco Pereira.
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