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sábado, 11 de dezembro de 2010

PISA com P de PROPAGANDA

Foram divulgados esta semana os resultados do estudo PISA, realizado pela OCDE e que avalia o desempenho dos jovens que tinham 15 anos em 2009, em áreas como a Matemática, a Ciência e a Língua Materna.

Portugal, ao contrário do que acontecia em anos anteriores, revelou resultados melhores do que aqueles a que estávamos habituados.

Todos aqueles que trabalham no ensino público em Portugal, nomeadamente os professores, devem sentir-se orgulhosos com os resultados desse relatório que vem desmentir as campanhas negras de que estes profissionais têm vindo a ser vítimas desde 2005.

Aliás, o papel dos professores nesses resultados é de tal forma evidente que José Sócrates não pode deixar de, cinicamente, elogiar o desempenho desses profissionais para a obtenção desses resultados.

Não deixa de ser irónico esse elogio, vindo de quem mais fez dos professores o principal alvo do seu combate político contra as “corporações” e os “privilégios”, retirando-lhes influência e poder nas escolas, aumentando-lhes a carga horária e o trabalho burocrático, aos mesmo tempo que lhe retirou direitos, congelou carreiras e salários, preparando-se até para reduzir os salários de uma parte considerável dos professores, alguns dos quais vão passar a receber em 2011 um salário inferior ao que recebiam em 2005.

É igualmente reveladora a forma como alguma comunicação social se deixou arrastar pela propaganda governamental, tentando colar esses resultados à política educativa deste governo, ressuscitando Maria de Lurdes Rodrigues.

Seria importante esclarecer que os alunos que participaram nestes testes tinham 15 anos em 2009, o ano a que se referem esses dados, e hoje terão uns 16 ou 17 anos, logo não foram “beneficiários”, durante a maior parte do seu percurso escolar, das medidas impostas à educação por este governo (com algumas das quais, devo dizê-lo, até concordo).

Só em 2013 ou 2014 é que chegarão os alunos “criados” pelas políticas educativas “socráticas”, e só então será possível aferir do seu resultado.

Por outro lado, duvido que qualquer outro governo avaliado nesse relatório tenha feito a sua divulgação com idêntico e aparatoso espectáculo de propaganda a que assistimos por cá (aliás, quanto custa e quem paga a propaganda a que este governo recorre, por tudo e por nada, e que se tem revelado a principal marca de água de José Sócrates?).

Quanto a nós há que relativizar a importância desses resultados, em primeiro lugar porque a sua execução obedece a um preconceito ideológico, que está na base da própria estrutura da OCDE, a qual, sem se negar competência técnica, valoriza os aspectos quantitativos em vez dos qualitativos, uma educação competitiva em detrimento de uma educação humanista, e os grandes resultados macro económicos e estatísticos que muitas vezes pouco esclarecem sobre a realidade concreta.

Será interessante ouvir algumas vozes discordantes ou que relativizam esses resultados, geralmente pouco ouvidas nos grandes meios de comunicação social.

O Público de 4ª feira chamava a atenção, num artigo assinado por Clara Viana, e que pode ser lido na integra AQUI, para a opinião crítica de vários investigadores internacionais sobre os resultados desse relatório: “O que se mede nesta avaliação internacional? Apenas conhecimentos básicos, que são úteis para a vida quotidiana, e não as competências por disciplina que, normalmente, um aluno de 15 anos já terá adquirido, apontam investigadores norte-americanos. Segundo eles, ao comparar sistemas de ensino com base neste tipo de avaliação pode-se estar a desvirtuar resultados”.

No mesmo sentido vai a opinião da socióloga francesa Nathalie Bulle, considerando “que o PISA está a modificar as políticas de ensino, impondo-lhes uma "orientação normativa". Trabalha-se sobretudo para os resultados e isso pode contribuir para aumentar as desigualdades, afirma. Segundo ela, o declínio nas escolas francesas, registado desde a década de 80, tem por detrás políticas que têm seguido as orientações da OCDE e que se apoiam "numa lógica comparativa redutora" que está a matar a "matriz da educação formal".

