Foi em Abril de 1969 que se iniciou um dos momentos mais significativos
da oposição ao Estado Novo.
Marcelo Caetano tinha acabado de substituir Salazar, que continuava a
agonizar, ignorando que já não mandava em nada.
Os ventos do Maio de 68 em França chegavam à universidade portuguesa e
o clima de esperança pelo afastamento de Salazar dava coragem e alento para que
a sociedade portuguesa se começasse a abrir.
Coube aos estudantes de Coimbra dar o sinal de partida quando, em 17 de
Abril, na presença do presidente de República Américo Thomaz, e do Ministro da
Educação, José Hermano Saraiva, o recém eleito presidente da Associação de
Estudantes, Alberto Martins, actual deputado do PS, pediu a palavra, palavra
recusada por Américo Thomaz.
A comitiva presidencial, que estava ali para inaugurar uma nova sala do
curso de matemática da Universidade, saiu sob vais dos alunos e a contestação prosseguiu
nas ruas de Coimbra, durando até ao Verão e espalhando-se às restantes
universidades portuguesas, motivando a prisão de dezenas de estudantes e a
integração compulsiva de muitos deles nas Forças Armadas e o seu envio para a
Guerra Colonial.
Há quem diga que essa atitude contribuiu para politizar as Forças
Armadas e aumentar, no seu seio, o descontentamento contara a Guerra e o
regime, conduzindo ao 25 de Abril.
Não tencionamos aqui fazer a história desse movimento, já contada pelos
protagonistas em diversos estudos (Peço a Palavra – Coimbra 1969, por Alberto
Martins, ed. Verbo; Coimbra, 1969, por Celso
Cruzeiro, ed. Afrontamento; O Processo – Documentos da Crise Académica. Coimbra
1969, por Gualberto Freitas, ed. Afrontamento).
Pessoalmente, foi nessa ocasião, numa visita a Coimbra, que me deparei
com a realidade repressiva do regime.
Sendo filho de oposicionista e ex-preso politico, apesar dos meus 13
anos, tinha a noção do que era o regime e do que era viver em ditadura.
Mas nunca tinha assistido ao vivo à actuação repressiva das forças do
regime.
Como o meu pai era de Coimbra e viviam lá os meus avós, todos os anos,
pelo verão, fazíamos uma viagem de ida e volta, de um dia, para visitar os meus
avós.
Como o meu pai não tinha carro, íamos de comboio, na linha do Oeste,
numa viagem que era uma autêntica aventura de várias horas, que começava de
madrugada e terminava em Coimbra por volta da hora do almoço que tinha lugar em
casa dos meus avós, para regressarmos ao final da tarde e chegar a Torres Vedras
ao final da noite.
Os meus avós viviam numa casinha modesta, no final de uma rua estreita (Travessa do Quebra Costas),
que se iniciava no largo da Sé Velha de Coimbra, ao lado da República dos
Kágados e perto do lugar onde viveu Zeca Afonso (hoje evocado numa placa
próxima).
Num ano, que só mais tarde me apercebi que foi o de 1969, o meu pai, levado
pela curiosidade dos acontecimentos que ele seguia, resolveu levar-nos à zona da Universidade,
subindo pela rua à esquerda da Sé Velha, que desemboca junto do Museu Machado
de Castro e daí seguimos em direcção à Universidade, deparando-nos com um
grande aparato policial, de jipes com militares e tropas da policia de choque,
que rapidamente se movimentavam para dispersar qualquer pequeno ajuntamento de
pessoas, estudantes ou não.
Alguns desses militares dirigiram-se ao meu pai, que inventou uma
história sobre morar para os lados da universidade, história em que a policia
acreditou, talvez pelo ar familiar do grupo constituído pelo meu pai, pela
minha mãe e por dois filhos menores.
Foi assim que, pela primeira vez, me deparei com a acção policial,
presente em força naquela zona, sempre atento ao mais pequeno ajuntamento,
berrando ordens de dispersão.
Embora nessa altura (não sei se em Julho ou se em Agosto), a revolta, que atingiu o seu auge na época dos exames de Junho e Julho, já
estivesse em refluxo, essas imagens das forças policiais marcaram-me para
sempre e, a esse aparato, só voltei a assistir em Torres Vedras por ocasião da
campanha eleitoral de Outubro de 1973.
Tenho em meu poder um conjunto de folhetos com cartoo’s, num estilo
naif, que foram distribuídos pelos estudantes de Coimbra durante aquele
período, para denunciar o regime de então, os quais aqui reproduzo, como
evocação desse momento:
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