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segunda-feira, 25 de novembro de 2024

O 25 de Novembro dos pequeninos


Anda por aí um grande reboliço à volta das comemorações do 25 de Novembro.

Uma certa direita revanchista e intolerante, apoiada na ignorância atrevida das redes sociais,  pretende fazer dessa data uma espécie de anti-25 de Abril, tentando reescrever a história.

Muito do que se passou nesse tempo ainda é desconhecido ou vive sob uma cortina de fumo lançada pelo combate e pelo preconceito ideológico que marcavam a época e, hoje, cada vez mais, marcam a interpretação desses factos.

Contudo, já existe um bom leque de historiadores que nos esclareceram, de forma objectiva sobre o verdadeiro significado dessa data, um Pacheco Pereira, uma Irene Flunser Pimentel, uma Maria Inácia Rezola, um António Costa Pinto…., sem esquecer a memórias de muitos protagonistas, de um Vasco Lourenço a um Salgueiro Maia, de um Costa Gomes a um Victor Alves, e tantos outros.

Por eles, pelo menos, ficamos a saber o que não foi o 25 de Novembro:

Não foi o tão apregoado fim do PREC ou do Gonçalvismo. Estes já estavam em declínio ou arredados do poder;

Não foi uma tentativa de tomada do poder pelo PCP, este apenas pretendia garantis a sua influência junto dos sindicato e de certos sectores do Estado;

Não foi uma tentativa de controle soviético do país, pois essa não era o objectivo do poder soviético para Portugal;

Não foi um golpe de estão esquerdista, apenas um protesto mal amanhado de uma parte militar;

Não foi o fim das conquistas do 25 de Abril;, pois estas foram consagradas na Constituição de 1976;

Não foi o regresso do “fascismo”, pois o grupo revanchista que se colou ao 25 de Novembro, o de Jaime Neves e outros, foi igualmente travado nessa data;

Não foi a vitória da democracia sobre o “totalitarismo”, pois não, só não existia um regime totalitário, como a democracia só se viu totalmente consagrada e consolidada entre 1976 e 1981;

Tudo isso são mitos cridos por ambos os lados da barricada.

Não foi muitas outras coisas que vamos ouvir hoje a ser dita na Assembleia da República nas bancadas mais à direita….

Quanto muito o 25 de Novembro foi o momento de recolocar nos carris o projecto inicial do 25 de Abril, que só se completaria em 1976 com as eleições para os vários órgãos de poder democrático e popular e a aprovação da Constituição.

O 25 de Abril foi um dia inicial, o 25 de Novembro foi um dia de passagem a caminho desses objectivos iniciais.

Fazer do 25 de Novembro aquilo que alguma direita pretende, e apoucar a sua verdadeira dimensão, é fazer um 25 de Novembro dos “pequeninos”.

 

 

 

O RESPIGO DA SEMANA : "O que se está a comemorar não é o 25 de Novembro...", por José Pacheco Pereira

 

"A mistificação histórica e política do 25 de Novembro apouca-o, porque o seu significado real justificava uma comemoração digna nos seus 50 anos, em 2025, mais aquilo que traduz esta capa do Diabo, a ideia de que a liberdade e a democracia nasceram impolutas apenas no 25 de Novembro de 1975. O 25 de Abril não dera aos portugueses a “verdadeira liberdade”.

Era isto que, em 1974 e 1975, diziam, afirmavam e em função disto actuavam os partidários da ditadura que, de 1926 a 1974, oprimia os portugueses. Estas frases têm implícitas várias afirmações. Uma é de que não falo de “saudosistas” da ditadura, porque a palavra é mole. Eram muito mais que “saudosistas”. E digo oprimir porque, durante 48 anos, os portugueses não mandavam no seu país, naquela que foi a mais longa ditadura da Europa no século XX, com excepção da URSS. Não é pouco, é muito, e a capa do Diabo glorifica esse muito, mistificando o que aconteceu no 25 de Novembro de 1975 para atacar o 25 de Abril.

Há quem vá dizer que uma coisa é o Diabo, outra o “espírito” do 25 de Novembro, que seria o que presidiria às comemorações da Assembleia da República. Infelizmente para a nossa democracia não é verdade.

