Quanto mais sigo redes sociais, mais saudades sinto da magia de
desfolhar um bom jornal e daquele activo cheiro a tinta.
Desde miúdo que me lembro de ter jornais em casa.
Entrei para o mundo através deles, seguindo nos títulos em letras
garrafais o que se passava num mundo, que para mim não ía mais longe do que a
casa e do que o quintal onde vivia, quanto muito da praceta junto.
As minhas primeiras leituras foram os quadradinhos, de meia página ou
página inteira, do suplemento dominical do “Primeiro de Janeiro”, todo em
cores vivas, com o “Príncipe Valente” de Hal Foster e o “O reizinho” de O.
Soglow, incluindo ainda, na época de Natal, os filmes da Disney aos
quadradinhos.
Lá em casa entravam, além do “Primeiro de Janeiro”, do qual o meu pai
era correspondente em Torres Vedras, jornais como o “Diário de Lisboa” e a “República”
e, mais tarde, “A Capital”.
A eles juntavam-se revistas que o meu pai assinava ou comprava, como a “Vértice”,
a “Vida Mundial”, a “Seara Nova” ou o “El Correo da Unesco”.
Por vezes, quando se registavam grandes acontecimentos (como a morte de
Kennedy ou a chegada do Homem à Lua) lá se compravam outros títulos, como o “Diário
Popular” e o “Século”.
O mau avô era comprador habitual do “Século” e todas as 5ªs feiras
dava-me o suplemento infantil de BD “Pim-Pam-Pum”, antes de me começar a dar
semanalmente o “TinTin”.
Mais tarde também entrava em nossa casa o “Expresso”, seguido desde o primeiro número.
O grande boom de jornais deu-se com o fim da censura e a leitura
começou a ser mais diversificada, juntando-se ao “Diário de Lisboa” , à “República”
e ao “Expresso”, lidos colectivamente lá em casa, o “O Jornal” e “O Jornal
Novo”, comprados pelo meu pai, e o “Gazeta da Semana” e o “Página Um” e, mais tarde, o “Diário Popular” (com um
excelente suplemento literário) comprados por mim.
Muito mais tarde, aqueles e outros jornais continuaram a entrar
regularmente pela casa dentro, a eles juntando-se “O Sete”, o “Jornal de Letras”, "O Europeu" e a revista “Grande
Reportagem”….
Com o tempo, o leque de escolha foi-se reduzindo.
Deixou de haver diferenças entre matutinos e vespertinos , que se
diferenciavam também pelo formato. Os que saiam de manhã eram de grande
formato, os da tarde de formato mais reduzido.
Também deixou de se publicar várias edições no mesmo dia quando de
grandes acontecimentos nacionais ou mundiais.
Depois, com o aparecimento das televisões privadas, do “Correio da Manhã”
e , principalmente, dos canais por cabo e mais recentemente das redes sociais, quase todos os grande títulos que não
alinhassem no estilo tablóide, que não pusessem o futebol ou os crimes em
grande destaque nas primeiras páginas começaram a abrir falência.
Os jornalistas deixaram de ter controle sobre os jornais, agora ao serviço da publicidade e do sector financeiro que os controla por inteiro.
Hoje sobra o “Público” e o cada vez mais interessante, apesar do
formato um pouco esquisito, “Diário de Notícias”, que, para sobreviver, se
tornou semanário, mas que é o único que tem verdadeiras reportagens
interessantes de ler ( e por isso, talvez esteja condenado a prazo…!!!).
O resto, com raras excepções, é mixórdia politiqueira, "justiceira", economicista
e futebolística, tentando ir atrás do estilo arruaceiro e alarve
que domina as redes sociais, cada vez mais a principal fonte de desinformação da
maioria.
Quando os jornais acabarem, talvez seja tarde demais para a democracia.
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