Num sistema eleitoral democrático há uma verdade “à La Palice”:
ganha-se por um voto, perde-se por um voto.
Ou seja…em democracia ganha quem teve mais votos.
Contudo, se essa é uma “verdade” evidente, a democracia tem outros
princípios: o das negociações, da tolerância, do diálogo e do respeito pelas
minorias, não dando todo o poder ao partido mais votado e permitindo outro
género de combinações no parlamento formado em resultado das eleições.
Quanto mais avançada é uma democracia, maior é a importância da
negociação parlamentar.
É assim que, na maioria dos países europeus com democracias mais
antigas, é normal o governo ser formado por partidos diferentes daquele que
obteve mais votos, tudo dependendo do peso no parlamento de famílias politicas
mais à ”direita”, mais à “esquerda” ou mais ao “centro”.
E é assim que chegamos ao resultado eleitoral das “regionais”
madeirense.
À La Palice, diremos que ganhou o PSD.
Mas se começarmos a esmiuçar os resultados, a “verdade” é bem mais
complexa.
Em primeiro lugar devemos olhar para o histórico desse acto eleitoral.
Nesta perspectiva, o PSD perdeu, pela primeira vez em 43 anos, a maioria absoluta, confirmando uma tendência
de descida constante do seu peso eleitoral naquele aquipélago desde o início
deste século.
Mas não deixa de ser curioso que, não perdendo votos em relação às eleições de 2015 (até ganhou 121 votos
[56 569 em 2015, 56 448 este ano]), perde a maioria absoluta e perde 3
deputados.
Ou seja, foram mudanças eleitorais a jusante e a montante que
conduziram a um resultado menos favorável do PSD.
E quais foram essas mudanças?
Quanto a nós foram duas:
- a redução da abstenção (50,33% em 2015, 44, 49% em 2019);
- A concentração do votos de “esquerda” e da “oposição” num único
partido, o PS;
A redução da abstenção beneficiou o segundo partido mais votado, que
foi o PS. O mesmo se pode dizer à concentração dos votos da “oposição” neste
partido, que até terá beneficiado do voto de eleitores do CDS.
Para além do PSD perder a
maioria absoluta, existem outras novidades nestas eleições:
- O CDS, que era o líder da oposição na Madeira, perde esse estatuto
para o PS, perdendo também 4 deputados (de 7 para 3) e uma enormidade de
votantes. Tinha tido mais de 17 mil votos em 2015 e pouco ultrapassou os 8 mil
agora, e, pelo que se vê, a maioria desses votos não foi para o PSD. Contudo,
depende deste partido a formação do próximo governo regional. Perdendo por
muito, o CDS tornou-se o partido charneira para um acordo de governo. Um
derrotado que se torna um vencedor da noite eleitoral.
- O PS quase quadruplicou o seu eleitorado, obtendo o seu melhor
resultado de sempre naquele arquipélago. Beneficiou de ter concentrado em si o
voto da “esquerda” , mas também da oposição de direita e do centro (CDS e Juntos Pelo Povo).
Se somarmos os votos perdidos pelo CDS (cerca de 8 mil) os votos
perdidos pelo JPP (mais de 6 mil votos), pelo PCP (quase 5 mil votos perdidos)
e pelo Bloco de Esquerda (quase 2 mil votos) , obtemos mais de 20 mil votos.
Contudo este número representa pouco mais de metade dos votos que o PS somou
nestas eleições (quase mais 37 mil votos), indo buscar votos à abstenção.
Também pode ter acontecido que, dando de barato que os 8 mil votos
perdidos pelo CDS foram maioritariamente para o PSD, permitindo que este
partido não tenha perdido votos, então alguns eleitores do PSD transferiram-se
para o PS.
Resumindo e concluindo, o PS beneficiou do voto útil, vindo dos mais
variados sectores ideológicos, o PSD aguentou-se pelo voto útil da direita, mas
revela um desgaste que parece irreversível, sendo uma questão de tempo vir a
perder a Madeira.
O CDS, sendo um dos derrotados se olharmos para “La Palice”, acabou
como um dos vencedores da noite. Perdendo ganhou poder negocial.
Grandes derrotados da noite foram a CDU e o Bloco de Esquerda.
A CDU perdeu quase 5 mil votos, mas perdeu apenas um deputado e
conseguiu ultrapassar o BE, mantendo um representante no parlamento.
O Bloco de Esquerda teve um dos piores resultados de sempre na Madeira,
perdendo quase 2 500 votos e os seus dois deputados.
O populismo representado no parlamento da Madeira pelos PND e pelo JPP sofreram igualmente uma
significativa derrota. Tinham, no total, 6 deputados. Passam agora a ter apenas
3, eleitos pelo JPP.
Podemos extrapolar esses resultados para a situação continental?
A situação é diferente, mas algumas comparações podem ser feitas.
Parece evidente o declínio do CDS, situação menos perceptivel devido às
condições próprias da politica regional.
O PSD, apesar de tudo, aguenta os seus eleitores, mas não consegue
conquistar nada de novo.
O PS beneficia da concentração
do voto à esquerda, situação que, a repetir-se no continente, lhe pode dar uma
maioria absoluta nas próximas eleições legislativas.
O PCP e o BE afunda-se com o voto útil no PS, sem obter ganhos com essa
situação, embora o PCP pareça aguentar-se melhor, nessa situação, que o BE.
Dos partidos emergentes, é significativo que o PAN tenha ultrapassado
1,5% de votos, percentagem que no Continente lhe pode dar uma representação
parlamentar razoável.
Tanto a Aliança como Chega tiveram um resultado desastroso na Madeira,
mas no Continente a história pode ser outra, não se repetindo a concentração do
voto útil da direita no PSD.
Uma nota final para denunciar a atitude arrogante e intolerante do discurso de “vitória” de
Albuquerque em relação aos “vencidos” e rivais. Um mau sinal, e a que já não
estamos habituados a ouvir aqui no Continente em nenhum quadrante política (com
a excepção da extrema-direita).
Sem comentários:
Enviar um comentário