Pesquisar neste blogue

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Eleições na Madeira – Das verdades de La Palice às muitas interpretações.



Num sistema eleitoral democrático há uma verdade “à La Palice”: ganha-se por um voto, perde-se por um voto.

Ou seja…em democracia ganha quem teve mais votos.

Contudo, se essa é uma “verdade” evidente, a democracia tem outros princípios: o das negociações, da tolerância, do diálogo e do respeito pelas minorias, não dando todo o poder ao partido mais votado e permitindo outro género de combinações no parlamento formado em resultado das eleições.

Quanto mais avançada é uma democracia, maior é a importância da negociação parlamentar.
É assim que, na maioria dos países europeus com democracias mais antigas, é normal o governo ser formado por partidos diferentes daquele que obteve mais votos, tudo dependendo do peso no parlamento de famílias politicas mais à ”direita”, mais à “esquerda” ou mais ao “centro”.

E é assim que chegamos ao resultado eleitoral das “regionais” madeirense.

À La Palice, diremos que ganhou o PSD.

Mas se começarmos a esmiuçar os resultados, a “verdade” é bem mais complexa.

Em primeiro lugar devemos olhar para o histórico desse acto eleitoral.

Nesta perspectiva, o PSD perdeu, pela primeira vez em 43 anos, a  maioria absoluta, confirmando uma tendência de descida constante do seu peso eleitoral naquele aquipélago desde o início deste século.

Mas não deixa de ser curioso que, não perdendo votos em relação às  eleições de 2015 (até ganhou 121 votos [56 569 em 2015, 56 448 este ano]), perde a maioria absoluta e perde 3 deputados.

Ou seja, foram mudanças eleitorais a jusante e a montante que conduziram a um resultado menos favorável do PSD.

E quais foram essas mudanças?

Quanto a nós foram duas:

- a redução da abstenção (50,33% em 2015, 44, 49% em 2019);
- A concentração do votos de “esquerda” e da “oposição” num único partido, o PS;

A redução da abstenção beneficiou o segundo partido mais votado, que foi o PS. O mesmo se pode dizer à concentração dos votos da “oposição” neste partido, que até terá beneficiado do voto de eleitores do CDS.

Para além do PSD  perder a maioria absoluta, existem outras novidades nestas eleições:

- O CDS, que era o líder da oposição na Madeira, perde esse estatuto para o PS, perdendo também 4 deputados (de 7 para 3) e uma enormidade de votantes. Tinha tido mais de 17 mil votos em 2015 e pouco ultrapassou os 8 mil agora, e, pelo que se vê, a maioria desses votos não foi para o PSD. Contudo, depende deste partido a formação do próximo governo regional. Perdendo por muito, o CDS tornou-se o partido charneira para um acordo de governo. Um derrotado que se torna um vencedor da noite eleitoral.

- O PS quase quadruplicou o seu eleitorado, obtendo o seu melhor resultado de sempre naquele arquipélago. Beneficiou de ter concentrado em si o voto da “esquerda” , mas também da oposição de direita  e do centro (CDS e Juntos Pelo Povo).

Se somarmos os votos perdidos pelo CDS (cerca de 8 mil) os votos perdidos pelo JPP (mais de 6 mil votos), pelo PCP (quase 5 mil votos perdidos) e pelo Bloco de Esquerda (quase 2 mil votos) , obtemos mais de 20 mil votos. Contudo este número representa pouco mais de metade dos votos que o PS somou nestas eleições (quase mais 37 mil votos), indo buscar votos à abstenção.

Também pode ter acontecido que, dando de barato que os 8 mil votos perdidos pelo CDS foram maioritariamente para o PSD, permitindo que este partido não tenha perdido votos, então alguns eleitores do PSD transferiram-se para o PS.

Resumindo e concluindo, o PS beneficiou do voto útil, vindo dos mais variados sectores ideológicos, o PSD aguentou-se pelo voto útil da direita, mas revela um desgaste que parece irreversível, sendo uma questão de tempo vir a perder a Madeira.

O CDS, sendo um dos derrotados se olharmos para “La Palice”, acabou como um dos vencedores da noite. Perdendo ganhou poder negocial.

Grandes derrotados da noite foram a CDU e o Bloco de Esquerda.

A CDU perdeu quase 5 mil votos, mas perdeu apenas um deputado e conseguiu ultrapassar o BE, mantendo um representante no parlamento.

O Bloco de Esquerda teve um dos piores resultados de sempre na Madeira, perdendo quase 2 500 votos e os seus dois deputados.

O populismo representado no parlamento da Madeira pelos PND  e pelo JPP sofreram igualmente uma significativa derrota. Tinham, no total, 6 deputados. Passam agora a ter apenas 3, eleitos pelo JPP.

Podemos extrapolar esses resultados para a situação continental?

A situação é diferente, mas algumas comparações podem ser feitas.

Parece evidente o declínio do CDS, situação menos perceptivel devido às condições próprias da politica regional.

O PSD, apesar de tudo, aguenta os seus eleitores, mas não consegue conquistar nada de novo.
O PS  beneficia da concentração do voto à esquerda, situação que, a repetir-se no continente, lhe pode dar uma maioria absoluta nas próximas eleições legislativas.

O PCP e o BE afunda-se com o voto útil no PS, sem obter ganhos com essa situação, embora o PCP pareça aguentar-se melhor, nessa situação, que o BE.

Dos partidos emergentes, é significativo que o PAN tenha ultrapassado 1,5% de votos, percentagem que no Continente lhe pode dar uma representação parlamentar razoável.

Tanto a Aliança como Chega tiveram um resultado desastroso na Madeira, mas no Continente a história pode ser outra, não se repetindo a concentração do voto útil da direita no PSD.

Uma nota final para denunciar a atitude arrogante  e intolerante do discurso de “vitória” de Albuquerque em relação aos “vencidos” e rivais. Um mau sinal, e a que já não estamos habituados a ouvir aqui no Continente em nenhum quadrante política (com a excepção da extrema-direita).

Sem comentários: