Tradicionalmente, neste dia, a comunicação social esmerava-se por
inventar a mais criativa e verosímil mentira que levasse os seus leitores, pelo
menos por alguns segundos,a acreditarem que tudo aquilo era verdade.
Hoje as mentiras, que usam o
pomposo nome de “fake news”, são diárias, não respeitam a tradição do 1 de
Abril, e é cada vez mais difícil distinguir
as verdades das mentiras, até porque muitas “verdades verdadeiras” até parecem
mentiras, pelo absurdo das situações e afirmações de gente “responsável”.
Bolsonaro, Maduro ou Trump são mestres desse absurdo.
Mas a mentira mais famosa na comunicação social portuguesa aconteceu em
Fevereiro de 1971, por altura do Carnaval.
Um grupo de amigos encenou a visita de um grupo de magnatas “árabes” do
petróleo que vinha a Portugal propôs vários negócios.
O jornal “O Século”, avisado pelo crédulo dono do Tavares Rico, caiu na esparrela e, a mando do chefe de
redacção José Mensurado, mandou o jornalista Roby Amorim para o restaurante “Tavares
Rico” onde os “árabes se banqueteavam”, sem que o jornalista reparasse nas garrafas de vinho espalhadas pela mesa, "costume" muito pouco "árabe", pelo menos em público.
Apenas Pinto Balsemão, administrador do Diário Popular, sabia da
fraude, tendo sido convidado a colaborar com o envio de dois fotógrafos, para
tornarem a coisa mais real, mas acabou por não enviar ninguém.
No dia seguinte, 13 de Fevereiro, O Século, jornal do regime, titulava
em toda a primeira página, acompanhada da fotografia que reproduzimos em cima:
"Uma missão da Arábia
Saudita, presidida exatamente pelo príncipe Iben Seddack (primo de Iben Saud),
esteve em Lisboa quase 48 horas e o assunto foi o petróleo."
Foi tudo uma brincadeira encenada por um grupo de amigos, “meninos
bem” de Lisboa, o recém falecido Nicha Cabral, Manecas Mocelkek, que veio a ser
gerente de discotecas, Frederico Abecassis, o chef Michel, Manuel Correia, Eduardo
Oliveira Rocha e Jorge Correia de Campos.
No livro de Joana Vilela “Lisboa LX70” alguns dos intervenientes
foram entrevistados, contando como tudo se passou, e é nela que nos baseamos
para descrever esse célebre acontecimento que ridicularizou o jornalismo
português e as autoridades da época.
Reunidos no Stones aquele grupo começou a congeminar a brincadeira.
Para dar mais verosimilhança ao episódio, recorreram ao Rolls
Royce de Correia de Campos e ao Mercedes
bem novinho em folha de Nicha Cabral, para
conduzir a comitiva do aeroporto ao Tavares Rico.
A roupa foi emprestada pelo embaixador de Marrocos ao chefe Michel,
que já tinha vivido em Marrocos, e o resto foi alugado numa casa de fatos de
carnaval.
A comitiva fez-se acompanhar por dois falsos “fotógrafos” do "Paris-Match" e chegou ao restaurante com grande pompa, o que levou a policia a
interromper o trânsito para a deixar passar.
Nicha Cabral fazia-se passar por segurança do “príncipe” e provava
toda a comida, recusando-a ou aprovando-a.
Chegado ao restaurante, o jornalista de O Século entrevistou os
falsos árabes, que inventavam uma conversa em “árabe” entre si, que era “traduzida”
para o jornalista pelo chef Michel.
As autoridades portuguesas ficaram alertadas com a notícia publicada
pelo “Século”, porque não sabiam de nada.
Marcelo Caetano telefonou irritado para o Ministro dos Negócios
Estrangeiros, Rui Patricio, que também de nada sabia.
A notícia correu o mundo,
primeiro acreditando na esparrela, gerando até expectativa na bolsa de Nova Iorque e, depois, gozando com a forma como os
jornalistas e as autoridades portuguesas tinham sido enganadas.
O “Diário Popular” foi o primeiro a denunciar a fraude, em 14 de
Fevereiro e O Século, na edição de 17 de Fevereiro, indignado, desculpou-se
pelo erro cometido.
Os envolvidos ainda foram ouvidos pela PIDE e pelo Governo Civil,
mas não tinham nada por onde pegar, até porque a conta do jantar , cerca de 500
escudos (mais que um ordenado médio na altura), tinha sido paga, estava-se em plena época carnavalesca e continuar a
dar importância ao assunto era agravar o descrédito dos serviços informativos e
das autoridades portuguesas.
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