Começo por perguntar por que razão o 25 de Novembro é comemorado aos 49 anos, quando o 25 de Abril foi aos 50. As datas de comemoração normalmente correspondem a números redondos, e não se percebe a pressa de antecipar um ano a comemoração do 25 de Novembro, a não ser para o colocar no mesmo plano do 25 de Abril, ou, pior ainda, considerar que se pode comparar o seu significado histórico. Está-se a um passo de materializar a posição que está por detrás da capa do Diabo. O resto da capa, o “escapar à ditadura comunista”, também não tem qualquer fundamento histórico.

O 25 de Novembro pode e deve ser comemorado, mas é como ele foi, “como ele foi” foi sem dúvida importante no processo que, do 25 de Abril à plena democracia, teve várias etapas. O nascimento da nossa democracia, a partir da conquista da liberdade em 25 de Abril, demorou mais ou menos dez anos. Esses anos foram convulsivos, conflituais, mas o que é que se esperava da queda de uma ditadura, que conduzia uma Guerra Colonial, com censura todos os dias, com uma polícia política sem lei, com prisões e repressão, com altas taxas de analfabetismo, emigração em massa e enorme pobreza? Queriam que essa transição fosse “higiénica”, sem pecado? Muito bem, ajudassem a derrubar a ditadura mais cedo, a acabar com a guerra, pagando as consequências, e para isso

Por que razão o 25 de Novembro é comemorado aos 49 anos?

Muitos dos que se queixam do tumulto do pós-25 de Abril, com efeitos trágicos em particular nas colónias, não mexeram uma palha. O nascimento da democracia teve avanços e recuos e várias etapas que se estendem desde a revolução à derrota do 11 de Março (silêncio), às eleições para a Assembleia Constituinte, à vitória do 25 de Novembro, à vitória da AD, ao fim da tutela militar da democracia e, por fim, à eleição do primeiro Presidente civil.

Nesses avanços e recuos, o 25 de Novembro foi crucial para travar não uma “ditadura comunista” — o PCP continuou no governo e algumas das mais importantes nacionalizações são posteriores a Novembro —, mas sim o risco de um confronto entre fracções militares que se podia transformar numa guerra civil. Aliás, quando se confronta os defensores da versão “diabólica” do 25 de Novembro com as provas da participação comunista num golpe, não passam da “entrevista” de Cunhal a Oriana Fallaci, que qualquer pessoa que conheça o pensamento de Cunhal, com o que se sabe da estratégia do PCP nesses meses e da posição da URSS, sabe que ele não poderia ter dado aquelas respostas. Acresce que, quando confrontada com os desmentidos à sua “entrevista”, Fallaci prometeu divulgar as gravações, o que nunca aconteceu. O PCP tem muitas culpas no cartório no PREC, mas esta não tem.

Na verdade, os derrotados do 25 de Novembro são, a 25, a ala esquerdista ligada ao Copcon, que por razões intrinsecamente militares e corporativas sai à rua, ficando isolada e derrotada. A 26, os derrotados são outros, todos aqueles que queriam ilegalizar o PCP.

A mistificação histórica e política do 25 de Novembro apouca-o, porque o seu significado real justificava uma comemoração digna nos seus 50 anos, em 2025. O problema é que as pessoas a serem homenageadas seriam, com excepção de Jaime Neves — o herói solitário das comemorações “fake” de 2024 —, o Presidente general Costa Gomes, os militares do Grupo dos Nove, que são os mesmos que hoje se recusam a ir a estas comemorações, os seus vivos como Vasco Lourenço ou Sousa e Castro — demasiado “esquerdistas” para os propugnadores das comemorações “diabólicas” —, Ramalho Eanes e, no plano civil, Mário Soares, os seus companheiros da luta da Fonte Luminosa e os homens do PPD, Sá Carneiro e Emídio Guerreiro.

Ou seja, tudo gente que merecia a “verdadeira” homenagem, e não a que tem na sua propositura na Assembleia um destacado membro da resistência armada ao 25 de Abril e os membros da direita radical no CDS e no PSD. Vão todos participar numa mistificação histórica, que é ao mesmo tempo uma menorização do valor do 25 de Novembro. Mas os tempos estão para estas coisas, que a prazo se pagam caro."

José Pacheco Pereira (Historiador).

In Público - Edição Lisboa, 23 Nov 2024

O cartoon da Semana

 


sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Democracia e (ou?) Trumpismo!


