Já pouca coisa nos surpreende nas intensões deste governo em
destruir o efémero e já de si pouco consistente “Estado Social” português.
O oportunismo em avançar com “reformas” para o destruir e
entregar as suas funções à voragem de alguns interesses privados, nomeadamente
aqueles que sempre têm vivido à sombra do Estado e dos fretes feitos aos
partidos do centrão, empregando nas suas administrações muitos dos seus
políticos “reformados”, e deixar os restos a instituições de “caridade”, muitas
delas lideradas pela má consciência dos “caciques” locais e partidários , tem
sido evidente na intensão de “ir além da Troika” e aproveitar a desculpa da
“crise financeira” pela qual muitos desses políticos e desses “empresários”
foram os primeiros responsáveis.
O próximo alvo a abater é o ensino público.
No meu tempo o ensino
só era obrigatório até à 4ª classe, mas mesmo assim, à data do 25 de
Abril, mais de 2/3 da população era analfabeta e a maioria que não o era,
exibia níveis de literacia muito baixos. Essa situação convinha à ditadura,
pois quanto maior fosse a ignorância melhor as suas elites garantiam o seu
próprio futuro.
Também no meu tempo, quem terminasse a 4ª classe tinha duas
opções: ou ía trabalhar, maioritariamente na agricultura, ou continuava a
estudar. Os raros casos daqueles que continuavam a estudar, até porque estudar
era muito pouco valorizado socialmente entre as classes populares, ou seguia o
ensino técnico e comercial, tanto mais
importante quanto mais cresciam as necessidades de mão-de-obra para as
industrias em expansão a partir dos anos 50, ou seguia o ensino liceal, o único
que garantia o acesso a cargos da administração ou ao ensino superior.
O modo mais fácil de “separar o trigo do joio”, isto é,
garantir que os únicos que chegassem ao ensino superior fossem maioritariamente
oriundos das classes mais ricas e poderosos, o mesmo é dizer, na maior parte
dos casos, dos filhos dos apoiantes e dignatários do regime, era aplicar uma
propina elevada para os que optassem pelo ensino “liceal”.
O meu pai era um homem que presava muito a cultura e o
conhecimento e que, apesar de ter por habilitações o “ensino comercial”,
valorizava muito o prosseguimento de estudos para os seus filhos.
Com grande sacrifício pagava todos os meses cerca de 200
escudos, mais que 10% do seu ordenado, para me colocar a estudar no liceu e o
liceu era de facto elitista. Com algumas excepções ( e esses ficaram meus
amigos para a vida), muitos alunos
faziam questão de demonstrar a mim, e a outros como eu, oriundos de uma classe
mais baixa, que eram eles que mandavam, porque eram os filhos daqueles que mandavam no concelho.
No geral, essas diferenças sociais acentuavam-se entre os alunos do liceu e da escola
“técnica”, sendo estes últimos geralmente mal vistos ou desprezados pelos
primeiros.
Só com a morte do “botas” e com a reforma Veiga Simão este
estado de coisas conheceu grandes alterações, que se acentuaram com o 25 de
Abril.
A pouco e pouco, desde os anos 70, o ensino em Portugal
conheceu enormes progressos que actualmente, de forma desonesta e falaciosa, se
tentam desvalorizar, com o objectivo de justificar o actual ataque ao ensino
público.
Claro que não temos os índices médios dos países mais
desenvolvidos da União Europeia. Mas muitos desses países já tinham
praticamente acabado com o analfabetismo na primeira metade do século XX.
Por isso o país partia com décadas de atraso, correspondendo
a diferenças estatísticas de dois ou mais dígitos em relação a esses países,
contra esses nossos parceiros. Hoje discutimos difrenças rídiculas de décimas ou poucas unidades percentuais.
Por isso certas
comparações estatísticas que por aí aparecem são falaciosas e reveladoras da má
fé dos que a presentam.
As alarvidades de muitos comentadores, lançadas contra os
professores e o ensino público, de freio nos dentes a partir dos tempos negros
de Maria de Lurdes Rodrigues, muito têm contribuído para generalizar uma ideia
errada sobre a realidade do ensino em Portugal, com consequências desastrosas
nas decisões políticas de alguns liliputianos responsáveis políticos que têm
passado pelo Ministério da Educação que agem para agradar àqueles opinadores.
Também os rankings das escolas têm contribuído para acentuar
a falácia da diferença entre o ensino público e o privado. Aqueles que conhecem
o meio sabem bem como se fabricam bons resultados para esses rankings. A
inclusão ou a exclusão social e cultural estão na origem dessas diferenças e é esta a única diferença que pode avaliar o trabalho e o valor de uma escola e dos seus professores. No combate à exclusão e no trabalho de inclusão ninguém bate a escola pública, mesmo que o faça à custa das boas notas para "ranking" "ver".
Ensinar não é um campeonato de futebol.
Mas parece que o irresponsável e ignorante primeiro-ministro
de Portugal não percebe nada disso e parte para a sua “reforma” com a cabeça
cheia de preconceitos sobre a escola pública.
É tempo de todos aqueles que acreditam no ensino público
fazerem alguma coisa para impedir esse novo crime que se está a preparar contra
um dos pilares da democracia portuguesa.
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