Depois de uma agência norte-americana (ver abaixo) e da Troika virem defender cortes nos salários, na senda da “original” decisão do governo em aumentar o horário de trabalho não pago, agora é a vez dos “limpa-fundos”, comentadores, economistas e professores universitários, virem a terreno em defesa da ideia, apontando as soluções técnicas “mais adequadas” para por em prática essa “ordem”.
A frieza com que tratam o assunto, num país de salários baixos, onde uma parte considerável dos trabalhadores vive abaixo do limiar de pobreza e onde existem as maiores desigualdades salariais da Europa, para além de já ser um dos países da zona euro onde mais se trabalha, trouxe-me à memória um livro que li aqui há uns anos sobre o holocausto, do qual não me recordo neste momento o nome.
Esse livro tratava o holocausto, não pela sua história, pelo sofrimento que provocou ou pelo lado político e ideológico, mas pela análise da burocracia que o alimentou.
Era incrível a quantidade de “técnicos” e “especialistas” da industria, dos transportes, do mundo financeiro, económico e da gestão que, longe do local do crime, tendo provavelmente prosseguido normalmente a sua vida depois da guerra, tinham como trabalho o seu empenho em que tudo “corresse bem”, desde a gestão dos horários dos “combóis da morte”, a contabilização de “peças” transportadas e até as preocupações tecnológicas para tornar eficiente o funcionamento dos fornos crematórios, para lá da gestão dos bens, dos mortos e dos prisioneiros, tudo com a conhecida frieza objectiva dos números, numa linguagem técnica e burocrática, igual àquela com que hoje, em circunstâncias diferentes, se fala da “necessidade” de retirar salários e direitos a quem trabalha.
Também nos nossos dias ninguém se preocupa com o sofrimento e a miséria que essas decisões provocam na vida de milhões de cidadãos por essa europa fora.
Claro que as duas coisas não são, por agora, comparáveis, mas a frieza distanciada e objectiva dos “especialistas” é parecida.
Talvez não tenha sido por acaso que, na Declaração Universal dos Direitos do Homem, assinada pelos membros da ONU no pós-guerra, se tenha colocado ao mesmo nível, como um avanço civilizacional considerável, a aceitação, no mesmo pé, dos direitos “tradicionais”, o direito à vida, à justiça, à liberdade, à democracia, e os “novos” direitos, os salariais, os do trabalho e os socias no geral.
Perceberam os homens que elaboraram esse documento que, sem dignidade social, não há dignidade humana e que, antes do holocausto, a miséria social generalizada na Europa abriram o caminho aos totalitarismos que mergulharam o continente (e o mundo) na barbárie.
Será que a história, afinal, se repete?
Portugal precisa de desvalorização de 22% - Economia - PUBLICO.PT (clicar para ler)
1 comentário:
Desde miúdo que comecei a distinguir as aves da rapina, das demais que são comidas por estas. Como me lembro do peneireiro a peneirar em círculos sobre os pintos. Mais tarde com o cheiro a carne putrida, comecei a ver os abutres e agora vejo todo um conjunto de águias que voam com rapidez para capturar a presa:
AVES DE RAPINA
E a ave de rapina
ou a ave rapinante
é uma ave tão fina
como governante:
-
bicos recurvados
bicos pontiagudos
atingem coitados
e até ficam mudos!
-
com garras fortes
e visão de alcance
fazem seus cortes
em todo um lance!
-
e ágeis na captura
ai de seu alimento
levam da criatura
todo seu sustento!
-
levam uns peixes
como o linguado
e ó zé não deixes
inda ser capturado!
-
como são suaves
ai pelo ar voando
e uma destas aves
é um tal Armando!
-
e no seu voo fino
por vezes picado
voa certo Isaltino
já foi magistrado!
-
e se tu não nutres
por eles o carinho
deixa uns abutres
ai como Godinho!
-
e não tens amores
ai à ave traiçoeira
deixa já os açores,
a ave da Madeira!
-
deixa um peneireiro
deixa voar o falcão
por ser o primeiro
a peneirar a Nação!
-
e de águia o olho
ai tem no seu voar
franze o sobrolho
é só a nos gamar!
-
é só ave de rapina
ai que tem quintal
vejam só esta sina
que tens Portugal!
-
Eugénio dos Santos
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