Em Portugal também surgem algumas vozes críticas, hoje referidas noutro artigo do Público, assinado por Natália Faria e que pode ser lido integralmente AQUI.

Santana Castilho, por exemplo denuncia o facto de "o que estes testes medem são conhecimentos muito básicos e imediatamente utilitários", lembrando que as “coisas em educação não são mensuráveis nem tangíveis como nas fábricas de calçado” e acrescentando que “o que aqui está em causa é uma visão redutora dos conhecimentos dos alunos".

"Quando eles concluem que é fabulosa a diminuição do insucesso escolar dos alunos, dão-me vontade de rir. Em que é que eles se baseiam? Nas fontes documentais e nos dados estatísticos fornecidos pelos governos, e que, em Portugal, são manipulados. Qualquer professor sabe que a carga administrativa para impedir as retenções dos alunos é diabólica e que por isso é que tivemos esta diminuição fabulosa das retenções” , recordando que são “os governos que dizem à OCDE quais são as escolas que devem entrar neste estudo e eu não concordo com isso".

No mesmo sentido vai a opinião de Sérgio Niza, pedagogo e fundador da “Escola Moderna”, lamentando “que estejamos a falar de "resultados contabilizados através de testes que encerram uma perspectiva muito redutora", notando “que os países que melhor saem na fotografia são os do Pacífico, "com sistemas altamente centralizados e ditatoriais". Dito doutro modo, Portugal melhorou porque "as políticas são pensadas no sentido de garantir bons resultados nos testes, em detrimento de outros valores”.

Também Nuno Crato desvaloriza a importância deste relatório: "as questões que o PISA avalia são questões de aplicação da Matemática em situações do dia-a-dia, muito simples". Logo, "uma melhoria de desempenho no PISA não significa nada em termos de melhoria de desempenho curricular".

Por último, será curioso comparar a posição ocupada por alguns países no PISA (que avalia 65 países) com o que ocupam no recentemente divulgado relatório da ONU sobre o Desenvolvimento Humano (que avalia 169 países), naquilo que pode ser comparável e tendo em conta que a Educação tem, neste último relatório anual, um peso significativo na classificação e que os trinta países melhor classificados neste último, elaborado com base em dados de 2009, também foramavaliados no PISA.

Dos dez países mais bem colocados em Desenvolvimento Humano, apenas 4 fazem parte da lista dos dez melhores do PISA, e todos em posições inferiores às que ocupam naquele mesmo relatório da ONU.

Por exemplo, a Noruega, que ocupa o 1º lugar em Desenvolvimento Humano, ocupa no PISA um modesto 12º lugar.

O primeiro lugar do PISA é ocupado pela cidade chinesa de Xangai, pertencente e sujeita ao modelo de ensino da República Popular da China que ocupa o 89º lugar no índice de desenvolvimento humano, para além de ser um regime ditatorial.

Portugal que ocupa o 40º lugar em desenvolvimento humano, surge no PISA num destacado 27º lugar, “encostado” à Alemanha (20ºno PISA, 10º no IDH), à Irlanda (21º no PISA e 5º do IDH), à França (22º e 14º, respectivamente), Dinamarca (24º e 19º respectivamente) e Grã Bretanha (26º e 26º, respectivamente, e à frente de países como a Itália(29º e 23º); Espanha (33º e 20º), Israel (37º e 15º), Luxemburgo ( 38º e 24º), ou da Áustria (39º e 25º).

A grande diferença entre as posições ocupadas pelos países referidos nos dois relatórios, comparativamente com a situação de Portugal, devia dar que pensar a todos aqueles que dão muita importância desmesurada a esse tipo de relatórios macro-estruturais e que deles se servem para tomar decisões políticas que afectam toda a gente e têm efeitos de longo prazo.

Quando um dos responsáveis na OCDE por este relatório atribui os bons resultados de Portugal à “avaliação dos professores”(!) e a um “controlo sério da qualidade de ensino”(!), está tudo dito sobre a seriedade intelectual deste tipo de relatórios.

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