Mais de 73 milhões de norte-americanos, pouco acima de 50% dos votantes, numa população de mais de 330 milhões, votaram em Trump e deram-lhe a vitória.

Com capacidade eleitoral estavam cerca de 240 milhões, tendo votado pouco mais de 140 milhões, dos quais cerca de 3 milhões votaram noutros candidatos que não os dois principais.

É assim a democracia, onde uma “grande minoria” de 22% (em relação à população total) ou de 30 % (em relação aos que têm capacidade eleitoral) pode obter o poder absoluto.

Contudo, quanto mais conhecemos a forma como funciona o sistema eleitoral norte-americano e o seu financiamento, mais perplexos ficamos sobre a verdadeira “democracia” e a “justiça” desse sistema, onde só dois partidos têm oportunidade de vencer, não possibilitando qualquer representatividade de minorias.

Claro que em França e na Grã-Bretanha, como vimos recentemente, a situação não é muito diferente.

É o problema dos sistemas de círculos eleitorais muito restritos, como nestes países europeus, ou do voto indirecto para um colégio eleitoral, como nos Estados Unidos, onde quem tem mais votos, mesmo pela diferença de um único voto, arrecada toda a representividade, dequilibrando a balança da equidade democrática.

Se juntarmos a isso o poder cada vez maior do sistema financeiro sobre os órgãos de comunicação social desse país, outro dos pilares que geralmente se lhe associa, o da “liberdade de expressão”, nos deixa cada vez mais perplexo.

Também por causa disso, nas democracias mais sólidas, existe todo um sistema de contrapesos que impede que uma "imensa minoria" se transforme em poder absoluto. 

Geralmente o que permite algum contrapeso no sistema norte-americano é a separação de poderes, mas alguns desses, como o judicial, estão cada vez mais dependentes do poder político e financeiro, só assim se explicando que Trump nunca tenha sido preso, pelos vários crimes de que é acusado.

Sobra alguma independência dos vários Estados Federais e o forte peso do tradicional associativismo de cidadania, sem esquecer que mais de 70% dos norte-americanos não estiveram com Trump.

Se a tudo isso associarmos o facto de o partido de Trump controlar todos os órgãos políticos (o senado e o congresso), e que esse candidato assumir a ruptura com todo o sistema político democrático norte-americano, a sua vitória, se bem que democrática, não deixa de ser preocupante para quem acredita nos valores de uma democracia saudável, da liberdade, do humanismo, da igualdade e do equilíbrio económico-social.

É a democracia a funcionar, sim senhor, mas também foi a democracia que levou Hitler ao poder, sem esquecer que foram “democracias”, algumas até menos viciadas que a norte-americana, que levaram ao poder Putin, Milei, Bolsonaro ou Órban, e que vai ser a democracia que está à beira de levar ao poder uma Le Pen…

Tempos complicado se avizinham.

Mas, como dizia um amigo meu, já desaparecido, quando os resultados eleitorais não nos agradavam, “não te preocupes, muitos dos que votaram neles [em Trump neste caso] vão sofre mais as consequências nrgativas das sua políticas que tu ou eu”.

terça-feira, 5 de novembro de 2024

Breve reflexão sobre as presidenciais norte-americanas por Pedro Caldeira Rodrigues (jornalista)


"À parte do superficial espetáculo mediático, de um efetivo entretenimento, 
diversos e atentos observadores têm assinalado qual a escolha obrigatória que se coloca aos eleitores norte-americanos nas eleições presidenciais de 5 de novembro de 2024: uma avalanche suprematista, reacionária e autoritária protagonizada pelo candidato do Partido republicano e ex-presidente Donald Trump, ou o prosseguimento de um império neoliberal assolado por fortes desigualdades sociais e pelas bombas norte-americanas que há mais de um ano caem sobre Gaza, e
depois sobre o Líbano.

Diversos académicos e intelectuais de renome interrogam-se crescentemente sobre a sanidade da democracia norte-americana, também devido aos crescentes custos das campanhas que impõem uma espécie de plutocracia e que sugere serem os doadores, os financiadores, quem escolhe antecipadamente o futuro ocupante do Gabinete Oval.

Outros consideram que as instituições estão impregnadas de racismo, fanatismo, corrupção, com opiniões polarizadas num país fraturado. A direita radical insurge-se contra uma elite estatista que acusa de ter falsificado as eleições de 2020, a esquerda militante considera o processo eleitoral antidemocrático devido ao peso de um Colégio eleitoral que favorece os estados pouco povoados.

Começou a evocar-se o espetro da guerra civil, debateu-se o facto de a Constituição ser omissa sobre a possibilidade de reeleição de um Presidente condenado, a dessacralização de instituições profundamente abaladas após o assalto ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021, o controlo do Supremo Tribunal pelo “trumpismo”, ou o recuo no direito de a mulher decidir sobre o seu próprio corpo.

Trump e a constelação que o rodeia preenchem listas de inimigos, apoiados pelos representantes do “capital inovador” e proprietários de redes sociais, onde se destaca Elon Musk. MAGA (Make America Great Again), é o seu slogan, assente na obtenção de dinheiro por todos os meios, também pela exploração desenfreada das riquezas naturais.

Depois, mobilizar o Exército contra os “inimigos internos” e os migrantes, expulsar muitos milhões, perseguir os media e o pensamento desalinhado. A sua rival democrata acusou-o, literalmente, de “fascista”.

Mas após a sua apressada nomeação pelo Partido democrata devido às crescentes deficiências cognitivas de Joe Biden, Presidente em exercício, Kamala Harris não hesitou em convocar centenas de figuras conservadoras ou antigos colaboradores ou colaboradoras de ex-presidentes republicanos, onde se incluem o ex-vice-presidente Mike Pence, um evangélico tradicionalista, John Kelly, chefe de gabinete na presidência de Trump ou Dick Cheney, antigo vice-presidente
neoconservador de George W. Bush, mentor das guerras dos EUA no Afeganistão e Iraque após o 11 de setembro de 2001 e dos programas de torturas secretas da CIA.

Nas primárias do Partido democrata de 2019, onde ocorreu contra Biden e o veterano “esquerdista” Bernie Sanders, Kamala apresentou um programa virado para as classes médias e parte do setor empresarial, com promessas dirigidas à sua esquerda, em particular segurança social para todos ou um New Deal verde.

Entretanto, mudou de posição, e durante campanha eleitoral para as presidenciais recuou na promessa de proteção social global, prometeu expandir o muro fronteiriço, permitir novas prospeções petrolíferas, omitindo as questões climáticas. E foi incapaz de sublinhar uma efetiva e positiva “grande alteração” ocorrida nos últimos quatro anos.

O duo Biden-Harris foi também totalmente cúmplice dos implacáveis bombardeamentos israelitas sobre Gaza que se seguiram ao violento ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023 no sul de Israel. Enquanto os protestos eram duramente reprimidos, sobretudo nas universidades, e que denunciavam a mortífera cumplicidade com Israel de Biden, apelidado de “Genocide Joe”, Kamala Harris demonstrava firmeza no apelo à libertação dos reféns israelitas que permanecem em Gaza mas reservas em apelar a um cessar-fogo imediato, e argumentava com o “direito de Israel a defender-se” para justificar o contínuo envio de armamento.

Como na contestação à guerra do Vietname ou ao ‘apartheid’, a causa palestiniana mobilizou os espíritos, fomentou novas solidariedades entre estudantes com diversas perspetivas, judeus e muçulmanos, e causou embaraço na liderança do Partido democrata. As universidades norte-americanas envolvidas nos protestos afirmaram-se como contrapoderes e bastiões de um pensamento livre num país que foi perdendo o hábito de lidar com opiniões divergentes. Uma população atomizada e sob tutela, sintomas de uma democracia doente, carente de revitalização. “Uma primavera americana que arrisca tornar-se num longo outono”, na expressão de Thomas Dodman, professor na universidade Columbia, Nova Iorque.

O apoio, na prática incondicional, da administração Biden-Harris ao genocídio em Gaza e à deriva extremista, colonial e expansionista do Executivo israelita poderá ser determinante para o resultado final em 5 de novembro. Mesmo sabendo que com o regresso de Trump à Casa Branca – apoiado pela influente e milionária corte de teleevangelistas e cristãos sionistas –, Benjamin Netanyahu terá novo alento para prosseguir a “limpeza”, o projeto do Grande Israel e a concretização da profecia bíblica do “regresso do Messias à Judeia e Samaria”, a designação que atribuem à Cisjordânia ocupada".

Pedro Caldeira Rodrigues

4 novembro 2024